Da Redação com Lusa
A dificuldade em encontrar habitação em Lisboa está a levar ao aumento de ocupações ilegais de casas, em várias zonas da cidade, por famílias mais desfavorecidas, de acordo com entidades que acompanham este fenômeno.
Marvila, Lumiar e Alcântara são algumas das freguesias lisboetas onde nos últimos dias têm ocorrido desocupações de imóveis que tinham sido ocupados ilegalmente, indicou à Lusa António Gori, da associação Habita.
“Isto são coisas que se repetem. Acontecem em vários bairros e a Câmara quer restabelecer a legalidade, mas nós temos de perceber qual é essa legalidade. Se essa legalidade é pôr crianças na rua ou crianças a viver com famílias desconhecidas, que é isso que nós vemos”, criticou o ativista.
A última situação que a associação Habita acompanhou foi uma desocupação na freguesia do Lumiar, envolvendo três mulheres, com sete crianças.
Segundo António Gori, trata-se de pessoas numa situação de “grande vulnerabilidade social, sem alternativa habitacional permanente”.
“Elas encontraram abrigo em casa de amigos ou colegas [após a desocupação], mas são casas já sobrelotadas”, apontou.
Também no fim de semana retrasado, em Marvila, foi dado a conhecer, pela CDU local, a ordem para a retirada de quatro famílias que ocupavam ilegalmente habitações municipais no bairro Marquês de Abrantes.
Segundo explicou à Lusa Alexandre Teixeira, da CDU de Marvila, trata-se de quatro mulheres e dez crianças que vivem naquele bairro há vários anos e que são candidatas à atribuição de uma casa de renda apoiada “há, pelo menos, nove anos”.
“Duas destas famílias já abandonaram mesmo a habitação, enquanto as outras duas foram intimadas para o fazer, até ao final do mês, sem terem qualquer alternativa”, apontou.
Num ato desesperado, as quatro mulheres entregaram no dia 18 um apelo na Junta de Marvila e na Câmara de Lisboa.
“É uma situação muito mais generalizada, de um problema muito agudo, muito dramático. Se tivéssemos de elencar o problema principal da população de Marvila, é a questão da habitação, seja a falta dela, os preços, as dívidas”, apontou Alexandre Teixeira.
Uma das duas moradoras de Marvila que teve de abandonar a habitação disse à Lusa que está a residir em casa de familiares, mas que a habitação não tem as condições mínimas para ela, o marido e os dois filhos.
“Fui expulsa de onde estava, de forma violenta, e tive de regressar a casa de familiares. Já estou há vários anos inscrita para ter casa, mas nunca me deram resposta. Estou desesperada, mas a assistente social diz que tenho de esperar”, contou.
Numa resposta escrita enviada à Lusa, o gabinete da vereadora da Habitação na Câmara de Lisboa, Filipa Roseta, reconheceu a existência de um “grave problema de falta de habitação” na cidade, “sobretudo entre as camadas de população mais carenciadas.
“Importa melhorar a gestão do patrimônio municipal, libertando as casas para as reabilitar e disponibilizar quanto antes a todos aqueles que aguardam pela atribuição e que cumprem os requisitos previstos no regulamento municipal de habitação”, refere a autarquia.
A mesma fonte sublinha que a Câmara de Lisboa aprovou um pacote de 40 milhões para a empresa de gestão da habitação municipal, Gebalis, de modo a investirem na reabilitação das casas degradadas, sendo para isso “necessário desocupar aquelas que estão em piores condições, das cerca de 800 que estão ocupadas ilegalmente”.
Questionada sobre a situação das famílias retiradas de Marvila e do Lumiar, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) assegura que tanto num caso como no outro fez o acompanhamento social.
“Relativamente à situação reportada em Marvila, realizou-se esta semana uma reunião entre membros da CML e moradoras do Bairro Marquês de Abrantes. É muito importante referir que todas as moradoras foram encaminhadas para as soluções dos programas habitacionais camarários e pelo menos três destas moradoras têm candidatura ativa a habitação municipal, sendo que a outra moradora se comprometeu a abrir candidatura no dia 18 de outubro. Até à data verifica-se que esta última ainda não formalizou a candidatura”, esclareceu a autarquia.
Já no que diz respeito às três famílias do Lumiar, a Câmara de Lisboa referiu que “foram garantidos, antes e no momento, os esclarecimentos necessários e ativadas as soluções de emergência habitacional disponíveis”.
A Câmara de Lisboa aprovou há uma semana uma proposta do Bloco de Esquerda para a criação de um grupo de trabalho para analisar as condições sociais das famílias sujeitas a procedimento de despejo e/ou desocupação.
Um dos pontos aprovados é para que “os serviços de apoio social acompanhem o procedimento de despejo e/ou desocupação até ao final do processo com ligação à Gebalis, com a obrigatoriedade de elaboração de relatório sobre a situação social da pessoa e da família”, dando assim seguimento à recomendação aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa, em 03 maio deste ano.
O executivo camarário aprovou ainda a criação de um grupo de trabalho para a análise dos relatórios elaborados neste âmbito, com os serviços da Câmara Municipal de Lisboa, a Gebalis – Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as associações de moradores e associações que apoiem mulheres vítimas de violência doméstica.