Da redação com Lusa
Com diversas valências, apoiando desde crianças a idosos, o Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, no Bairro da Liberdade, em Lisboa, é uma obra “espetacular” para a população, que encara a visita do Papa como um reconhecimento público.
Construído gradualmente desde 1977 pelas mãos do cônego Francisco Crespo para responder às necessidades dos bairros da Liberdade e da Serafina, na freguesia de Campolide, em Lisboa, ambos localizados à beira do Aqueduto das Águas Livres, do lado do Parque Florestal de Monsanto, o Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo começou por apoiar os idosos, com um centro de dia.
As necessidades da população fizeram crescer a oferta de apoios sociais, nomeadamente um jardim de infância, um centro de Atividades de Tempos Livres (ATL), um movimento juvenil, uma resposta de acolhimento de deficientes adultos e um lar para idosos dependentes, apoiando mais de 500 pessoas diariamente, a que acresce a disponibilização de fisioterapia e ajuda às famílias mais carenciadas, através do Banco Alimentar, conta o padre Francisco Crespo.
A última obra do Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo foi a igreja, que o pároco quis que apenas fosse edificada após estarem assegurados os apoios sociais à população.
Inaugurada em 2000, com capacidade para acolher até 500 pessoas, a igreja deverá ser o local onde o Papa Francisco fará o seu discurso durante a visita à instituição, no dia 04 de agosto, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Em declarações à agência Lusa, o pároco de São Vicente de Paulo, que tem como lema sacerdotal “por amor”, diz que “foi uma surpresa” saber que o Papa Francisco irá visitar este centro social paroquial.
“Quando soube a notícia, fiquei estupefacto”, confidencia o padre, acreditando que a escolha por este centro está relacionada com a preocupação do Papa em relação às periferias e à população carenciada, sendo que esta instituição é “a única” em Lisboa que presta todo o tipo de apoios sociais.
O programa da visita do Papa ao centro social paroquial ainda não está fechado, mas a informação é de que a instituição será a única paragem, não irá em papamóvel, nem irá percorrer de perto as ruas dos bairros da Liberdade e da Serafina, refere Francisco Crespo, esperando que o seu discurso seja direcionado para a pastoral sócio-caritativa.
“O meu desejo era, de fato, que o Papa pelo menos saudasse as crianças, os idosos, os deficientes, todos aqueles que temos aqui na nossa instituição. Para nós, seria uma bênção especial e um momento único”, afirma.
Durante a JMJ, a instituição vai acolher “para cima de 300 e tal jovens”, que ficarão a dormir no pavilhão, e 30 pessoas com deficiência, que irão pernoitar nas instalações adaptadas que servem os utentes deficientes, assegurando a todos as refeições.
De forma unânime, independentemente das convicções religiosas, os moradores dos bairros da Liberdade e da Serafina enaltecem o Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo como uma obra “espetacular”, reconhecimento que também é feito pelo presidente da Junta de Freguesia de Campolide, Miguel Belo Marques (PS).
Entretida na costura, no centro de dia, onde ao mesmo tempo outros idosos faziam uma aula de ginástica, Maria Silva, de 86 anos, é moradora no Bairro da Serafina, ficou viúva e há seis anos que frequenta a instituição para se manter ocupada.
“Se não fosse esta obra, o Bairro da Serafina não era nada, era um centro de droga”, expressa a utente do centro social paroquial, incluindo nesta referência o Bairro da Liberdade, que acaba por ser chamado de Serafina pela proximidade de ambos.
Sobre a visita do Papa, foi com “muita alegria” que recebeu a notícia, apesar de estar “ainda na duvida” de que vai mesmo acontecer, mas esperando conseguir vê-lo, “nem que seja de longe”.
Nascido no Bairro da Boavista, Adriano Almeida, de 67 anos, acredita que “nada muda” com a vinda do Papa: “Se calhar nesse dia ou dia antes, lavam tudo, […] lavam-se as ruas todas. Nos outros dias, esquecem-se”.
Sem fé em Deus, o morador reconhece o trabalho do padre Francisco Crespo, que “tem feito uma obra espetacular, talvez das melhores da Europa”, com apoio social em diversas valências: “Pode correr Lisboa inteira, pode haver parecido, mas igual não há”.
Sentada à porta de um café no Bairro da Liberdade, numa das ruas em frente ao centro social paroquial, onde contava ir ao médico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lurdes Mendes, de 90 anos, moradora no Bairro da Serafina, afirma, sem filtro nas palavras, que o Papa “vai ficar parvo” quando visitar a instituição, porque “é uma loucura” a obra que o padre Francisco Crespo fez.
A moradora concorda que o Papa visite também as ruas dos bairros: “Só é pena que vai ver muita coisa que não contava ver, coitado. Com coisas muito velhas. Devia de haver casas mais arranjadas, não haver tanta barraca”.
Para o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, a visita do Papa “é importantíssima” porque “acaba por representar um reconhecimento da importância da obra que aqui existe feita pelo senhor cônego Crespo e do Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo”.
Miguel Belo Marques sente que “a população, de fato, está muito feliz com a vinda do Papa”, pelo que pretende recebê-lo “da melhor forma possível” e fazê-lo sentir que “é muito bem-vindo” à freguesia de Campolide, mas aguarda a versão final do programa para preparar a recepção ao chefe da igreja católica.
No dia 04 de agosto (sexta-feira), segundo o programa da viagem apostólica do Papa a Portugal, prevê-se um encontro com os representantes de alguns centros de assistência sócio-caritativa, pelas 09:45, no Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo.
Bairro Liberdade
O aglomerado de casas sem condições de habitabilidade e o tráfico de droga são problemas visíveis no Bairro da Liberdade, em Lisboa, onde se espera que a visita do Papa Francisco possa contribuir para acelerar respostas.
“O que eu queria era que o fato de o Papa ter escolhido aqui este bairro que as autarquias, o Estado, reparassem um bocadinho naquilo que são as carências, as necessidades aqui desta população”, afirma o cônego Francisco Crespo, responsável pelo Centro. O padre considera que a visita do Papa pode vir “dar uma bênção” às entidades públicas para intervirem no Bairro da Liberdade.
Considerado pelos moradores um território “esquecido” pelo poder político, o Bairro da Liberdade, que muitas vezes acaba até por perder o nome, sendo confundido como parte do Bairro da Serafina, tem casas degradadas, sem condições de habitabilidade, muitas sem casa de banho, problema antigo que continua sem resposta à vista.
“São dois bairros diferentes”, ressalva o pároco, referindo-se ao Bairro da Liberdade, “péssimo” em termos habitacionais, e ao Bairro da Serafina, que tem casas econômicas e onde “a habitação é boa”, ambos localizados à beira do Aqueduto das Águas Livres, no acesso à cidade de Lisboa.
Com cadeiras encostadas às paredes da entrada das casas, os moradores no Bairro da Boavista socializam na rua. É o caso de Adriano Almeida, de 67 anos, nascido e criado no bairro, que diz à Lusa que a situação “já esteve muito melhor do que está agora”.
“Agora está uma desgraça. Muito complicado viver aqui neste bairro. Ainda há aqui pessoas que não têm casa de banho sequer, isto é muito mau”, conta, referindo que há moradores que têm de fazer as necessidades fisiológicas num balde.
“Este bairro foi esquecido. Sempre foi esquecido, por isso chama-se Bairro da Liberdade. Sempre foi esquecido. Cada um fazia o queria aqui dentro”, considera Adriano Almeida, acrescentando que, além da habitação, há um problema associado ao tráfico de droga.
Moradora no bairro vizinho da Serafina, Lurdes Mendes, de 90 anos, costuma andar pelas ruas do Bairro da Liberdade, onde se localiza o Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, que frequenta para ocupação do tempo, e partilha da ideia de que é preciso resolver o problema da habitação, em que “devia de haver casas mais arranjadas, não haver tanta barraca”, e do tráfico de droga, que “estraga tudo”.
“Há aqui habitações sem condições nenhumas, até sem casa de banho, há, por exemplo, um pátio com uma casa de banho coletiva”, refere Maria Silva, de 86 anos, que passa o dia no centro social paroquial no Bairro da Liberdade, mas vive no Bairro da Serafina.
Ocupada a coser uma toalha branca, nas instalações do centro de dia, a moradora destaca a importância do Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo: “Se não fosse esta obra, o Bairro da Serafina não era nada, era um centro de droga”, incluindo nesta referência o Bairro da Liberdade, que acaba por ser chamado de Serafina pela proximidade de ambos.
“Muito contente” com a visita do Papa Francisco à instituição, Maria Silva espera que permita dar “um pouco de visibilidade” ao trabalho que é feito no centro social paroquial, que “não está em muito boa situação econômica” porque, à semelhança de outros, não tem comparticipação suficiente do Estado e “o senhor padre vê-se doido para gerir isto, para conseguir pagar os ordenados”.
Numa visita pelas ruas do Bairro da Liberdade, o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, Miguel Belo Marques (PS), reconhece que a habitação é “o maior problema” deste território.
“Sei que é um problema transversal a toda a cidade, mas, de facto, a cidade anda a diversas velocidades e aqui o problema é muito mais gritante. Nós temos aqui situações gravíssimas de falta de condições de habitabilidade. […] Temos casas onde não há saneamento”, assume o autarca.
O presidente da junta considera que há problemas estruturais que “há muito urge resolver”, o que exige a participação de todas as entidades públicas, nomeadamente a junta de freguesia, a câmara municipal e o Governo.
Miguel Belo Marques refere ainda que o Bairro da Liberdade tem registrado “um acréscimo da população migrante, que é muito bem-vinda, mas que infelizmente também se tem que se sujeitar a condições absolutamente sub-humanas”, com apartamentos onde vivem oito, nove ou 10 pessoas quando não têm condições sequer para acolher duas.
O autarca defende “uma intervenção estruturada, pensada e de fundo a nível da habitação”, considerando que a solução ideal seria uma tomada de posse administrativa de todo o edificado degradado para se poder intervir, “desde a encosta, onde muitas pessoas foram desalojadas, por questões de segurança, com medo da derrocada da encosta, e que, infelizmente, de forma mais formal ou informal, muitas destas casas já começam outra vez a ser habitadas”.
“O Papa pode ser, acima de tudo, um catalisador e uma forma de se chamar ainda mais à atenção para as condições indignas de algumas pessoas que aqui vivem […]. Se a vinda do Papa ajudar a chamar mais à atenção dos decisores e a acelerar os processos, ficaremos muito felizes por isso e tenho a certeza absoluta, conhecendo o que tem sido a atuação do Santo Padre, que o próprio Papa também ficará muito satisfeito se puder ser parte ativa no acelerar da resolução dos problemas destas pessoas”, expressa o presidente da Junta de Freguesia de Campolide.
Sobre o tráfico de droga, o autarca tem consciência que o problema existe. Durante a visita ao Bairro da Liberdade, presenciou uma discussão entre moradores sobre essa questão, que em minutos evolui da troca de insultos para agressões físicas e ameaças de morte, na qual interveio para fazer cessar o conflito.
Considerada o maior acontecimento da Igreja Católica, a JMJ vai realizar-se este ano em Lisboa, entre 01 e 06 de agosto, sendo esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas. A edição deste ano da JMJ, encerrada pelo Papa, esteve inicialmente prevista para 2022, mas foi adiada devido à pandemia de covid-19.