Pesquisador propõe reconstituição de rota de escravos para turismo cultural em Angola

Da Redação com Lusa

A reconstituição de uma rota de escravos em Angola, enquanto produto turístico, com um foco nos afrodescendentes no continente americano, é a proposta do investigador Afonso Vita numa tese de doutoramento defendida na Universidade de Coimbra.

A tese foi defendida pelo pesquisador Afonso Vita, que está ligado ao setor do turismo angolano.

No documento, Vita propôs a reconstituição da história e geografia das rotas dos escravos e a sua transformação em produto turístico em Angola, país que foi uma das principais fontes emissoras entre o século XV e século XIX (quase seis milhões de escravos).

“Trabalho há mais de 30 anos no turismo e, como amante de história e cultura, sentia que havia uma grande oportunidade de desenvolvimento do turismo de Angola se explorarmos a nossa história, o nosso patrimônio cultural”, disse Afonso Vita.

A definição da década de 2015-2024 pelas Nações Unidas como a década dos afrodescendentes e a constatação pelo investigador de que há um aumento do interesse daqueles em descobrirem as suas origens levaram Afonso Vita a embarcar numa tese em torno do tema, que arrancou em 2013 e que terminou em junho.

Na tese, o investigador propôs uma rota com quatro locais no norte do país: Luanda, Massangano, Ambriz e Soyo.

“Como projeto operacional, não podia abarcar o país todo”, justificou, salientando que cada uma das localidades tem vestígios daquilo que foi o comércio de escravos, capturados no interior do país, que seguiam depois para o litoral, onde embarcavam para o continente americano.

No Soyo, encontram-se dois pontos de interesse, Mpinda (onde há um local de batismo dos escravos) e Porto Rico (onde eram concentrados e vendidos para seguir para Mpinda).

Em Ambriz, cidade costeira a norte de Luanda, ainda permanece a chamada Casa de Escravos, onde estes eram armazenados e “saíam num túnel até ao local de embarque”, referiu.

Já em Massangano, a leste de Luanda, mais longe da costa, encontra-se “a praça de escravos”, onde estes eram reunidos depois de terem sido capturados no interior do país e partiam para Luanda através do rio Kwanza, explicou.

A capital afirmava-se já na altura como o principal porto de embarque, sendo também lá que está instalado o Museu da Escravatura.

A rota, apesar de focada na escravatura, pretende também passar por pontos destas localidades que remetem para a cultura angolana, cujas marcas estão presentes em manifestações culturais das comunidades afrodescendentes no continente americano, frisou.

“Um dos objetivos do projeto passa também por estimular a criação e a construção de novos museus e monumentos para melhor divulgar e promover a nossa história”, realçou o investigador.

O projeto propõe também a valorização de figuras que lutaram contra a escravatura, como líderes políticos e militares do reino do Congo, ou escravos que assumiram lugar de destaque na luta contra o colonialismo e escravatura no Brasil.

Com mais de 150 milhões de afrodescendentes no continente americano, a rota tem como principal objetivo cativar esses turistas que procuram conhecer melhor as suas origens e raízes, vincou.

“No ano passado, o presidente João Lourenço esteve no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, e tomou conhecimento de uma família que era descendente dos primeiros escravos, a família Tucker. Tiveram um jantar e o presidente convidou-os para visitarem Angola. Em março, três membros da família deslocaram-se a Angola e, ainda este ano, a própria família organizou-se com amigos e pretende voltar ao país com 30 pessoas, todos afrodescendentes”, relatou.

“Existe um grande interesse do Governo em ver o turismo cultural valorizado”, acrescentou.

No entanto, a rota pretende também dialogar com países que participaram ativamente na exploração da escravatura, como Portugal, França, Espanha ou Inglaterra, assumindo o produto turístico como uma “terapia para facilitar a aproximação e interação não apenas entre a diáspora africana, mas com todos os cidadãos, sobretudo daqueles países que foram protagonistas de todo o processo”.

Para além da rota, o investigador propõe também a criação do Festival Internacional de Encontro e Reencontro da Africanidade em Angola, que se poderá realizar de dois em dois anos, em M’banza Kongo, antiga capital do reino do Kongo e patrimônio mundial da humanidade.

“É fundamental a implementação do projeto da reconstituição das rotas de escravos em Angola, visto que contribuirá para o resgate, valorização e divulgação da história da escravatura em Angola, reunir os angolanos e a sua diáspora, bem como melhorar as condições de vida das populações locais”, concluiu Afonso Vita.

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