A presidenta Dilma Rousseff está afastada de suas atribuições e permanece no Palácio da Alvorada, em Brasília. Enquanto isso, o vice, Michel Temer (PMDB/SP), que conspirou com forte intensidade para a construção deste cenário, assume a interinidade do cargo, aguardando o julgamento decisivo do processo instaurado. O Senado deve levar isso adiante em, no máximo, 180 dias, quando chegará ao ato final, liderado pelo presidente do STF. Dilma promete resistir ao golpe até o último momento pelo direito de exercer seu cargo, conduzida que foi até ele de maneira democrática por 54 milhões de votos.
Estes primeiros dias sem Dilma exercendo suas funções foram impressionantes por diversos aspectos. De imediato, Temer desmontou os 31 ministérios existentes e recriou a estrutura em forma de 23 pastas. Um fato por si interessante, que revela a forte confiança de que Dilma será mesmo eliminada. Como vice na chapa vencedora em 2014, Temer ignorou seus parceiros, não trocou uma peça aqui ou acolá: ele simplesmente passou uma borracha no existente e fundou o seu próprio governo. Não deu pelas urnas, então, que seja pelos tribunais. Vale destacar que em meados de abril, em pesquisa virtual de eleição, Temer aparecia com apenas 1% ou 2% em todas as combinações de candidatos, segundo o DataFolha. No cargo interino, agora, os pro-impeachment, 54% são contra Temer e os contra-impeachment 79% são contra Temer. Além disso, pouco depois de ser empossado, anunciou os novos nomes de seu time, que não apresentou nenhuma mulher ou nenhum negro, duas das mais destacadas minorias do país, em seu quadro. Desde o governo ditatorial Ernesto Geisel (1974-1979) isto não ocorria. Um flagrante retrocesso. Sumiram o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Espaços importantes para promover cidadania, direitos da criança, do adolescente, do idoso e das minorias. O Ministério da Cultura foi extinto e suas atribuições foram atreladas à Educação. Somando-se a estes fatos, o novo grupo está repleto de ‘fichas-sujas’, o que é um escárnio frente ao processo de impeachment que está correndo. Dilma, sem crimes comprovados, é trocada por vários processados na justiça. Incluindo o próprio Temer. Sim, ele ao assumir o mais alto posto da República torna-se o primeiro presidente ‘ficha-suja’, já que por 8 anos está inelegível conforme o TRE-SP desde maio. E seus parceiros de interinidade, muitos são citados na Lava Jato, na planilha da Odebrecht, na Operação Zelotes etc. Se panelas foram batidas várias vezes ao longo dos últimos dois anos, cobrando fim da corrupção, este novo governo interino parece uma grande chacota. Detalhes: Zezé Perrella (PTB/MG), falando à BBC confirmou: “Claro que o motivo maior da queda não foram as pedaladas, porque nós estamos num julgamento também político. Ela caiu pelas vozes das ruas, pelas trapalhadas do governo, principalmente pela falta de articulação do governo aqui dentro, coisa que o Michel Temer está mais bem preparado do que ela“. Joaquim Barbosa, ex-STF, destaque na condução do ‘mensalão’, sentenciou no Estadão a ilegitimidade do processo: “É muito grave tirar a presidente do cargo e colocar em seu lugar alguém que é seu adversário oculto ou ostensivo, alguém que perdeu uma eleição presidencial ou alguém que sequer um dia teria o sonho de disputar uma eleição para presidente. Anotem: o Brasil terá de conviver por mais dois anos com essa anomalia”. E as polêmicas não param por aí.
Mais uma vez, buscando encontrar espaço para os holofotes, José Serra (PSDB/SP) abandona um cargo: deixa de ser senador para assumir as Relações Exteriores, defendendo maior aproximação com os EUA, já que nos últimos governos o Brasil tem apresentado um viés multilateral nas relações internacionais. No Desenvolvimento, Indústria e Comércio assumiu o pastor Marcos Pereira (PRB/ES), que foi rechaçado após sua indicação à Ciência e Tecnologia. Outro pastor, Ronaldo Nogueira (PTB/RS), assumiu o Ministério do Trabalho. Pereira, diz que suas idéias ‘são segredo de Estado’, mas, teve até aqui ‘pouca afinidade com a indústria’. Por sua vez, Nogueira, segundo o Estadão, na primeira reunião ministerial, foi ‘escanteado’ pelos seus colegas. Ele também é pouco conhecido no universo sindical e enfrenta o repúdio de CUT e CTB ao governo Temer. Paulinho da Força Sindical (SD/SP), que atua pelo impeachment, afirmou que os trabalhadores não estão representados nesta gestão. Temer deseja fazer com urgência uma reforma na Previdência, dificultando aposentadorias. “Os trabalhadores foram esquecidos”, afirmou há pouco o ‘inocente’ Paulinho. Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda, diz que a Previdência tem que ter mudanças. “Direitos adquiridos devem ser respeitados, mas não podem prevalecer sobre a Constituição”. Quer mais tempo de contribuição e idade mínima maior. Além disso, deseja aumentar impostos para equilibrar a dívida pública; cogitou adotar tributos temporários, como a volta da CPMF. “O Brasil tem uma carga tributária grande, porém, a prioridade hoje é fazer equilíbrio fiscal”. Osmar Terra, do Desenvolvimento Social, vai cortar um percentual do Bolsa Família. Para ele, “o programa não pode se tornar objetivo de vida das pessoas”. No Ministério da Educação, já foram suspensos 18 novos contratos do Fies – Fundo de Financiamento Estudantil em nove faculdades. A medida também prevê suspensão de seleção para oferta de bolsas dos programas Prouni – Universidade para Todos e Pronatec – Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Também o programa Minha Casa, Minha Vida será reavaliado. Tudo fica suspenso. E as forças do mercado agradecem os esforços.
Michel Temer, o interino infiel, começou assim seu opaco mandato. A grande imprensa local, que cobra retaliação contra os nanicos blogueiros oposicionistas, publica manchetes como “Ele precisa de você” (Istoé Dinheiro), “Temer promete ‘governo de salvação’ e Estado menor” (Globo) ou “Temer assume e defende reformas e gasto social” (Folha). É curioso vermos o governo interino ser apoiado pela ‘necessária elevação de impostos’. Que ironia. Agora é valido. Não há escrúpulos. Fomento de um clima positivo se manifesta. Dentro da imprensa internacional, contraponto: uma posição destacada foi a do maior jornal norte-americano, The New York Times, que condenou o processo de impeachment. Segundo ele, a punição foi ‘desproporcional’ considerando o suposto crime de responsabilidade fiscal. E, lembrou ainda, Dilma não é acusada por crimes de corrupção, envolvendo enriquecimento, diferentemente dos parlamentares que a julgam.
Vemos um ataque violento às políticas sociais que colocaram o país em destaque nos últimos anos, tirando-o do Mapa da Fome da ONU e reduzindo em 75% a pobreza extrema – pessoas que vivem com menos de US$ 1 ao dia. O neoliberalismo voltou e junto forte carga de conservadorismo e repressão aos seus oposicionistas, com elevado cheiro de revanchismo. É extremamente preocupante tudo isso. De todo modo, as organizações populares precisam manter-se aquecidas contrárias ao assalto sobre o democrático Estado de Direito. A luta promete ser longa. São Paulo, 20 de maio de 2016.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo