Os Católicos de faz de conta

Num destes dias recentes, referiu-se o Cardeal Patriarca de Lisboa, numa palestra que proferiu em Alcobaça, a que seria preferível tratar o mundo católico português com realismo, retirando das estatísticas aquele número enorme que é o dos católicos não praticantes, deixando por lá, apenas, os que realmente acompanham a Doutrina de Cristo com real plenitude. Pois, com enorme sinceridade, eu não tenho a mesma opinião.

Sabe-se bem que, vivendo nós numa sociedade que é de grande liberdade, e tendo-nos dado Deus inteligência e liberdade para decidir, essa mesma decisão terá, naturalmente, de conduzir a uma distribuição longe de ser uniforme no comportamento dos portugueses que se revêem no ideário de Cristo. Porventura, mesmo com um desvio-padrão razoavelmente grande.

De resto, pelo que vejo e pelo que sei, a levar-se uma tal ideia à letra, a Igreja Católica em Portugal ficaria reduzida a uma ínfima dimensão, mas que estaria a anos-luz da real influência social que representa.

À semelhança de intervenções anteriores dos nossos bispos, e também do próprio Papa, e dos que mais de perto o rodeiam, o Cardeal Patriarca de Lisboa voltou a não apontar o desencanto do tempo que passa, e que é a falência do modelo neoliberal que foi imposto depois do fim da antiga União Soviética, e que nos vai mostrando que o futuro simplesmente não chegará. Um modelo onde o dinheiro é o único valor no seio das sociedades, e onde à vida já poucos pouco ligam.

E se é verdade que o espírito terá de ser tratado sempre e a um nível mais elevado que o das coisas meramente materiais, também o é que o corpo tem de alimentar-se realmente, sendo evidente que a fé, por muita que seja, não é solução para tudo, mormente para aquelas terríveis injustiças que conduziram o nosso Mundo à desgraça que se pode ver a cada dia que passa.

Lamentavelmente, falta neste domínio, como até no da intervenção pública da nossa Igreja Católica, uma orientação estratégica que venha de cima e que envolva a boa vontade, sempre existente, no seio da maioria de todos nós em favor da realização de coisas concretas, porventura, de parceria com os poderes públicos oriundos da sociedade civil.

Sem minimamente pretender ser ofensivo, entendo que a intervenção em favor de uma sociedade melhor e de raiz católica cabe a todos, e se a Igreja Católica quer ir por aí, pois, deve receber todos esses, em níveis diversos e adequados, mas irmanados na realização de uma obra que se veja e se sinta, e que, por aí, cative e mobilize. E não é muito difícil conseguir este desiderato, desde que se queira que o mesmo seja posto em marcha.

Como é natural, não vou aqui dar exemplos de lugares, maiores ou menores, do nosso País onde os párocos, para lá exigências obrigatórias, pouco ou nada fazem que permita que se constituam, com as suas paróquias, em pontos de junção de forças, mas viradas para uma real intervenção visível e que se mostre de utilidade para os muitos de nós que precisam de amparos de todo o tipo.

Os tais católicos de faz de conta, a que se referiu o Cardeal Patriarca de Lisboa, e que são a enormíssima maioria, têm um coração católico, não recusam os respetivos valores, e constituem, indubitavelmente, uma legião de boa vontade, suscetível de ser bem utilizada. Mas será que o problema do faz de conta está nos sargentos e nas praças, ou nos oficiais, sejam eles subalternos, superiores ou generais?

A resposta às anteriores perguntas, depois do que tem vindo a lume, parece-me muitíssimo evidente. Ou seja: deve continuar a manter-se em domínios fundamentais uma atitude de intransigência, mas ser-se aberto a uma intervenção social ativa, exemplar e cativante. O que se vê é que é a realidade, e se se deseja melhorá-la, nunca apenas criticar dará grandes frutos.

Hélio Bernardo Lopes

De Portugal

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