Mundo Lusíada com Lusa
A pesquisadora brasileira Thaís França considera que o aumento dos casos de xenofobia contra brasileiros mostra a maior visibilidade do tema junto de vários setores da sociedade portuguesa.
Comentando o recente caso de um vídeo difundido ‘online’ em que uma mulher portuguesa no aeroporto de Lisboa diz a uma brasileira “vá para a sua terra, estão a invadir Portugal”, entre outras declarações xenófobas, Thaís França salientou que o tema está a crescer também pela visibilidade dada pelos protagonistas, embora admita que o número de casos tem aumentado.
A situação gerou polêmica no Brasil, com o ministro da Justiça, Flávio Dino, a referir-se ao caso: “Bom, se for isso, nós temos direito de reciprocidade, não é? Porque em 1500 eles invadiram o Brasil. E concordo, até, que eles repatriem todos os imigrantes que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto, e aí fica tudo certo, a gente fica quite”.
Para a investigadora brasileira do ISCTE, este tipo de incidentes “tem crescido cada vez mais”, mas isso não representa uma mudança estrutural, porque as “mobilizações anti-imigração não se igualam necessariamente a episódios isolados”.
“Quando estamos a falar de mobilização, estamos a falar de grupos que se organizam, que organizam uma pauta” (agenda política) e “muitas vezes o que nós vemos são casos isolados, como esse”, porque “não estão inseridos dentro de um grupo organizado”, salientou, negando que haja um sentimento xenófobo generalizado em Portugal contra os brasileiros.
“Eu não acho que ele é representativo da experiência de todos os brasileiros em Portugal, mas isso tem crescido bastante, cada vez mais nós escutamos os casos de discriminação, de racismo e de xenofobia”, acrescentou.
Contudo, estes casos também têm aumentado porque, “hoje em dia, tem-se uma perspetiva muito maior do que é a xenofobia do que é racismo” e há “muitos mais canais para discutir essas questões, que antes tinham menos visibilidade”.
A investigadora lamenta que Portugal não discuta abertamente o racismo e a xenofobia.
“Portugal tem o mérito de que as políticas portuguesas são muito boas em matéria de integração dos imigrantes e em matéria de concessão da nacionalidade”, mas essas leis “não conseguem ter o impacto que era esperado” porque “ainda há a negação de que [o racismo ou a xenofobia] é um problema em Portugal”.
“É como se a construção dessas políticas não viesse como resposta a um problema”, mas de um discurso de que “‘somos muito avançados em matéria de imigração e queremos ser um país aberto à universidade cultural’”, exemplificou.
“O próprio racismo é um problema em Portugal e a xenofobia tem crescido”, como mostra o aumento da “discriminação contra imigrantes”, avisou.
Anti-imigração
Thaís França alertou que os movimentos anti-imigrantes existem em Portugal e estão cada vez mais organizados, aproximando-se dos congéneres europeus, embora sem um impacto social equivalente.
Nos grupos anti-imigrantes “há uma organização muito maior, muito mais forte, há muitos mais grupos aparecendo e cada vez mais organizados, com agendas mais claras, ocupando cada vez mais espaço, não só de movimentos sociais, mas também dentro da política partidária”, avisou a investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.
Financiado pela EEA Grants Portugal, o estudo de Thaís França incluiu 20 entrevistas a ativistas portugueses que se apresentam como anti-imigrantes e as conclusões apontam que a agenda é semelhante a outros países europeus.
“Esses movimentos anti-imigração existem em Portugal, mas não têm tanta visibilidade quanto têm noutros contextos”, pelo que há uma tendência para se dizer que o problema não existe em Portugal, o que “é mentira”, explicou.
Segundo a investigadora “começam a aparecer algumas manifestações de discursos de ódio, principalmente ‘online’, casos que se veem na rua, de manifestação contra migrantes”, exemplificou.
Reconhecendo que é “tudo muito pontual”, a investigadora diz que o seu estudo mostra que essas movimentações existem “de uma forma mais submersa e estão a organizar-se”.
Até porque, salientou, há um crescimento em Portugal do “espaço para essas reivindicações anti-imigração acontecerem, apesar de, até hoje, Portugal ter tido uma política muito aberta em relação aos imigrantes”.
O afluxo de estrangeiros ao país acentua a expectativa desses grupos de uma maior visibilidade, já que dantes, com a imigração tradicional dos países lusófonos, contribuía para que o “chamado choque cultural fosse muito menos intenso do que se poderia ter visto noutros países”.
A investigadora, de origem brasileira, foi confrontada com isso nas suas entrevistas. “[Os ativistas anti-imigração] diziam que o meu caso é um caso de exceção, porque estou integrada na sociedade portuguesa porque estou a trabalhar e a contribuir”, numa espécie de “discurso da boa selvagem” em relação ao outro.
Esses grupos defendem um “controlo maior da entrada” de migrantes e criticam as políticas de “diversidade cultural nas escolas”, explicou a investigadora.
Trata-se de organizações que “advogam que Portugal precisa mudar as políticas, que são muito abertas para os migrantes, comparada com os outros países europeus”, com “agendas de reivindicação” muito semelhantes a outros grupos de outros países.
Em causa está o “risco de haver uma perda da identidade portuguesa, à medida que mais imigrantes vêm e à medida que Portugal começa a adotar outros costumes culturais que não seriam os tradicionais”, explicou Thaís França.
As conclusões do projeto, que integra estudos semelhantes realizados na Noruega, Itália, Alemanha, França e Áustria, serão apresentadas no dia 29 de novembro.
Apesar de o discurso anti-imigrantes estar latente na sociedade, Thaís França não acredita que as próximas eleições de março deem eco ao tema.
“O tema da anti-imigração está presente na agenda do Chega” e “tenta entrar noutros partidos”, mas a atual crise política “acontece dentro de um contexto de corrupção” e será esse o tema principal da campanha, vaticinou.
“Se tivesse sido uma saída normal do Governo, eu acreditaria que essa questão da migração apareceria com mais força na agenda, porque ela está presente na agenda dos partidos políticos também”, mas “hoje não me parece”, afirmou.