Polêmica: Museus e monumentos lusos podem ser utilizados para outras atividades “compatíveis”

Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, recebe a VExpo 2017 – Salão Internacional do Veículo Elétrico, Híbrido e da Mobilidade Inteligente.

Da Redação
Com Lusa

A utilização de espaços musealizados e monumentos nacionais, com objetivos promocionais, de divulgação cultural, filmagens e outros, está sujeita a um regulamento aprovado por despacho governamental, em 2014.

O Regulamento de Utilização de Espaços nos serviços dependentes da Direção Geral do Patrimônio Cultural (DGPC), aprovado no despacho n.º 8356/2014, foi publicado em junho de 2014, enquadrando a possibilidade de se realizar, nestes espaços, outras atividades, além das visitas habituais, desde que “compatíveis com os seus valores histórico/patrimoniais”.

No Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, está patente até domingo, a VExpo 2017 – Salão Internacional do Veículo Elétrico, Híbrido e da Mobilidade Inteligente, que coloca automóveis no interior da exposição permanente da instituição, uma iniciativa que já mereceu críticas do presidente do Conselho Internacional de Museus – ICOM Europa, Luís Raposo.

Em declarações à agência Lusa, Luís Raposo, ex-diretor do Museu Nacional de Arqueologia, e desde julho do ano passado presidente do ICOM-Europa, considerou “altamente imprópria” a apresentação de automóveis junto de viaturas históricas, numa exposição comercial. “É altamente impróprio a exposição de automóveis lado a lado com tesouros nacionais, num museu”, afirmou.

O Regulamento de Utilização de Espaços nos serviços dependentes da DGPC, afirma que cabe a esta direção-geral decidir, após parecer dos serviços dependentes, “da oportunidade e interesse da cedência, bem como das respetivas condições a aplicar”.

“Todas as atividades e eventos a desenvolver terão de respeitar o posicionamento associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido”, segundo um dos artigos do regulamento que desde logo rejeita “os pedidos de caráter político ou sindical”.

Segundo o documento, “serão ainda rejeitados os pedidos que colidam com a dignidade dos monumentos, museus e palácios ou que perturbem o acesso e circuito de visitantes, bem como as atividades planeadas ou já em curso”.

O regulamento obriga à assinatura de um termo de responsabilidade civil, por perdas e danos, de montante a determinar, que corresponda à responsabilidade por todos os danos ou prejuízos que vierem a ser causados no local, em consequência da cedência.

Nos espaços cuja utilização seja autorizada, podem decorrer eventos de caráter social, académico, científico, cultural, comercial, empresarial, turístico ou promocional, conjunto de atividades que inclui, entre outras, filmagens de cinema, televisão e publicidade.

O mesmo diploma estabelece os preços de aluguer dos espaços, sendo o mais elevado — 40.000 euros – os claustros do Mosteiro dos Jerónimos, também em Lisboa.

No caso do Museu dos Coches, um evento privado pode reverter em 2.500 a 10 mil euros para a DGPC, que centraliza estas receitas de monumentos, museus e palácios.

O documento discrimina 23 espaços — quatro conventos/mosteiros, uma casa-museu, 14 museus nacionais, dois palácios e ainda a Torre de Belém e o Panteão Nacional.

Esclarece o regulamento que, “sempre que a duração exceda o horário de abertura ao público, aos valores da tabela acrescem custos com a vigilância/guardaria, a orçamentar caso a caso”.

A tabela publicada estabelece, dentro de cada monumento, preços para cada um dos seus espaços. Assim, os jantares nos claustros dos Jerónimos custam 40 mil euros, mas no refeitório ficam por metade e, nos jardins interiores, não se podem realizar.

Neste monumento, classificado como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, há preços mais baixos, como a realização de ‘cocktails’, com um aluguel de 15.000 euros nos claustros, 10.000, no jardim interior, e 7.500, no refeitório.

A vizinha Torre de Belém tem preços mais módicos, oscilando entre os 1.500 e os 7.500 euros, atingindo a capacidade máxima de 500 pessoas, no terraço do baluarte, descendo para metade na sala interior.

O valor mais baixo tabelado é 50 euros, pela utilização da sala de formação ou pelo laboratório do Museu Monográfico de Conímbriga, a 16 quilómetros de Coimbra. Neste museu, o valor mais elevado a cobrar é 1.500 euros, para filmagens comerciais nos auditórios, ruínas, espaço museológico e outros.

A única Casa-Museu referida é a Dr. Anastácio Gonçalves, sob a tutela do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, em Lisboa, cujo aluguel do ateliê ou do salão nobre oscila entre os 750 e os 2.000 euros.

Os dois palácios citados são as antigas residências régias, em Mafra e na Ajuda, em Lisboa.

No primeiro, a tabela varia entre os mil e os seis mil euros pela utilização da sala do trono para jantares, descendo para metade, no caso de ‘cocktails’.

A sala do trono do Palácio da Ajuda não tem utilização prevista, no regulamento agora publicado. Neste palácio, os espaços mais caros — 7.500 euros — são as salas D. Luís e a dos Archeiros, ambas para jantares.

Entre todos os museus e monumentos, o Convento de Cristo é o que coloca à disposição o maior número de espaços, num total de 22.

O documento inclui ainda os preçários de utilização dos museus da Música, de Arte Popular, do Chiado, de Arqueologia, de Arte Antiga, de Etnologia, Azulejo, Teatro, e Coches, em Lisboa, assim como do Panteão Nacional, e dos museus Machado de Castro, em Coimbra, e Soares dos Reis, no Porto.

Forma de sensibilizar
A Direção-Geral do Patrimônio Cultural (DGPC) considerou que a exposição de automóveis elétricos inaugurada no Museu dos Coches, “constitui uma forma de sensibilizar o público para a importância de uma mobilidade sustentada”.

Em nota, a entidade sublinha que “tratando-se de viaturas não poluentes (…), esta iniciativa constitui uma forma de sensibilizar o público para a importância de uma mobilidade sustentada, um tema inscrito na agenda do governo português e internacionalmente reconhecido como prioritário”.

Também a diretora do Museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone, afirmou à Lusa que estão garantidas as condições de segurança das viaturas históricas expostas, e “não houve qualquer queixa” dos visitantes sobre a apresentação de automóveis no interior. “Não há nenhuma queixa de visitantes. Antes pelo contrário. De qualquer modo, é temporário”, acrescentou a diretora do museu, que reabriu ao público no fim de semana, com uma nova museografia.

Bessone indicou que “não há qualquer risco para as peças”, porque “as barreiras da museografia protegem os coches e impedem qualquer contacto, ao mesmo tempo que dão a informação necessária, interativa, em quatro línguas”.

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