Da Redação com EBC
Pesquisadores resgataram a localização do ponto exato onde Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. Segundo o professor do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Pimentel Cintra, o local chegou a ser marcado fisicamente “com bastante precisão” no início do século 20, mas, ao longo das décadas, uma série de confusões e mal entendidos fez com que a informação acabasse se perdendo.
Cintra conta que o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo determinou, em 1902, o lugar, dentro do perímetro de onde atualmente fica o Parque da Independência, na zona sul paulistana. “Nesse local foram colocados um mastro e uma pedra, como se pode ver em fotos da época. E aí permaneceram até 1921 ou 1922 quando os jardins foram remodelados, com grandes escavações”, relata.
A partir da retirada desse marco, começaram a ser atribuídos outros pontos, como o local onde foi instalado o Monumento à Independência, de autoria do artista Ettore Ximenes, inaugurado em 1922, nas comemorações do centenário da Independência. Há ainda o famoso quadro de Pedro Américo, que ajudou a formar o imaginário sobre o momento, mesmo não sendo preciso do ponto de vista histórico.
Havia também uma pedra fundamental que foi colocada anteriormente, segundo o pesquisador, no lugar errado. “O local que prevaleceu situa-se no jardim acima da Rua dos Patriotas, junto à primeira fonte, para quem sobe”, diz sobre a primeira tentativa de demarcação que, equivocada, ajudou a aumentar a confusão sobre o tema.
De acordo com o pesquisador, não se sabe porque essa marcação foi colocada fora do lugar, uma vez que o ponto foi medido com precisão à época (1825), quando se pretendia erguer um monumento no local.
Há três anos, Cintra vem pesquisando o assunto como parte de um estudo sobre o caminho de Dom Pedro no dia 7 de setembro. Para precisar o ponto exato do grito, o professor analisou relatos de quatro testemunhas que estavam presentes no momento do fato histórico. Além disso, ele recorreu à ata de setembro de 1825 da Câmara Municipal de São Paulo. “Ela dá uma informação precisa do local: 184 braças [104,8 metros] da cabeceira sul da ponte sobre o riacho do Ipiranga. Estiveram presentes nessa demarcação engenheiros, agrimensores e pessoas que presenciaram o fato e moravam na região”, detalha.
Apesar da precisão dessas indicações, Cintra diz que as mudanças do espaço ao longo do tempo dificultam a localização. “A dificuldade maior foi determinar a posição da cabeceira da ponte em 1822, pois o rio foi retificado e a ponte foi destruída. Para isso, recorri a mapas antigos em que figuravam o rio e a ponte antes da retificação”, conta.
Os mapas antigos foram sobrepostos com um programa de cartografia digital. Com essas informações, foi possível fazer a marcação no parque usando sistema de localização por satélite (GPS). O ponto correto fica em um bosque, na parte esquerda do parque, se o observador estiver de frente para o Museu Paulista. O trabalho foi detalhado em artigo assinado com o pesquisador Alexandre Cintra.
Para o pesquisador, ter o ponto exato, apesar de não mudar a essência do entendimento do fato histórico, permite examinar detalhes da situação, como a movimentação dos mensageiros e da guarda de honra do então príncipe regente.
A Princesa decisiva
“Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1.822 Pedro, O Brasil está como um vulcão”.
Mais direta, impossível. Era mais do que uma correspondência de amor. O início da carta de Maria Leopoldina da Áustria, então com 25 anos de idade, para o marido, o imperador D.Pedro I, manifestava angústia e um chamado para uma transformação do Brasil. Na verdade, uma separação (de Portugal).
“Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa. (…) O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem vosso apoio, ele fará sua separação”.
Para três biógrafos e pesquisadores da vida de Leopoldina, consultados pela Agência Brasil, a princesa atuou de diferentes formas que foram primordiais para que ocorresse a Independência do Brasil.
Os historiadores Mary Del Priore, Clóvis Bulcão e Paulo Rezzutti entendem que ações de bastidores, com autoridade intelectual diferenciada, e sentimento de preservação do trono, resultaram para que o dia 7 de setembro tivesse entrado para a história.
A pesquisadora Mary Del Priore entende que há influência das relações pessoais e familiares de Leopoldina no contexto político. A esposa do imperador foi constrangida pela exposição frequente pública da amante, Domitila de Castro, a Marquesa De Santos, em compromissos da família que governava o Brasil.
“A Leopoldina, que está no papel, representou uma criatura muito sofredora e extremamente vilipendiada e humilhada pelo marido. Mas teve uma atuação muito importante em todo o processo ”, afirma Mary Del Priore.
A pesquisadora contextualiza que, até a Revolução Francesa (1789), a sexualidade dos príncipes e dos reis era algo associado à virilidade de quem ocuparia o trono. “O rei seria considerado poderoso se ele tivesse muitas amantes e filhos Depois, no final do século 18, e no início do século 19, com todos os ideais iluministas e republicanos, ter uma amante significaria que o homem era fraco”.
Poder
O escritor e pesquisador Paulo Rezzuti explica que as cartas são as pistas que tornam possível decifrar os pensamentos da Regente, tanto o seu olhar político como os sentimentos conflituosos para a família. Segundo o pesquisador, é possível verificar que Leopoldina encontra nas cartas uma forma de se abrir com pessoas que ela confiava. “Então se percebe uma mulher que estava acostumada a governar e a reinar. Ela foi criada pra isso”, esclarece o autor de D. Leopoldina, a história não contada: A mulher que arquitetou a Independência do Brasil.
Pedro, segundo os biógrafos, compreende que Leopoldina é uma aliada. “Se não entendesse que ela era uma aliada, jamais o imperador teria colocado ela como regente do Brasil enquanto ele fazia a viagem para São Paulo”, aponta o pesquisador.
“No dia 13 de agosto, Pedro saiu do Rio de Janeiro e colocou ela como princesa no Brasil. Ele chegou em São Paulo no dia 25 de agosto e voltaria ao Rio de Janeiro um mês depois, no dia 14 de de setembro”, explica Rezzutti. Quando o Brasil ficou Independente, a regente era a esposa. Tornava-se, então, a primeira mulher que ocupou o mais alto cargo o Brasil. E em um período de extrema tensão. Havia conflitos na Bahia desde fevereiro.
Um dos aspectos da força de Leopoldina estava ligado ao momento do Conselho dos Ministros, quando Dom Pedro estava em São Paulo, e foi ela, na situação de princesa regente, que estava reunida com José Bonifácio de Andrada e Silva (presidente da junta governativa de São Paulo e assessor de Dom Pedro) quando recebeu a correspondência do reino com uma série de imposições ao Brasil. Ela, então, ajudou a articular o desenrolar dos acontecimentos que culminaram com a Independência.
Os pesquisadores enfatizam que ela percebeu que os filhos iriam ficar sem trono. Por isso, pensou em resguardar o caminho para os herdeiros. “É espetacular o devotamento da Leopoldina ao Brasil e ao projeto dela de uma coroa (pensando no país) para os filhos”, afirma Mary Del Priore.
Como o imperador não era fluente em outros idiomas, Leopoldina incumbiu-se da tarefa de receber marinheiros mercenários para compor as forças de resistência brasileiras. Segundo os estudiosos, ela falava inglês, francês, alemão e recebeu os militares.
Leopoldina escreveu para as lideranças na Europa pedindo reconhecimento do Brasil e de Dom Pedro, como alguém aclamado pelo povo. “Ela foi uma presença muito proativa”, diz Del Priore.
Um exemplo disso é que, mesmo depois da dor de perder o filho (no dia 2 de fevereiro de 1822), João Carlos (que ela esperava que seria o futuro imperador do Brasil,), essa mulher vence essa dor e todas as dificuldades. “Ela estava grávida novamente e foi de barrigão no Arsenal da Marinha falar com os militares”.
Não seria a primeira vez que Leopoldina usava a sagacidade para resolver dúvidas importantes para o país, em uma mistura de questões familiares e políticas. Em janeiro de 1822, por exemplo, quando ocorre o Dia do Fico (marco, em 9 de janeiro, também para a Independência do Brasil que ocorreria naquele ano), Leopoldina, grávida, usa como pretexto a gestação para não voltar a Portugal.
Os historiadores analisam que Leopoldina percebeu que a ausência do imperador poderia enfrentar revoltas que gerassem divisões do território. “Ainda não se tinha essa ideia de sentimento de nacionalidade. Isso vai ser o processo da independência que vai trazer essa ideia de unidade nacional”, afirma o escritor Paulo Rezzutti.
Segundo outro biógrafo de dona Leopoldina, o escritor Clóvis Bulcão, a princesa foi lentamente sendo envolvida por aquele ambiente de disputa, de radicalização entre brasileiros e portugueses. “Ela vai tomando claramente o lado do Brasil”. “É importante lembrar que o pai dela, o imperador da Áustria, quando fez o casamento com a família Bragança deixa bem claro que não era pra se meter em aventura revolucionária”, contextualiza Bulcão.
Essa desobediência rompeu com a tradição do império austríaco. Bulcão avalia que, no final, ela vai ter um papel importante naqueles últimos dias que antecedem o 7 de Setembro. O clima vai ficando cada vez mais tumultuado e tenso. Dom Pedro, quando foi pra São Paulo e proclamou a Independência, deixa Leopoldina como regente no Rio . “Então, na verdade, o Brasil, quando nasce em 7 de setembro, tem uma mulher como a governante”.
O escritor Paulo Rezzutti entende que a personagem foi apagada da história de forma injusta e por machismo, já que ela age nos bastidores políticos, além do que se esperaria dela. Uma mudança de olhar da história ocorre só no século seguinte. Clóvis Bulcão considera uma ação de machismo em relação a historiadores que diminuíram o papel de Leopoldina.
Para Mary Del Priore, até o final do século 20, era incomum que as histórias de mulheres ganhassem maior repercussão. “A historiografia vem descobrindo protagonistas femininos. Está se fazendo justiça a uma mulher que trabalhou pela independência do Brasil com todas as forças e com muito amor”.