Pela Permanência da Justiça Militar

Há, ainda de forma incipiente, clara campanha, algumas vezes veiculada pela imprensa, para a eliminação da Justiça Militar da União, sob a alegação de que a justiça comum poderia tratar de seus jurisdicionados, com a mesma eficiência. Alicerça-se em uma boa dose de desconhecimento.

Criado o Conselho Supremo Militar e de Justiça por alvará de Dom João VI, em 1º de abril de 1808, completa a Justiça Militar no Brasil este ano seu ducentésimo quinto aniversário.

João Barbalho, em “Constituição Federal Brasileira – Comentários”, em 1924, ao justificar sua existência, afirma que a infração do dever militar “por ninguém pode ser melhor apreciada que por militares mesmo”.

É que, em qualquer país democrático e civilizado, as Forças Armadas têm a função de preservar a nação do inimigo externo, assim como a ordem e a lei, internamente, sempre que sua violação venha desestabilizar as instituições. É, de rigor, o que está escrito no artigo 142 da CF.

A hierarquia e a disciplina são os fundamentos das Forças Armadas brasileiras, com minucioso elenco de obrigações na Lei Suprema, as quais diferem daquelas do poder civil.

Desde sua criação, a Justiça Militar existe para julgar, exclusivamente, as infrações militares, razão pela qual, na composição do Superior Tribunal Militar, dos 15 Ministros, 10 procedem da Carreira Militar, entre oficiais das 3 armas de mais alta patente (4 estrelas), e 5 são reconhecidos juristas, indicados pela presidência e aprovados pelo Senado Federal. A predominância de oficiais de longa carreira decorre de terem vivido mais intensamente as exigências próprias do estatuto militar.

Hoje, no Brasil, as Forças Armadas são compostas de aproximadamente 330.000 cidadãos, sendo que 220 mil estão no Exército, 55 mil na Aeronáutica e 55 mil na Marinha. São, pois, os jurisdicionados da Justiça Militar da União.

Evaristo de Moraes Filho afirmou, certa vez, que o “o milagre brasileiro foi a Justiça Militar, porque ela funciona” e Sobral Pinto declarou: “eu tenho confiança na Justiça Militar”. Técio Lins e Silva, no livro “Os advogados e a Ditadura de 1964”, escreve, ao citar os depoimentos acima, que “A Justiça Militar ajudou a salvar muitas vidas”.

Quando da prisão, em 1970, do advogado Heleno Cláudio Fragoso, o Tribunal Militar ameaçou parar, se ele não fosse solto.

Num curto artigo é difícil enumerar o que tem feito de positivo, nestes 205 anos de existência, a Justiça Militar.

Pessoalmente, apesar de não atuar junto a Suprema Corte Militar, estou convencido de que uma Justiça especializada para as Forças Armadas é uma necessidade que, de resto, os países civilizados reconhecem, ostentando-a entre suas Cortes, alguns inclusive, intitulando-as de Cortes Marciais.

É, pois, a Justiça Militar a mais antiga do país. Sempre teve preocupação e respeito pelos direitos humanos, até por força da Convenção de Genebra e do Direito Humanitário, este para tempo de guerra. A utilização de “habeas corpus” e mandado de segurança é nela habitual.

A própria crítica de que são os poucos os processos que o Superior Tribunal Militar tem a julgar, não procede, lembrando-se que julga, anualmente, pelo menos o dobro de processos julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

Entendo que seria um desserviço à Justiça brasileira a extinção da Justiça Militar, que há 205 anos cumpre sua missão no exame de infrações e delitos contra as Forças Armadas, cuja estrutura difere e, profundamente, das organizações públicas e privadas da sociedade brasileira.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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