Uma frase define o que aconteceu nesta histórica semana no Senado Federal. Ironizando os esforços na tentativa de defesa contra o golpe sobre o governo eleito da presidenta Dilma Rousseff, ao saber do recurso da AGU – Advocacia Geral da União que estava sendo encaminhado para barrar o processo, Gilmar Mendes, ministro do STF – Superior Tribunal Federal, disse aos jornalistas: “Ah, eles podem ir para o céu, ao papa ou ao diabo”. Falou pouco e disse tudo. Nada melhor para sintetizar o robusto esquema organizado que levou o vice-presidente, Michel Temer (PMDB/SP), ao poder.
Amparado pela grande mídia e diversos setores conservadores da sociedade brasileira, incluindo partes do judiciário, após quatro derrotas sucessivas nas urnas, tiveram eles então que recorrer a subterfúgios pouco nobres para chegar ao intento tão desejado. É o chamado ‘golpe branco’, segundo expressão utilizada, entre outros, por Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980. Conforme o laureado militante argentino dos Direitos Humanos, locais como Honduras e Paraguai, na América Latina, já passaram por situações semelhantes. A metodologia, que interrompe a democracia nas nações, se dá a partir do uso dos “meios de comunicação para gerar o descrédito e depois a expulsão da presidência”. No caso do Brasil, se efetivamente vier a ser concretizado, seu impacto seria “um retrocesso muito grande para o continente”, segundo Esquivel. Na mesma ótica, a revista alemã Der Spiegel falou em ‘golpe frio’. Analisando a crise política, apontou o envolvimento cada vez maior de setores reacionários na tentativa de derrubar Dilma. Numa ação de golpistas e radicais de direita “pela primeira vez, desde o fim da ditadura militar em meados dos anos 80, o maior país da América Latina se vê diante de uma iminente profunda crise institucional que pode destruir todos os progressos conquistados nos últimos 30 anos”, apontou o semanário germânico.
O fato é que a comissão de senadores que recebeu a documentação vinda da Câmara Federal aprovou a admissibilidade do processo de impeachment. E, agora, o caminho está traçado: Dilma ficará afastada por até 180 dias para um veredicto final. Enquanto isso, os políticos seguirão fazendo a apuração do tema. Assim, numa primeira etapa, serão coletadas provas e ouvidas testemunhas de defesa e acusação. O objetivo será apurar se a presidente cometeu ou não crime de responsabilidade ao editar decretos com créditos suplementares, mesmo depois de ter enviado ao Congresso um projeto de lei para revisão da meta fiscal, alterando então a previsão de superávit para déficit. E não é só. Cabe também à nova comissão do Senado avaliar se porque o governo não repassou aos bancos públicos, dentro de um determinado prazo, os recursos referentes aos pagamentos feitos em programas sociais, com juros cobrados pelas instituições financeiras, caracteriza ou não uma operação de crédito. Se for comprovado, isso também é considerado crime de responsabilidade. Estes elementos, como punição, resultariam em perda de mandato. O processo terá algumas fases e Ricardo Lewandowski, presidente do STF, assume como líder dos trabalhos, sendo igualmente a última instância de recursos na Comissão Processante. Enquanto isso, Michel Temer atuará como interino e tem todos os poderes concedidos a um titular, segundo a Constituição. Por isso, foram exonerados 27 ministros e cargos de alto escalão para que uma nova equipe fosse organizada. Assim, em 12 de maio, novo time surge sob o lema ‘ordem e progresso’, para dar as cartas no Planalto. Por conseguinte, o ‘vice’ agora é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), figura que acumula 11 inquéritos no STF por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público e falsidade ideológica. Pela Carta Magna, Eduardo Cunha (PMDB/RJ) assumiria o equivalente a ‘vice’ presidência, porém, já havia sido afastado por corrupção dias atrás.
Dilma, diferentemente dos ex-presidentes que foram depostos, caso de Getúlio, Jango e Collor, saiu pela porta da frente, ovacionada por milhares. Temer ascende ao mais alto cargo da República com a pecha de ‘traidor’, como ‘ficha-suja’ e inelegível por oito anos, tendo sido citado na Operação Lava Jato, sobre os esquemas com a Petrobrás. Seus ministros, ao menos sete, são alvo da mesma investigação que ele. Não há, entre os 22 empossados, nenhum membro representante das duas mais importantes minorias sociais: nem mulheres e nem negros. E em menos de 24 horas no cargo, o Wikileaks divulgou, em seu twitter, postagem vexatória em que acusa o presidente interino Michel Temer de ser informante da embaixada norte-americana e tramar contra os aliados (ver em Brasil’s #Dilma ousted in parliamentary coup; new pres is US embassy informant Michel Temer https://t.co/gpXqw7txF3 https://t.co/8ehpIYMC7K — WikiLeaks (@wikileaks) 12 de maio de 2016). É o resultado de nosso presidencialismo de coalizão cujo mecanismo o PT não foi competente para controlar, perdendo sua direção e se tornando refém dos infiéis aproveitadores. Amarga a queda, com remotíssimas chances de recuperação no julgamento final, cujos capítulos anteriores se escancararam mais políticos que técnicos, num autentico ‘que se dane’ aos 54 milhões de eleitores e o Estado de Direito (ver imprensa estrangeira http://brasileiros.com.br/2016/05/vexame-falencia-brasil-republica-de-bananas-o-que-diz-imprensa-europeia-sobre-o-brasil/ ).
Amparado pelo verniz da ‘luta pela corrupção’, que mobilizou milhares pelo Brasil afora, a frágil democracia brasileira foi novamente golpeada pela elite retrógrada. ‘Tchau, querida’, dizem os paneleiros. Gilmar Mendes, profundo conhecedor do assunto, sabe bem que fomos mesmo ‘para o diabo’. São Paulo, 13 de maio de 2016.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo
1 comentário em “Para O Diabo”
BBC Brasil:
Pedaladas fiscais e crime de responsabilidade objetos contra Dilma para julgamento do impeachment. Mas, …
O senador Zezé Perrella (PTB-MG) disse à BBC Brasil que as pedaladas fiscais não foram o motivo que levou a presidente Dilma Rousseff a ser afastada do cargo pelo Congresso.
Segundo ele, a petista caiu por sua “prepotência” e pelas “trapalhadas do governo”.
bbc.com/portuguese/noticias/2016/05/160512_perrella_helicoptero_impeachment_rs_ss