Por Carlos Fino
A Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, não conseguiu, este domingo, nenhum dos objetivos que se propunha alcançar na segunda volta das eleições regionais em França.
A extrema-direita, que tinha ficado em primeiro lugar em seis das treze regiões francesas uma semana antes e contava poder levar de vencida pelo menos duas delas – uma a norte (Nord-Pas de Calais-Picardie) outra a sul (Provence – Alpes – Côte d’Azur) acabou por não ganhar nenhuma.
A inversão – ou melhor, a contenção – da tendência de crescente afirmação da Frente Nacional só foi possível porque de uma semana para a outra ocorreu um verdadeiro “sobressalto republicano”, com socialistas no governo e oposição de direita a fazerem desistências mútuas para erguer – já pela segunda vez! – uma barreira ao avanço da extrema-direita.
O primeiro ministro francês Manuel Valls chegou mesmo a dizer que votar FN poderia “levar à guerra civil”! Foi neste clima que Le Pen acabou por ser derrotada.
Resta agora saber como serão geridos os ressentimentos gerados – quer no campo democrata pelo voto forçado nos respectivos opositores tradicionais, quer sobretudo no eleitorado FN, que se vê confrontado a ter que aceitar uma derrota humilhante quando parecia estar à beira de uma vitória histórica.
Seja como for, não nos iludamos – as forças populistas que a Frente Nacional representa permanecem muito fortes, com os seus candidatos a registarem votações entre os 30 e 40 por cento ou mais. E Marine Le Pen continua à frente na lista de preferências dos eleitores para as presidenciais de 2017.
A França não é aliás o único país europeu onde o populismo eurocéptico tem vindo a ganhar posições.
Um pouco por todo o lado – da Irlanda à Grécia, passando pela Inglaterra, Holanda, Espanha e Áustria, Itália, e República Checa… – os partidos eurocépticos viram a sua influência crescer desde que em 2008 rebentou a crise económico-financeira, a austeridade imposta pela Alemanha se instalou e o euro revelou as suas debilidades estruturais.
E só se reforçaram com a onda de refugiados que este ano assolou o velho continente, em boa parte resultado das guerras na Líbia e na Síria, em que alguns dos principais países europeus tiveram direta responsabilidade.
Na Hungria, essas forças de inspiração nacionalista e iliberal estão no poder desde 2010 e em Outubro passado chegaram também ao poder na Polónia.
Expressão clara do descontentamento generalizado com a atual situação do chamado “projeto europeu”, o Reino Unido realizará em 2017 um referendo sobre a sua permanência ou não na União Europeia e o Parlamento da Finlândia – onde os eurocépticos também estão no poder – abrirá em 2016 um debate nacional sobre a continuação ou não do país na moeda única.
ENQUANTO ISSO, NA AMÉRICA LATINA
É neste pano de fundo de crescente onda populista na Europa que ocorrem agora mudanças de sentido contrário na América Latina.
Primeiro na Venezuela, dia 6, depois na Argentina, dia 10, duas eleições-chave marcaram aparentemente o fim de um ciclo populista neste continente, que vem pelo menos desde final dos anos 90.
São os primeiros efeitos, no plano político, da crise das commodities que está abalar uma série de países, a começar pelos que tinham economias muito centradas na exportação de matérias-primas.
Em Caracas, num escrutínio muito difícil, com tudo armado para lhe dificultar a vida e num clima de intimidação, a oposição democrática conseguiu obter dois terços dos lugares no Parlamento. Uma vitória notável que prenuncia o fim do chavismo, inaugurado em 1998.
Por seu turno, em Buenos Aires, o candidato oposicionista independente Maurício Macri derrotou o sucessor indicado do regime de inspiração peronista, pondo fim a 12 anos de kirchnerismo.
A transição rumo a uma vida democrática mais regular e transparente não vai ser fácil, nem num país, nem no outro, como o demonstram desde já as circunstâncias que rodearam ou estão ainda a rodear a mudança de poder num e noutro caso.
Na Argentina, Cristina Kirchner entrou em conflito com Macri a pretexto do lugar da cerimónia e acabou por não participar na transmissão da faixa presidencial.
No discurso inaugural, o novo presidente falou de conciliação, dizendo querer governar “com peronistas e não peronistas”, mas a ausência de Cristina deixou uma marca negativa e Macri terá de fazer um esforço redobrado para convencer os 48% que nele não votaram a aderir ao projeto de renovação económica e social que defende e foi sancionado nas urnas.
Mais grave é a situação na Venezuela, onde o presidente Maduro, sucessor de Chavez ainda no poder à frente de um governo de sentido contrário à nova maioria parlamentar, já deu provas claras de não aceitar passivamente o resultado das eleições. A manter-se essa atitude, podemos vir a assistir a um perigoso confronto de poderes em Caracas, tudo dependendo da posição que vierem a tomar as forças armadas.
É do interesse de todos os democratas que a razão prevaleça e que num caso e noutro se estabeleça um diálogo que evite choques e rupturas, assegurando uma transição pacífica para uma vida política equilibrada e livre, onde a mudança de poder se opere sem traumas.
Numa altura em que na Europa sopram ventos anti-liberais e populistas, apenas contidos agora em França, a América Latina poderia dar um valioso contributo para a estabilidade garantindo uma transição suave do populismo dos últimos anos para uma maior normalidade democrática.
Brasília, 13 de Dezembro de 2015
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.