Para especialista, eleições municipais brasileiras serão afetadas por ‘fake news’

Da Redação
Com Lusa

As eleições municipais brasileiras, agendadas para novembro deste ano, serão “fortemente afetadas” por ‘fake news’, tal como aconteceu no sufrágio presidencial de 2018, que levou à eleição de Jair Bolsonaro, indicou à Lusa um especialista.

Para Paulo Rená Santarém, professor do Centro Universitário de Brasília (UniCeuB) e membro da Coligação Direitos na Rede – entidade que reúne mais de 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais – , várias estratégias de desinformação estão já em andamento porque, na verdade, “elas não pararam de acontecer” desde 2018, ano em que a eleição foi amplamente marcada pela difusão de desinformação nas redes sociais.

“Durante grande parte da presente pandemia da covid-19, temos visto notícias que levam à desinformação e acho que elas vão ser redirecionadas, com maior intensidade, para o aspeto político. Acho que o problema vai-se agravar porque teremos uma disseminação nos mais de cinco mil municípios que temos no Brasil. Acho que em novembro vamos ter uma situação muito delicada no Brasil, novamente”, disse à Lusa o docente.

A primeira volta das eleições municipais brasileiras para eleger ou reeleger prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios do país está marcada para 15 de novembro.

Para tentar travar as ‘fake news’, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil anunciou na quarta-feira uma parceria com as plataformas Facebook e WhatsApp para combater a desinformação e abusos durante o sufrágio deste ano.

O acordo faz parte de uma série de medidas tomadas pelo tribunal para incentivar a circulação de informações oficiais sobre o processo eleitoral. As plataformas ofereceram produtos e serviços, sem custo aos cofres públicos, explicou o TSE.

O presidente do tribunal, juiz Luís Roberto Barroso, afirmou que a grande vantagem dessa parceria é a tentativa de eliminar a circulação de notícias falsas, enfrentar os comportamentos inautênticos coordenados, uso indevido de robôs, impulsionamentos ilegais e uso de perfis falsos que espalham notícias deliberadamente falsas.

Contudo, para Paulo Rená Santarém cabe às redes sociais fazer muito mais do que aquilo que já é feito, para tentar travar a desinformação.

“Acho que a primeira coisa que as redes sociais têm de fazer é serem mais transparentes. Sempre que elas são chamadas ao debate, trazem muitos números a respeito da quantidade de publicações ou de perfis que teriam sido excluídos, mas nunca temos acesso à quantidade de perfis ou publicações que foram denunciados, mas que não foram excluídos, por exemplo”, explicou o especialista.

“Acredito que faltam algumas respostas. Não temos forma de ter outra conclusão, senão a de que o Facebook e o Twitter têm deixado muito a desejar. Não é difícil encontrar perfis falsos ou recém-criados, que estão apenas tumultuando qualquer debate público a respeito de um tema mais sério”, avaliou.

Questionado sobre a partir de qual espetro político parte a maioria das ‘fake news’, Paulo Rená Santarém apontou a direita, apesar de garantir que não existe uma “exclusividade”.

“Até agora, o que tenho verificado é que, embora as ‘fake news’ não sejam exclusivas da direita, há essa prevalência. Em relação ao sucesso que essas campanhas possam ter, a direita acabou por crescer mais do que a esquerda. Se a esquerda está a usar o mesmo método, está a usá-lo mal, desse ponto de vista da eficiência”, analisou o professor.

“Mas acredito que o prejuízo das notícias falsas extrapola a polarização político-partidária. Acho que quem pertence ao mesmo espetro político, acaba por sair prejudicado em função do efeito final, dessa desinformação” acrescentou o brasileiro.

Paulo Rená Santarém frisou, porém, que o Brasil está longe de fazer tudo o que está ao seu alcance para travar este problema, salientando que a legislação existente, e consequentes punições, raramente são aplicadas.

“O que se percebe na verdade é que as sanções não têm sido suficientemente aplicadas. No Brasil, não é como se estivéssemos numa situação em que as instituições já fizeram tudo o que poderia ser feito. Na verdade, a legislação ainda não tem sido aplicada, apesar de termos uma mudança recente, em 2019. Esperamos que ela seja agora aplicada em 2020”, disse.

Para exemplificar a falta de punição para a desinformação no país, o professor deu o caso de uma desembargadora brasileira, que publicou nas suas redes sociais que a vereadora Marielle Franco, assassinada a tiro no Rio de Janeiro em 2018, teria uma vida vinculada ao tráfico de droga, através de um relacionamento amoroso com um chefe do tráfico.

“Rapidamente a mobilização em rede social foi suficiente para desmentir essa afirmação, mas não me parece que essa desembargadora tenha sido punida à altura da gravidade daquilo que ela difundiu e também da seriedade do cargo que ela ocupa, porque, mais tarde, voltou a publicar outra informação falsa”, lamentou o especialista.

Na avaliação de Paulo Rená Santarém, é certo que as municipais deste ano no Brasil não ficarão longe das campanhas de desinformação, apelando a que cada cidadão tente adotar posturas mais cuidadosas em relação à informação que recebe ou transmite.

“A minha perspetiva, infelizmente, não é outra, tendo ainda em conta a nossa experiência aqui no Brasil com a covid-19. Estamos numa ocasião onde está toda a gente muito sensível e receosa, então as pessoas têm tendência para acreditar naquilo que lhes pareça razoável, sem exatamente duvidar. Acho que a única solução é mesmo a população se tornar imune a esse tipo de estratégias”, concluiu, em declarações à Lusa.

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