Da Redação
Com Lusa
O parlamento português aprovou no dia 18 na generalidade dois projetos de resolução para colocar a crise de humanitária e de segurança em Moçambique na agenda internacional durante presidência portuguesa da União Europeia, que começa em 01 de janeiro.
Os projetos de resolução, apresentados pelo CDS-PP e PAN, foram aprovados com abstenções do PCP e dos Verdes e o voto favorável de todas as restantes bancadas.
Os projetos de resolução vão agora ser debatidos na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
O debate que antecedeu a votação dos projetos, agendado pelo CDS-PP, reuniu o consenso sobre a necessidade de uma ação urgente para colocar a questão moçambicana na agenda internacional e da União Europeia, três anos após o início dos ataques de grupos armados na província de Cabo Delgado, que já causaram pelo menos duas mil mortes e cerca de meio milhão de deslocados.
O líder parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia, disse que o que se pede ao Governo português é que coloque a crise humanitária e o problema de “terrorismo” na província de Cabo Delgado, em Moçambique, na agenda internacional.
“É preciso passar à ação e esta presidência portuguesa da União Europeia é uma enorme oportunidade porque, coincidentemente, no momento em que este assunto está tão dramático e tão grave, Portugal terá a presidência da União e pode colocá-lo na agenda”, disse.
Telmo Correia sublinhou que não se trata de defender “uma intervenção externa feita por quem não conhece a realidade”, mas de “ajudar as autoridades moçambicanas a terem meios de resposta” para lidar com este problema.
O centrista respondia assim a preocupações manifestadas durante o debate pelo parlamentar do PCP João Oliveira, que sublinhou a importância de “especificar claramente” que qualquer iniciativa a tomar terá de decorrer no “absoluto respeito” pela soberania de Moçambique.
Na sua intervenção, João Oliveira expressou “absoluto repúdio pela ação terrorista” em Cabo Delgado e solidariedade com as populações alvo destes ataques e com as autoridades moçambicanas.
O deputado considerou, neste contexto, que o “Estado português tem a obrigação de afirmar a sua disponibilidade para corresponder aos apoios que lhe sejam solicitados pelo Estado moçambicano”.
A deputada Inês Sousa Real, do grupo parlamentar do PAN – Partido Animais e Natureza, que apresentou um projeto de resolução no mesmo sentido, classificou como “extremamente grave” e “absolutamente dramática” a situação humanitária em Cabo Delgado e pediu ação ao Governo português.
Não é possível “esperar mais tempo para intervir e mobilizar a comunidade internacional para este flagelo”, sustentou.
“A comunidade internacional e Portugal não devem perder tempo a agir. Não seria justo com as populações portuguesa e moçambicana que não fizéssemos chegar um sinal claro de solidariedade”, defendeu.
Intervindo no mesmo debate, o deputado socialista Paulo Pisco defendeu “um esforço concertado da comunidade internacional e estruturado em várias frentes”, desde a segurança ao desenvolvimento e ao apoio humanitário.
“Vários países e organizações regionais podem dar o seu contributo e também a CPLP deve ter um papel relevante a desempenhar. Esta concertação é fundamental e urgente, para evitar que a instabilidade alastre no país e a nível regional”, disse.
Numa intervenção mais crítica, Isabel Meireles, do PSD, recordou que os sociais-democratas recomendaram há meses ao Governo que sensibilizasse a União Europeia para que fosse ativada com urgência a cooperação humanitária para Moçambique.
“Esta recomendação caiu completamente em saco roto”, disse, criticando a ausência de resposta e o desconhecimento da situação em Cabo Delgado evidenciado pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Isabel Meireles falou de uma “crise extraordinariamente grave” onde as mulheres e as crianças são as principais vítimas e manifestou a expectativa de que a missão da UE a Moçambique, que será liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, “lhe dê a devida atenção”.
“A União Europeia não pode votar Moçambique ao ostracismo. Esta crise existe há mais de três anos e só agora está no palco mediático”, disse, incentivando a Presidência Portuguesa da União Europeia a “fazer a sua parte”.
No mesmo sentido, o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, criticou o que considerou ser a quase inatividade do Governo em relação a Moçambique.
“Há mais de dois meses disse ao primeiro-ministro que era urgente a resposta da União Europeia ao conflito e que Portugal devia liderar esse processo, mas para além da muito recente visita do ministro da Defesa a Moçambique não vi nada mais a ser feito nesta matéria”, disse o deputado.
Para a Iniciativa Liberal, “é claro que Portugal e a Europa têm o dever de ajudar Moçambique, usando os devidos canais diplomáticos”, incluindo a relação com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, e que “Portugal deve liderar este processo” no âmbito da sua presidência europeia.
O Bloco de Esquerda defendeu, pela voz da deputada Alexandra Vieira, que a solução para a crise em Cabo Delgado tem de ser encontrada “no âmbito de um multilateralismo de pendor humanitário e com medidas de prevenção e de mediação de conflitos”.
“A força das armas para resolver um episódio de violência na região pode ser possível, mas será sempre uma solução temporária. A solução definitiva passa por medidas estruturais e planeadas com o governo moçambicano”, disse.
O deputado único do Chega, André Ventura, considerou, por seu lado, que “quanto mais tarde se agir, maior machadada” poderá ser dada “na humanidade”.
“Temos uma responsabilidade histórica de não permitir que num país de língua portuguesa se instale um novo foco de terrorismo para todo o continente”, disse.
A violência armada em Cabo Delgado, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil deslocados, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico desde 2019.