Por #CarlosFino
Que significa a chegada do multi-milionário da construção civil ao poder em Washington? Que políticas irão ser seguidas, interna e externamente e que impacto terão no resto do mundo? Em suma, para onde nos leva Donald Trump?
Esta é a grande questão do momento – the one million dollar question – à qual procuram responder políticos e analistas do planeta inteiro, sem que tenham, até agora, chegado a conclusões muito claras.
Durante a campanha eleitoral do ano passado, algumas afirmações de Trump foram, é certo, bastante peremptórias:
– críticas e dúvidas sobre a “obsoleta” Aliança Atlântica;
– rejeição dos Tratados multilaterais que vinham sendo negociados por Obama – seja a parceria com a Europa, seja a cooperação com os países da Ásia;
– “revisão profunda” do acordo com o Irão; duras críticas às orientações monetárias de Pequim e questionamento da política de “uma só China” seguida pelos EUA desde os anos 70;
– dúvidas sobre o aquecimento global e favorecimento da exploração de combustíveis sólidos;
– desejo de maior entendimento com a Rússia de Vladimir Putin…
Mas, depois disso, o próprio Trump acabou nalguns casos por atenuar ou contrariar o que havia dito. E agora, para complicar tudo ainda mais, os ministros que designou contradisseram-se uns aos outros – e, nalguns casos, ao próprio Trump! – nas audiências a que foram submetidos no Congresso.
Os observadores quebram por isso a cabeça, sem saber ao certo o que pensar. E não espanta que não haja, para já, respostas precisas àquelas interrogações. Até agora, ninguém conseguiu apresentar uma descrição completamente coerente do que irá ser a nova política norte-americana.
Reina assim em todo o lado um clima de indefinição e incerteza – nalguns casos, até de ansiedade e angústia – e em geral de grande perplexidade e preocupação pelo que aí vem.
Em Davos, na Suíça, no habitual World Economic Forum, que decorre esta semana, altos executivos, banqueiros e líderes políticos mundiais assistem atónitos à chegada à Casa Branca de alguém que parece questionar tudo aquilo em que mais acreditam – e sobre cuja base fizeram as suas próprias fortunas – globalização, livre comércio, multilateralismo…
Moises Naim, do Carnegie Endowment for International Peace, resumiu tudo desta forma:“Há um consenso de que alguma coisa de muito grande e, sob muitos aspectos, sem precedentes se está a passar. Mas não sabemos quais são as causas nem como lidar com isso.”
MUDANÇA DE PARADIGMA?
Mais peremptórios – mas talvez menos profundos – alguns comentadores da área liberal reduzem tudo a uma questão de poder centrada no carácter do próprio Trump.
Referindo-se ao novo líder americano, escreve, por exemplo, Bernardo Pires de Lima no português Diário de Notícias:
“fraudulento ao ponto de embrulhar tudo e o seu contrário para vencer a todo o custo (inclusive com ajuda externa), expondo a verdadeira natureza de uma administração que tudo fará pela sobrevivência no cargo (veja-se o que aconteceu à comissão de ética do Congresso) em detrimento da defesa dos interesses estratégicos do país.”
Algo de semelhante faz, deste lado do Atlântico, o analista Demétrio Magnoli, na Folha de São Paulo:
“ a democracia americana está em pior estado que em 2008 não porque um republicano foi eleito, mas porque o eleito chama-se Trump.”
Reivindicando ambos saber melhor do que Trump o que mais convém aos EUA, estes autores evitam aprofundar o que correu mal ou está errado nas políticas seguidas nas últimas décadas, a ponto de levar os americanos a votar… precisamente num líder como Donald Trump! E isso, apesar dos bons resultados económicos com que termina a administração Obama…
A verdade é que, com Trump ou sem Trump, o que parece estar a acontecer é um movimento tectónico profundo – que atravessa os EUA e a Europa – ditado pelas manifestas consequências negativas da globalização sem freio ao serviço da grande finança internacional a que assistimos nas últimas décadas.
E pelo cansaço das guerras sem fim em que os EUA e os seus aliados europeus se envolveram no Médio Oriente, acabando por criar uma onda de refugiados sem precedentes que veio rebentar em pleno coração do velho continente.
Um movimento que tende a devolver poderes aos Estados nacionais, como se viu como Brexit, gerando, no plano internacional, atitudes porventura mais realistas e menos ideológicas.
Em Washington, o mundo político está profundamente dividido – desde os que dão o benefício da dúvida a Trump aos que vêm nele um “idiota útil” manobrado pelos russos que tenderá a mais ou menos curto prazo a ser impugnado.
Para já, no entanto, uma coisa é inegável – nas camadas populares, a expectativa de que ele consiga resultados é muito alta.
Rejeitado pelos artistas e intelectuais, com a manifesta hostilidade da grande media ede todo o establishment do politicamente correcto, Trump pode até nem ser a figura que o momento exige nem estar à altura dos desafios que se colocam.
Mas a sua vitória em Novembro e a sua presidência a partir de agora assinalam, no mínimo, a necessidade de imperiosa de mudança.
Esse é o caminho para o qual, a bem ou mal, nos leva Donald Trump.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.