Nos últimos dias a notícia do assassinato em Abbottabad, Paquistão, do saudita e liderança da rede-terrorista Al-Qaeda Osama Bin Laden trouxe ao mundo um pouco mais da sensação que a esperada ‘Paz Perpétua’, proposta pelo iluminista Emmanuel Kant, no século xviii, continua sendo um grande projeto utópico para a humanidade. O alemão à sua época escreveu “no grau de cultura em que ainda se encontra o gênero humano, a guerra é um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tenha se desenvolvido (Deus sabe quando), será saudável e possível uma paz perpétua” (“Começo verossímil da história humana”, 1796).
Desde o lastimável atentado em 11 de setembro de 2001, quando o Pentágono (Washington) e as Torres Gêmeas (NYC) foram atingidos por terroristas a bordo de jatos, além de um outro avião que falhou no plano de atingir a Casa Branca, o governo local, através de George W. Bush, prometeu que caçaria os responsáveis pelo ocorrido, que resultou em cerca de 3 mil mortes e centenas de feridos. Então, até aqui, segundo pesquisa do Congresso revelada em março último, o Tio Sam já torrou US$ 1,3 trilhão nessa epopéia, realizando incursões por vários locais do mundo, mas especialmente destacando as invasões no Afeganistão e no Iraque onde, neste último, capturaram o presidente Saddam Hussein e o executaram, alegando vínculos com os terroristas e fabricação de armas nucleares. Para o biênio 2010/11 Obama previu nos orçamentos propostos um custo total para os EUA nas guerras em ambos os países em cerca de US$ 160 bilhões.
A captura de Bin Laden, acompanhada on-line pelo gabinete presidencial, foi comemorada pela população norte-americana e Obama fez questão de afirmar que ‘o mundo estava mais seguro’ a partir dali e ‘justiça tinha sido realizada’. Uma ação que durou 40 minutos com a resistência do até então inimigo nº1 dos estadunidenses e seus capangas. O corpo foi limpo – conforme ritual islâmico – e enterrado no mar, afirmaram as fontes oficiais de Washington.
Com tudo isso é certo que a popularidade de Barack Obama subiu 11 pontos em poucas horas, segundo o jornal New York Times, melhorando suas perspectivas para a reeleição. Mas, de resto, há quase nada para se comemorar. E o próprio efeito pode aos poucos ter perdas. Deram um resultado de exame de DNA para a opinião pública como prova. O governo não autorizou divulgação de imagens do corpo baleado, gerando duvidas sobre a veracidade do fato ou mesmo que tenha sido o saudita a real vítima, já que ele tem muitos sósias. Enfim, de todo modo, o problema vai bem além disso.
Para muitos analistas, por conta das revoltas populares nos últimos meses dentro dos países islâmicos da África e Oriente Médio, a situação de Bin Laden havia perdido muito significado uma vez que as aspirações apontam para regimes mais livres, mais arejados, perspectivas diferentes das defendidas pelo então líder da Al-Qaeda que pode ter sido, inclusive, ‘rifado’ por algum desgostoso. Um dia, quem o denunciou após tantos anos oculto, será revelado à história. Outro aspecto muito importante: mais uma vez a política externa norte-americana revelou seu caráter imperialista, ‘senhor do mundo’.
Da mesma forma que fez com a invasão do Afeganistão, do Iraque e ultimamente vem fomentando a queda de Kadafi na Líbia os EUA tem uma interpretação própria dos tratados internacionais, encarando-os sob sua conveniência. No caso do Iraque, além da incursão sobre um país soberano, enforcou seu presidente sob um pretexto que mais tarde o governo norte-americano desmentiria. Agora, no Paquistão, a heróica ação dos super-agentes de suas Forças Armadas fuzilaram um sujeito que ‘resistiu’, porém ‘sem armas’. Na prática, sua filha, de acordo com o jornal Al Arabiya, afirmou que ele foi capturado vivo. A empreitada virou uma legítima vingança de banais filmes de faroeste. Não se pode chamar tal incursão de justiça. Não há tribunais, juízes, leis. Foi uma desforra. E sumiram com o cadáver, transgredindo o direito do ‘habeas corpus’. Para piorar, o diretor da CIA, Leon Panetta, admitiu à rede de TV NBC que as informações sobre o paradeiro de Bin Laden foram obtidas através de presos mediante a técnica de “afogamento simulado” nas prisões secretas da agência de Guantánamo. Tais metodologias coercitivas são chamadas de ‘tortura’. Contradições do país que se diz guardião da democracia e da justiça. Estas não combinam com vinganças, traições e martírios.
Há um desconforto generalizado na Europa, onde estão vários aliados dos EUA. Inclusive porque o ‘mundo mais seguro’ de Obama pode ser desmentido com o estado de alerta geral naquele continente. E as tropas estão mantidas em suas posições. E no sudeste asiático manifestações já elevam Bin Laden à condição de mártir. A Al-Qaeda é uma organização ampla, vai muito além do saudita.
Tudo isso, em verdade, é profunda e lamentavelmente bárbaro.
Lembro-me de uma história bastante interessante e que ajudaria a refletir um pouco sobre o que envolve os EUA e seus inimigos. Conta-se que naquela trágica manhã de 11 de setembro uma reunião de anglicanos orava em Nova York quando ocorreram os ataques ao World Trade Center. Tendo conhecimento dos fatos os fiéis atônitos perguntaram ao líder espiritual o que ele achava daquilo tudo. O homem ponderou e disse, então, serenamente: – Que fizemos de tão errado, para sermos odiados pelos outros? Creio que precisamos pensar profundamente em nossas atitudes para um dia entendermos tal episódio.
São Paulo, 4 de maio de 2011
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo
1 comentário em “Obama Bin Laden ou a Vingança travestida de justiça”
Muito interessante! Estava pesquisando no google sobre o tema “Justiça Vs Vingança” e encontrei esta coluna. Na minha opinião, de fato, Osama deveria ser punido, afinal, as penas devem ser proporcionais aos delitos…por outro lado, os erros seculares cometidos pelo imperialismo norte americano não podem ser esquecidos…