Os Senhores do Mundo

A turbulência econômica internacional leva pânico a imenso contingente populacional nos quatro quadrantes do planeta. Diversas nações têm sua gente pressionada pela perda da qualidade de vida causada pelo flagelo do desemprego, dos cortes dos gastos sociais e da conseqüente difícil perspectiva futura. Há muito ranger de dentes.
Para se ter uma idéia, desde a detonação do problema, por exemplo, no Velho Mundo, estudo publicado na revista “The Lancet” mostra que os gregos estão indo mais aos hospitais públicos (aumento de 24% entre 2009 e 2010) e menos aos privados/ pagos (diminuição entre 25 a 30 por cento), piorando as condições de atendimento daqueles. Os suicídios aumentaram 17% entre 2007 e 2009 e já há dados – não oficiais – de 2010 que se referem a uma elevação de 25% em relação a 2009. O ministro da Saúde admitiu um incremento de 40% no primeiro semestre de 2011 em relação ao mesmo período do ano passado. Um fenômeno apavorante. Nessa onda de desamparo social a violência evoluiu, os homicídios idem e os assaltos quase duplicaram de 2007 para 2009. Além disso, as infecções por HIV subiram 52% em 2011, comparando com 2010, sendo que metade delas se deve por conta da expansão do consumo de drogas na Grécia. E agora, para o final do ano, há o temor com a chegada do inverno europeu, que ajuda a ampliar tensões. Os protestos avançam dentro da zona do euro, caso da citada Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda. E, fora dela, eles também se multiplicam. A União Européia como um todo não sente um rumo salvador em suas vidas. Há forte preocupação por todos os cantos do continente.
E do outro lado do Atlântico, nos EUA, o drama social não é diferente. O número de desempregados foi estimado em 14 milhões e o período médio no desvio ultrapassa as 40 semanas em setembro. Isto aponta para sérias dificuldades na tentativa de baixar as taxas de inatividade. O movimento “Ocupe Wall Street” além de se espalhar por diversas cidades começa a ganhar força também dentro das universidades do país. A indignação com a situação se esparrama nos segmentos populares.
Em meio a este turbilhão vem à tona um estudo extremamente interessante e grave, que ajuda a reforçar a importância do debate para soluções justas para o problema. São dados que certamente não passam nem perto da idéia de muita gente.
Publicado recentemente na Suíça o trabalho foi feito por economistas e estatísticos. “The network of global corporate control”, ou seja, “A Rede de Controle Global das Transnacionais” examina um painel de 43.000 empresas selecionadas a partir da lista da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede na França, envolvendo os países mais ricos. É um estudo da atuação dessas autênticas ‘personalidades econômicas’ com interpretações de suas conexões de controle acionário feitas entre si, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.
Em primeiro lugar, é interessante saber que o termo multinacional identifica uma empresa que ganhou projeção tal que o mercado interno de seu país já não basta para suas intenções. Luta cada vez mais por uma inserção mundial aberta aos seus produtos e às suas fábricas, optando por países que apresentem mão-de-obra barata, matéria prima abundante e incentivos fiscais. As múltis nasceram no final do século XIX, com base no espírito da competição e eliminação da concorrência, mas avançaram, sobretudo, após a II Guerra Mundial. Muitos autores tratam o termo multinacional como idêntico a transnacional. Porém, há aqueles que preferem identificar, neste último, elementos de estrutura mais complexa, evoluída, onde a colaboração em rede, na base de conselhos e comitês de gestores, é mais importante que decisões verticalizadas e centralizadas em suas sedes, que caracterizariam as velhas multinacionais. De todo modo, o ambiente da globalização é o palco em que atuam essas mega corporações com força total.
Assim, das 43.000 multinacionais estudadas, constatou-se que 80% do valor do conjunto é controlado por 737 top-holders, isto é, bancos, companhias de seguros ou grupos industriais. Nota-se por aí que o poder é mais concentrado que a riqueza. E através de complexa rede de participações controlando-se entre si faz com que 147 multinacionais possuam 40% do valor econômico e financeiro de todas as multinacionais do mundo inteiro. E a coisa não pára aí. No referido grupo de 147 multinacionais, 50 grandes detentores de capital formam o que os autores chamam uma ‘super-entidade’. E este núcleo é formado em 75% por bancos, entre eles, o britânico Barclays e as estrelas de Wall Street JP Morgan, Merrill Lynch, Goldman Sachs, Morgan Stanley. Há ainda seguradoras e grupos bancários franceses como Axa, Natixis, Société générale ou BNP-Paribas. Em outras palavras estas instituições são evidentemente o poder global.
Para os pesquisadores a estrutura não é identificada como sendo um ‘esquema de conspiração’, pois 147 empresas participantes é um número muito grande para um cartel. Não têm certeza se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente, mas suspeitam de ‘interesses comuns’ entre eles. Todavia, fica claro que uma rede financeira tão densamente interligada – sem verdadeira competição e independência – está mais sujeita aos riscos cíclicos do sistema capitalista. Estes riscos são imprevisíveis, tanto em intensidade como em variação. O mais violento momento dentro do século XX, por exemplo, foi a Grande Depressão entre 1929 e 33, que culminou na II Guerra. E, por outro lado, é também muito problemática e injusta tamanha opulência concentrada nas mãos de tão poucos indivíduos.
Desse clube de poucas cabeças, então, saem decisões que impactam milhares de empresas, mexem com os diferentes mercados e, obviamente, atingem os estados nacionais. A recente queda de vários governos na Europa, as guerras pela energia no Oriente Médio ou a elevação do preço dos grãos de alimentos são exemplos. O conceito de ‘Risco Brasil’ que amedrontava nosso governo e nos fazia suar frio com as variações nas taxas de juros conforme o julgamento dos tecnocratas, saía do gabinete desses bancos. Não importam os valores morais ou o imenso número de vítimas. Muito menos os ideais de democracia, cuja idéia política cada vez mais se apresenta como uma ficção frente ao poderio econômico. As metas de redução de custos e alta lucratividade precisam ser atingidas. Eles são autênticos senhores do mundo.
A luta por uma sociedade mais igualitária e justa passa pela profunda reflexão deste importante documento de análise planetária. Essas corporações determinam o dia a dia de bilhões de pessoas. Formam opiniões. Concentram riqueza. Exaurem os recursos naturais do planeta. Sem dúvida as manifestações das ruas têm razões de sobra para acontecer. É um estudo simplesmente assustador. São Paulo, 30 de novembro de 2011.

P.S.: Da New Scientist, as 40 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas:
1. Barclays plc
2. Capital Group Companies Inc
3. FMR Corporation
4. AXA
5. State Street Corporation
6. JP Morgan Chase & Co
7. Legal & General Group plc
8. Vanguard Group Inc
9. UBS AG
10. Merrill Lynch & Co Inc
11. Wellington Management Co LLP
12. Deutsche Bank AG
13. Franklin Resources Inc
14. Credit Suisse Group
15. Walton Enterprises LLC
16. Bank of New York Mellon Corp
17. Natixis
18. Goldman Sachs Group Inc
19. T Rowe Price Group Inc
20. Legg Mason Inc
21. Morgan Stanley
22. Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
23. Northern Trust Corporation
24. Société Générale
25. Bank of America Corporation
26. Lloyds TSB Group plc
27. Invesco plc
28. Allianz SE 29. TIAA
29. Old Mutual Public Limited Company
30. Aviva plc
31. Schroders plc
32. Dodge & Cox
33. Lehman Brothers Holdings Inc*
34. Sun Life Financial Inc
35. Standard Life plc
36. CNCE
37. Nomura Holdings Inc
38. The Depository Trust Company
39. Massachusetts Mutual Life Insurance
40. ING Groep NV

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

1 comentário em “Os Senhores do Mundo”

  1. Querido mestre Amaral, estou pesquisando sobre o Hackers Anonymous, para escrever uma materia. gostaria de saber o que o senhor pode me falar deste grupo que e famoso por ataques a sites governamentais, assim que possivel me responda por email:[email protected]

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