Com o final das eleições em 2014, o assunto mais insistente na grande mídia comercial é a situação de corrupção envolvendo a Petrobrás. Diariamente os jornais dão destaque ao problema colocando a empresa numa situação bastante delicada. Tamanha a repercussão, o valor de suas ações despencou no mercado financeiro, ajudando a piorar o que já não era nada favorável. Mas, fica a pergunta a ser pensada: é justo a empresa ser prejudicada neste cenário?
Vamos pensar um pouco em seu papel no contexto brasileiro. As origens da Petrobras remontam à segunda metade da década de 1940, quando os novos rumos do desenvolvimento brasileiro eram o centro das discussões. Nos debates para a nova constituição pós Estado Novo, se admitia a participação de capitais privados estrangeiros, desde que integrados em empresas constituídas no Brasil. Mas, tínhamos na época carências de todos os lados: de técnicos, de pesquisa, de estrutura geral. Então, os nacionalistas, após muitos debates, formaram a campanha ‘O Petróleo é nosso’. A luta permaneceu firme durante tempos entre aqueles que defendiam a defesa do monopólio estatal versus os que defendiam a entrada externa no assunto. Assim, em 1953, com Getúlio Vargas tendo voltado eleito ao governo, é sancionada a Lei nº 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A. – Petrobras, empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Para o presidente, era um “marco de nossa independência econômica”, conforme conta a própria FGV. Uma curiosidade: como Vargas em 1952 ainda pensava na hipótese de 1/10 de participação estrangeira no setor, a UDN – União Democrática Nacional, o partido oposicionista liberal e de moral conservadora, assumiu a defesa do monopólio estatal, como nítida posição de enfrentamento político ao presidente. A UDN foi dos destacados apoiadores do golpe de 1964.
Quando a Petrobrás completou 50 anos em 2003, já se apresentava como uma empresa de dimensão internacional por ser a maior empresa brasileira e a maior companhia de petróleo da América Latina, estando, naquele momento, presente em nove países latino-americanos e na África, atuando na exploração e produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica, distribuição de derivados, e gás natural.
Vale lembrar que, em meados dos anos 1990, novos debates sobre o domínio do petróleo em mãos do Estado voltaram a ocorrer e a empresa voltou a ser manchete. A conjuntura estava influenciada pelas posturas neoliberais ‘modernizantes’ do primeiro mundo. Privatizar era a moda. O presidente FHC e seus ministros como Pedro Malan, Antonio Kandir, Mendonça de Barros do BNDES, Gustavo Franco do BACEN, entre outros, conversaram sobre a venda da estatal. Então, em 1997, enfrentando a resistência nacionalista, o governo promulgou a lei 9.478, destacando o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, mas abrindo o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. Foram criados a partir daí o CNPE – Conselho Nacional de Política Energética, órgão de assessoria e consulta da Presidência da República e a ANP- Agência Nacional de Petróleo, órgão regulador da indústria do petróleo, que definiria diretrizes para a participação do setor privado na pesquisa, exploração, refino, exportação e importação de petróleo e derivados. Até 1999 a ANP, através de Zylbersztajn, seu Diretor e genro de FHC, defendia a venda da Petrobrás, conforme noticiava a imprensa à época. Criaram o nome ‘PetroBrax’ para facilitar a sua ‘globalização’. A situação da Petrobrás ganhou mais tranqüilidade sob o governo Lula que afirmava: “A Petrobrás é o Brasil e o Brasil a Petrobrás”. Quando Dilma foi eleita, as turbulências voltaram.
De imediato, questionaram-se as compras envolvendo uma refinaria em Pasadena, no Texas, entre 2006 e 2008. O TCU – Tribunal de Contas da União, através do ministro José Jorge, investigou e apontou irregularidades nas transações e prejuízos à Petrobras. Para ele, os membros da diretoria executiva podiam ser responsabilizados, porque cabia a eles a gestão do processo de compra, desde a negociação inicial até a confecção dos contratos. O ministro determinou a devolução de US$ 792,3 milhões aos cofres da Petrobras em prol do patrimônio da empresa. O Conselho de Administração era presidido pela Ministra da Casa Civil, na época, Dilma Rousseff. Dilma, aliás, como ministra, defendeu que a Petrobrás ampliasse sua relação com fornecedores nacionais, para estimular a criação de empregos em nossa economia. Mas, as coisas resultaram em complicados casos. Gerou-se uma trama de favores e subornos, em uma palavra, corrupção, que envolveu muitas empresas brasileiras de grande porte com a Petrobrás. Para piorar, sabe-se que estas empresas também participaram das eleições fazendo doações às campanhas dos partidos.
Para se ter uma idéia, os aliados do governo receberam 62% das doações feitas na eleição 2014 pelas empreiteiras investigadas pela corrupção. Mas, atenção, a oposição também mamou: suas legendas receberam 34% dos recursos entregues voluntariamente pelas construtoras, ou seja, mais de R$ 68 milhões. O resíduo foi para os ‘independentes’. Dados oficiais do TSE resultam em um total perfazendo mais de R$ 200 milhões. Não consta aqui o que foi ‘por fora’, os extras, obviamente. E muito menos o que serviria diretamente para favorecimento na realização de contratos futuros, de benefícios aos empresários, conforme busca apurar a Polícia Federal e o Ministério Público. Neste universo de ‘parcerias’, investigadas pela Justiça, destacam-se empresas como Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Toyo Setal, Iesa, OAS, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e Camargo Corrêa. O suposto esquema de irregularidades pode ter desviado até 10 bilhões de reais da Petrobras. Esse grupo de empreiteiras tem mais de 50 bilhões de reais em contratos em atividade com a petroleira. Fica perceptível para qualquer um que, fosse PT, PSDB ou o grupo de Marina Silva, essas grandes construtoras e seus interessados estariam vinculados ao governo. E isto inclui também nomes do PMDB, do PSB, do Dem etc. É tão aberrante a situação que, no Congresso, o grupo de 58 parlamentares que ajudam a investigar a corrupção entre Petrobrás e empreiteiras, 33 são envolvidos com financiamentos das mesmas empreiteiras. A situação é difícil e não há ingênuos à vista.
Assim, precisamos racionalmente separar as coisas. Corruptos privados e públicos precisam ser punidos conforme a lei. Empresários que querem mamata e os gestores da Petrobrás que permitem que isto ocorra devem ser responsabilizados. Doa a quem doer. Ponto pacífico. A empresa, no entanto, é muito mais que sua direção. A Petrobrás, que envolve uma enorme quantidade de trabalhadores, de petroleiros, de pesquisadores, de operários, que é a maior empresa nacional, deve ser defendida e higienizada dos corruptos, dos oportunistas. A empresa tem uma história de conquistas e deve ser respeitada e amparada. Ainda mais após a descoberta de uma imensa riqueza em potencial que é a camada do Pré-Sal, objeto da cobiça do mundo, como as denúncias de espionagem feitas pelos EUA em 2013 sobre o governo e a estatal mostram. Depredar esse patrimônio interessa a quem? Os políticos e empresários corruptos passam e a Petrobrás fica. São Paulo, 27 de fevereiro de 2015.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo
1 comentário em “Petrobrás é vitima e não culpada”
Matéria publicada no Jornal O Globo
Crônica de Luis Fernando Veríssimo sobre a Petrobrás
http://jornalggn.com.br/noticia/o-contexto-maior-por-luis-fernando-verissimo#at_pco=cfd-1.0&at_ab=-&at_pos=3&at_tot=5&at_si=54f12ca5f21620ac