Pessach

“Numa pequena aldeia, havia uma casinha. Nesta casa morava uma velhinha.

Ela criava uma galinha e um coelho.

A galinha tinha seu ninho embaixo da escada e lá botava seus ovos.

O coelho vivia solto pelo gramado que circundava a casa.

A galinha cacarejava toda vez que botava um ovo, e a velhinha corria para recolher o ovo que a galinha botava e a alimentava com boa comida.

A velhinha gostava muito da carijó, que tinha a crista vermelha, as patinhas amarelas e as penas coloridas… Gostava também do coelho, que tinha as orelhas bem grandes e o pelo branco bem fofinho.

Certo dia, a velhinha escutou a galinha cacarejando tão alto e tão feliz:  — Botei, botei, botei! Até o coelho assustou-se e ficou com as orelhas em pé.

A velhinha desceu bem rápido os degraus da escada, abaixou-se e viu no ninho um ovo bem grande, com manchas multicoloridas. Era tão lindo que ela não cansou de admirá-lo.

Com muito cuidado pegou-o e levou-o para a cozinha. Ficou pensando o que faria com ele. Não podia comê-lo, pois era muito bonito e também não podia deixa-lo como enfeite, pois poderia cair e quebrar-se.

O coelho que estava ao seu lado, disse-lhe:

–E se der de presente para uma criança? A Páscoa está chegando e com certeza quem recebe-lo ficará muito feliz.

A idéia é boa, respondeu a velhinha, porém para qual criança? Eu conheço tantas.

Ela pensou um pouco e exclamou:

–Já sei, vou juntar muitos ovos da galinha carijó e depois de pintá-los vou presentear todas as crianças.

Saltitando e feliz, o coelho dizia:

— Eu também vou ajudar a pintar. Assim dito, assim feito.

A galinha carijó botou muitos ovos. A velhinha recolheu-os numa cesta de vime e junto com o coelho branquinho, pintou-os. Ficaram tão bonitos. Multicoloridos. Vermelhos, verdes, azuis, amarelos, roxos. Alguns listrados, outros com bolinhas e até com flores.

No domingo de Páscoa, a velhinha os colocou numa bela cesta e o coelho branquinho distribuiu-os para todas as crianças da aldeia”.

É bonito este conto lituano de Nijole Jankute. Note bem, caro leitor, esta narrativa não fala nenhuma vez em comprar, em consumir ovos de chocolate, bombons ou outras mercadorias presenteadas com cartões de crédito facilitado, nada disso. Ela fala da alegria da doação, da repartição, da sua relação com a comunidade, com o próximo. Fica fácil imaginar o rosto brilhante das crianças sendo agraciadas pela bondosa senhora e seu prestativo coelho branco. Uma singela mensagem do espírito de Páscoa.

Celebrar a Páscoa é celebrar a vida, com toda a sua beleza, com toda intensidade, como faz o sorriso de uma criança que é acalentada. Seja na Lituânia, em Angola, em Macau ou no Jardim Ângela. É a festa da vida que tem como compromisso que a vida seja sempre uma festa. Páscoa, em sua tradição cristã, é doação. Jesus doou sua vida por todos nós. Foi torturado por horas. E ressuscitou, vencendo a morte brutal. Este é o fato a se tratar.

Esta alegria, em agradecimento pela vida, precisa ser redescoberta pelas pessoas em geral, afastando-se do fetiche do consumismo puro e simples com seus interesses mesquinhos, meramente comerciais. Precisamos fazer essa passagem/ Pessach. Para que o mundo seja melhor precisamos aprender a doar nossas atitudes em prol do semelhante, pensarmos mais na coletividade que nos cerca. Distribuirmos com os outros a beleza que recebemos. Repartir o pão para que todos tenham vida, conforme Cristo ensinou e foi violentado por isso.

Se temos tantos temores existenciais, precisamos da união com os demais para enfrentarmos os desafios presentes, nesta civilização perdida, fragmentada, neurótica, de caráter corrompido, com instituições em crise, concentrando em poucas mãos a abundância que a Terra oferece a todos. A solidariedade se espalhando construirá um mundo mais saudável, mais sustentável, mais justo, mais humano, onde ninguém estará sem o seu ovinho colorido enquanto outros desperdiçam o excesso que apodrece em suas próprias dispensas abarrotadas.    São Paulo, 5 de abril de 2012

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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