Política Degradada

Parece não haver limites para a degradação moral da política nacional nos dias de hoje. Política no Brasil passa muito longe dos ideais de benefícios que devem ser compartilhados ao máximo possível pelos membros de uma comunidade, onde a felicidade de cada um deve corresponder ao bem comum, a melhorias para todos e que, por estes objetivos, para alcançarmos estas metas, temos um governo na direção. Nada disso. A Política com “P” maiúsculo, clássica, do bem estar comum, vem sendo vilipendiada diariamente, deixando-a assim desacreditada pela grande maioria. O que é um fato lamentável. Afinal, dependemos dela para nossa vida em sociedade. E muito perigoso, porque abre espaços para ‘aventuras salvacionistas’ de alto risco.

Recordemos alguns episódios dos últimos dias. Em pleno clima ainda do ‘feriadão’ de 12 de outubro, aconteceu a publicação do vídeo das delações do doleiro Lucio Funaro, realizadas em agosto. Mais um vazamento, entre tantos outros desde que a Lava Jato começou a operar. Desta feita, o conteúdo atingia diretamente a Michel Temer e Eduardo Cunha. Falando aos Procuradores da República, Funaro disse que Temer ficava com um percentual das propinas repassadas ao ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso, dinheiro esse “capitaneado em todos esses esquemas que ele (Cunha) tinha”. Este conteúdo está vinculado à segunda denuncia contra Temer, feita ainda por Rodrigo Janot, hoje fora da Procuradoria. E o teor do depoimento corrobora as declarações feitas pelo empresário da JBS, Joesley Batista. Detalhe: o vídeo foi exposto por um sitio da Câmara dos Deputados, que é presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado de Temer na obtenção do impeachment. Assim, tivemos Temer agora deixando a condição de traidor – como muitos o colocaram em relação a Dilma – para assumir o papel de traído. Tanto por Funaro quanto por Maia. Este, instigado pelo seu partido, desde o meio do ano, com o despencar da popularidade de Temer, vislumbra a possibilidade de assumir a cadeira da Presidência, caso ocorra o afastamento do atual Executivo. E faz então autêntico jogo duplo. Tanto que sobre a votação da nova denúncia contra Temer, Maia afirmou que cumprirá apenas seu “papel institucional”. Pergunte-se: então, qual o “papel” que ele cumpriu na votação anterior? Ele precisa se explicar. Mas, o tal depoimento concedido à PGR- Procuradoria Geral da República e vazado pela Câmara contem mais elementos importantes e escandalosos: Funaro afirma nele que Cunha comprou os votos do impeachment que colocou Temer no Planalto. O que nos remete à célebre frase do senador Romero Jucá (PMDB/RR) captada secretamente pelo gravador do ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado: “Temer é Cunha”. Funaro, no vídeo para a PGR, escancara com todas as letras que passou R$ 1 milhão para o ex-deputado Eduardo Cunha “comprar” votos a favor da derrubada de Dilma Rousseff, em 2016 (https://g1.globo.com/politica/noticia/funaro-diz-que-cunha-pediu-r-1-milhao-para-comprar-votos-pro-impeachment.ghtml). Um escândalo vergonhoso que a grande mídia simplesmente deixou passar em brancas nuvens. E revela a ilegalidade do processo. Relembrando-nos novamente o áudio de Romero Jucá via Sergio Machado onde ambos citam um suposto acordo nacional “com o Supremo, com tudo, para estancar a sangria” (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml ). O que alterou de lá para cá? Nada. O mecanismo continua o mesmo. A única coisa que mudou é a postura dos “batedores de panela” que, simplesmente, sumiram. Os verde-amarelos, ruidosos contra a corrupção existente no governo de Dilma, desapareceram das sacadas, das varandas dos edifícios e também das ruas e avenidas. Apesar dos escândalos permanecerem vindo à luz. Não interessa mais?

Agora, Temer novamente conseguiu se safar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Como na primeira ocasião, as denuncias feitas pela PGR não encontraram respaldo no entender do grupo de Deputados. Desta forma, Michel Temer, e também os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), todos das fileiras do PMDB, não foram considerados por crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa. O parecer foi elaborado pelo deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) que defendeu a conduta dos três e criticou as denúncias do empresário Joesley. O resultado 39 x 26 ajuda simbolicamente Temer a enfrentar nova votação na Câmara dos Deputados, que deve acontecer nos próximos dias, à partir de quórum mínimo de 342 deputados no plenário. Caso seja aceita a denuncia e aprovada também pelo Supremo, Temer será afastado por 180 dias para investigação, com Rodrigo Maia assumindo a Presidência da República. Se a Câmara negar as denúncias, Temer será investigado apenas após deixar o cargo, em 1º de Janeiro de 2019. E, mais uma vez, como aconteceu em julho, na primeira denúncia, quando Temer distribuiu R$ 15 bilhões em programas e emendas, surgem críticas de mais acordos nada republicanos. Entre os itens, um grande agrado à bancada ruralista, com mais de 200 votos no Congresso: o governo produziu uma portaria que dificulta a fiscalização do trabalho análogo à escravidão e a punição de patrões que o praticam, abalando ainda mais a imagem do País, sendo criticado pela OIT. Um retrocesso brutal simplesmente para manter um governo absolutamente sem respaldo popular, colocando-o em franca condição de ilegitimidade. Aliás, nesse imenso mar de lama, agrega-se o fato do Senado ter salvo um dos apoiadores de Michel Temer, o blindado mineiro tucano Aécio Neves, aquele que foi pivô para o início do processo de impeachment por não ter aceito o resultado das urnas. Uma grande articulação foi realizada e ele teve seu mandato preservado em votação por 44 x 26 votos, desconsiderando as denuncias do empresário da JBS. Que gravou conversas com o senador e, entre outras perolas, registrou a frase dita por Aécio: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação” (http://metro1.com.br/noticias/politica/35627,tem-que-ser-um-que-a-gente-mate-antes-de-fazer-delacao-diz-aecio-em-gravacao.html ).  Aécio, que teve 46 ligações de Whatsupp, segundo a PF, entre fevereiro e maio, com o ministro Gilmar Mendes do Supremo, enquanto investigado por causa de Joesley. O PSDB vai, assim, mantendo-se como sócio fundamental do governo Temer. Aquele que enxuga recursos para a educação, saúde, retrocede as condições de trabalho ao século XIX e aflige grupos indígenas e quilombolas com perda de territórios. Um governo que empurra o País para um período obscuro, cheio de farsas e muita hipocrisia, sustentado em sua base pela compra de votos. Uma tragédia nacional.

São Paulo, 20 de Outubro de 2017

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *