Por Ives Gandra da Silva Martins
Em 1991, Roberto Campos e eu participamos de um seminário da Fundação Konrad Adenauer, em Bonn, na Alemanha, em que debatemos com dois professores da instituição, entre outros temas econômicos, aquele por eles apresentado da internacionalização da Amazônia.
Defendiam que a Amazônia, por ser um patrimônio universal, deveria ficar sob a supervisão das nações, e não do Brasil. A evidência, Roberto, mais diplomático e eu, mais contundente, rebatemos as propostas dos mestres germânicos. Cheguei a ironizar dizendo: os senhores, que destruíram as próprias florestas, durante séculos, querem agora, em vez de reflorestarem a Europa, para manter seu conforto, que o garantamos, pelo Brasil, sacrificando parcela considerável de nosso território e o entregando aos dirigentes dos países desenvolvidos? Deveremos sim, preservar a Floresta Amazônica, mas, como nação soberana, vendendo, em eventual mercado de preservação hoje de carbono, o custo da manutenção em valores condizentes, a serem suportados pelos países desenvolvidos, isto porque a floresta a ser preservada corresponde ao tamanho de parcela considerável da Europa.
Por outro lado, nas diversas sustentações orais que fiz na Suprema Corte pelo governo do Amazonas, em ações diretas de inconstitucionalidade contra leis que pretendiam reduzir incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, mostrei como o Decreto-lei 288/67, permitiu povoar a região, tornando-a um polo de desenvolvimento. Afastou-se, assim, temporariamente, os olhos gordos de outras nações para as regiões amazônicas.
Manaus, que era uma pequena cidade nos idos de 60, hoje congrega população de 2 milhões e 700 mil habitantes, o que a torna não apenas uma fornecedora de artigos folclóricos regionais, mas uma avançada cidade industrial.
Lembro-me, numa das sustentações orais que fiz em processo relatado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, ainda no governo Fernando Henrique, que foi exibida declaração do então chefe das Forças Armadas americanas dizendo que os Estados Unidos deveriam estar preparados para intervir na Amazônia, quando se fizesse necessário.
Não quero tratar neste artigo da questão indígena, sobre a qual escrevi nas páginas deste jornal [referência feita ao Estadão] no século passado, porque o que me preocupa no momento, e já alertava à época, é que, a título de defesa do meio ambiente, outros interesses levem a esta campanha, principalmente em relação ao agronegócio, já que a França, que começa a perder a batalha de seus mercados cativos na União Europeia e nos países de sua colonização, em face da evolução da agropecuária brasileira, lidera um movimento contra o Brasil, pretendendo que não se compre produtos naturais do País, sob as alegações de que não é capaz de preservar sua floresta e que está o que não é verdade -desflorestando para o agronegócio.
Os incêndios, embora aconteçam em todos os países no período da seca, como nos Estados Unidos, Austrália, Portugal e na própria França e sejam mais fáceis de combater, só são lembrados quando ocorrem no Brasil, onde a vigilância, por melhor que seja, é sempre muitíssimo mais difícil de se fazer e os custos para combatê-los são exorbitantes. Esta é a razão pela qual deveria exigir-se, na preservação, pagamento elevado das nações desenvolvidas para cobrir tais custos, mas com pleno exercício da soberania pelo Brasil. Neste sentido, com Samuel Hannan, ex-vice governador do Amazonas, escrevi artigo para jornal desta capital, mostrando a necessidade de explorarmos mais tais mercados (Floresta em pé, solução para o Brasil em um novo perfil jurídico, publicado no site do Conjur e no Portal do Holanda, em novembro de 2021).
Em outras palavras, parece-me que o interesse maior de outros países é bloquear o crescimento do agronegócio brasileiro. De rigor, a perda de competitividade destas nações está levando a uma campanha de apelo emocional de caráter ambiental para eliminar o concorrente que se tornou das maiores potências na área. É de lembrar que o saldo da balança comercial do Brasil, graças ao agronegócio, foi o maior da história, em 2021, ou seja, de US$ 69 bilhões.
Em fins de 1999, participei de seminário na Universidade de Coimbra, em que criticava o denominado “direito de ingerência” que as nações desenvolvidas se auto-outorgam, sob o rótulo de preservação da ordem mundial. É que sempre que seus interesses são afetados, a história tem demonstrado que se utilizam deste argumento supremo para imposição de sua supremacia. Os professores portugueses, que comigo debatiam, todos sem exceção, concordaram com a crítica.
Ora, o tema Amazônia deve passar a ser de segurança nacional, pois a internacionalização de seu debate torna os meus receios expostos, em sustentações perante o Supremo Tribunal Federal, uma realidade, como demonstrou o jornal O Estado de S. Paulo, na edição de 4/1/2022, em reportagem precisa e preocupante sobre como as grandes potências principiam a encarar a questão amazônica.
Por Ives Gandra da Silva Martins
Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP. Professor Emérito da Universidade Mackenzie e das Escolas do Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e Superior de Guerra (ESG). Catedrático da Universidade do Minho (PORTUGAL); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP).