Os Borgs e a Comissão da Verdade

Sou um admirador das séries de “Startrek”. As cinco edições refletem muito a história da humanidade.

Os Borgs são um povo de humanos robotizados, os quais respondem a um comando central único, que pretende “assimilar” todos os povos do universo. Assimilar é fazer com que pensem rigorosamente como eles e obedeçam, como uma só unidade. Senão, são mortos.

Os Borgs representam as ditaduras ideológicas, que não admitem contestação e que procuram dominar os povos, eliminando as oposições e as verdadeiras democracias.

Se a 1ª Guerra Mundial foi um embate pela realocação de poderes na Europa, a 2ª guerra já foi uma guerra entre as democracias e os regimes totalitários (alemão, italiano e russo, visto que, no início, Stálin apoiou Hitler, na invasão à Polônia).

A vitória de princípios democráticos naquele conflito, que gerou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10/12/1948, nem por isto eliminou esta luta permanente entre ideologias totalitárias, que não admitem contestação e que continuam poluindo a convivência das nações, e as democracias.

Rawls, em dois de seus livros “Uma teoria da justiça” e “Direito e Democracia” mostra que a democracia só pode ser vivida se as teorias políticas não forem abrangentes em demasia e possam conviver, em suas diversidades, com outras maneiras de pensar. Teorias abrangentes provocam ou a eliminação dos opositores ou a “assimilação”, no estilo dos Borgs da “Startrek”, daqueles que vivem sob seu julgo.

Estamos no início de um novo governo, tendo a presidente sinalizado, mais de uma vez, que quer fazer um governo de união, mas com respeito aos opositores.

Não creio que a Comissão da Verdade venha auxiliar muito este seu projeto, na medida em que, sobre relembrar fantasmas do passado e rememorar dolorosos momentos de uma história em que militares e guerrilheiros torturaram e mataram, tende a abrir feridas e acirrar ânimos.

Como ex-conselheiro da OAB da Seccional de São Paulo, durante seis anos no período de exceção, estou convencido de que com a arma da palavra fizemos muito mais pela redemocratização do país do que os guerrilheiros com suas armas, que, a meu ver, apenas atrasaram tal processo.

À evidência, sou favorável a que os historiadores – e não os políticos – examinem, pela perspectiva do tempo, o ocorrido naquele período, pois não são os políticos que contam a história, mas aqueles que se preparam para estudá-la e examinam-na, sem preconceitos ou espírito de vingança.

Apoio, entretanto, o entendimento do Ministro Nelson Jobim de que, se for instalada Comissão da Verdade, que deva refletir o pensamento dos dois lados do conflito.

Tenho fundados receios de que uma pequena ala de radicais, a título de defender “direitos humanos” por um único e distorcido enfoque – e os vocábulos permitem uma flexibilização infinita para todos os gostos -, pretenderá “assimilar”, à maneira dos Borgs na “Startrek”, todos os que não pensem da mesma maneira, transformando uma Comissão da Verdade em Comissão da Vingança.

Pessoalmente, como combati o regime de então – sofri em 1969, inclusive, pedido de confisco de meus bens e abertura de um IPM, processos felizmente arquivados – e participei da Anistia Internacional, enquanto tinha um ramo no Brasil, por ser visceralmente contra a tortura, sinto-me à vontade para criticar a “ideologização” dos fatos passados, a meu ver enterrados com a lei de Anistia de 1979.

Que os historiadores imparciais – e não, os ideólogos – contem a verdadeira história da época, pois são para isto os mais habilitados.

 

 

Dr.Ives Gandra MartinsProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada. 

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