O Povo pede um modelo social mais justo: É o recado dado nesta Eleição

Estamos a poucas horas do desenlace de mais uma eleição. E esta é das grandes: votação para presidência da república, senado (dois nomes, inclusive), governador, deputados federal e estadual. Ou seja, uma boa fatia do poder institucional no país está em jogo. Assim, este pleito tinha tudo para ser bastante acirrado. E está sendo.

Lula, depois de dois mandatos, deixa o cargo de executivo federal com uma avaliação (segundo o Datafolha em fins de setembro) de ótimo ou bom para 78% da população. E, contrariando as expectativas da oposição que ao longo do tempo apostava na dificuldade de sua carismática liderança passar os votos para sua candidata, ele teve sim forte impacto na caminhada. Relembrando as pesquisas de dezembro de 2008 a Folha sustentava a seguinte manchete: “Serra amplia a liderança para disputa de 2010”, com taxas entre 36 e 47% (conforme o cenário) enquanto Dilma tinha de 7 a 12%, atrás de Ciro Gomes e Heloísa Helena. Eram tendências. Agora, na última sexta feira de setembro, o mesmo jornal trazia “Dilma oscilou positivamente um ponto em relação ao último levantamento e tem 52% dos votos válidos na projeção para o primeiro turno”. Seria vitória sem precisar de prorrogação no jogo.Na verdade, a candidatura Serra, pouco inspirada, não decolou, enquanto a de Dilma crescia sustentada pelos dados conquistados através do governo e suas políticas sociais, destacados inclusive por organismos internacionais. O ‘Zé Povinho’ retribuiu a atenção que lhe foi dada.

Serra não conseguiu o vice que pretendia. Aécio Neves esquivou-se todo o tempo e se safou do cargo. Álvaro Dias, senador do Paraná, sondado para ser vice de Serra, afirmou que foi traído pelo próprio partido dentro de seu estado. E vai votar no irmão, que é do PDT, para o governo. Segundo ele, no Paraná, Serra não foi lembrado pelo partido, afirmou em entrevista ao Portal IG. Os tucanos viram ‘aliados’ debandarem para outros parceiros. O presidente do PTB, Roberto Jefferson, afirmou que vai votar em Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, e liberou o partido para fazer suas opções. O PTB concorre na chapa do PSDB para a presidência. Um partido que bateu cabeça. Serra nunca foi acompanhado por FHC nos comícios e em locais como São Paulo somente atraía a atenção pela presença do candidato Geraldo Alckmin, bem posicionado nas pesquisas para o Estado. FHC terminou seu mandado em 2003 com 47% de aprovação. Conforme Arturo Cano, para o La Jornada, a candidatura Serra conseguiu a proeza de perder 190 mil votos por dia, desde a data de início da disputa oficial, algo como 15 milhões de votos em 40 dias de horários gratuitos de rádio e televisão.

Serra, ao que parece, é uma ancora fora de seu curral. Passando pelo Congresso, também foi prefeito e governador, ambos os momentos sem ter concluído os mandatos para articular o seu sonho pessoal, a presidência da república, tentada por duas ocasiões. Sem fazer crítica ao governo de Lula e tentando ‘descolar’ Dilma do governo, ofereceu aumento imediato no mínimo, aumento nas aposentadorias e um décimo terceiro ao Bolsa Família. O ‘candidato liberal levantando bandeiras populistas’, como observou Cano, que apontou também dentro do partido já ser acusado de principal responsável por uma derrota histórica.Repisando por onde passa o bordão ‘o maior ministro da saúde’ (os genéricos foram realização do governo Itamar Franco através do falecido Jamil Haddad, decreto-lei número 793, em 1993 http://altamiroborges.blogspot.com/2010/07/remedios-genericos-serra-mente.html), engoliu FHC confirmar o triunfo de Dilma no Financial Times e ponderar que o candidato ‘não está em sintonia com o Brasil’, na Revista Isto É, segundo texto do La Jornada. E a adversária Marina Silva, do PV, que nos últimos dias da corrida eleitoral ganhou pontuações, comentou: o tucano descambou para o ‘vale-tudo’ eleitoral, subestimou a petista e ‘se preparou para ficar fazendo só o embate como se ele fosse falar e o mundo fosse estremecer’, disse à Folha. Marina, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, é até aqui a terceira colocada na corrida eleitoral segundo as estimativas. Quando teve a oportunidade de fustigar sua adversária no esperado debate eleitoral na Rede Globo, o tucano não lhe remeteu nenhuma questão, nem cobrou pelos possíveis escândalos. Nem ‘mensalão’, nem quebra de sigilo da filha, nem nada. Perdeu a chance. Como quem não deve, não teme, fica uma sensação estranha.

Os programas sociais e o bom andamento do país na economia, mesmo enfrentando uma crise financeira internacional, que ocasionou uma recessão em 2009 e derrubou o PIB, proporcionaram uma melhora para as camadas menos abastadas. Mudanças que atingiram de forma positiva um montante ao redor de 30 milhões de pessoas à margem da sociedade. Hoje se pode ler na internet: ‘Brasil exporta Bolsa Família para 11 países – Africanos e latino-americanos recorrem ao governo para aprender como reduzir pobreza’ e ‘Comércio e fiado deslancham na cidade com a maior cobertura do Bolsa Família – Em Junco do Maranhão, 91,6% das famílias possuem o benefício’ (Portal IG). Um grande êxito para um povo acostumado à miséria. E também a confiança num cenário positivo, que inclui Copa do Mundo e Olimpíadas para os próximos anos, com reforço do mercado interno, garantiu a confiança no atual governo do qual Dilma fez parte.

Estes fatos levaram à oposição e aos setores mais conservadores uma grande tensão. Novamente, como em outros pleitos (Brizola no Rio de Janeiro em 1982, Lula e Collor em 1989, por exemplo), houve tentativa de se criar um tumulto com acusações e escândalos, como a história da quebra de sigilo da conta da filha de Serra pela Receita Federal, buscando desestabilizar a candidatura da coligação petista. A mídia tradicionalista e oligopólica (as 4 maiores redes de televisão concentram 83% da audiência no país) repercutiu diariamente o caso nos telejornais, nas rádios e nos meios impressos. Claro que toda acusação precisa de fatos apurados rigorosamente. E o papel da imprensa é acompanhar a investigação. Até aí, tudo certo. Mas, o interessante foi a absoluta blindagem protagonizada pelos mesmos meios sobre outro escândalo, este no caso envolvendo exatamente a filha de Serra como acusada e não como vítima. E a revista Carta Capital, que fez o furo de reportagem, foi solenemente ignorada pelos canais de comunicação mais poderosos. Não se falou nada sobre a acusação. Não se moveu uma palha por isso. O que é, portanto, uma vergonha. Obviamente o mesmo empenho na apuração da denuncia contra a filha de Serra e seus parceiros causariam mais transtornos à candidatura tucana, mal das pernas já sem este caso. Assim, o espírito investigativo foi trocado pelo partidário, lamentavelmente. E não pode continuar assim.

Como então confiar nesses órgãos de imprensa? É bastante comum ouvirmos e lermos críticas sobre o ‘projeto de poder permanente do PT’ na esfera federal. Ora, interessante que em São Paulo o PSDB está no Palácio dos Bandeirantes há 16 anos! E existe o risco de mais um mandato. Isto é o quê? Aliás, não consta que o próprio PSDB tenha dado de mão beijada a eleição em 2003. Se o candidato tucano tivesse vencido Lula, será que alguém reclamaria do ‘projeto de poder tucano’ em nível federal?Com a patente manipulação dos fatos, ocultando umas e mostrando outras coisas, além das distorções premeditadas, esta eleição revela a fundamental necessidade de expandirmos as redes sociais, a internet, com programas como o da luz sendo levado para as mais distantes comunidades. É preciso democratizar as comunicações. Criar canais de maior participação popular e instâncias que observem o comportamento de emissoras porque elas são de concessão pública e devem prestar contas ao povo. Embora os prognósticos apontem que o povo não esteja dando tanta atenção e votará com base em sua experiência e consciência, ainda assim, é preciso repensar não só a questão tributária e política, como se repete, mas também as concessões e os monopólios das comunicações. Como escreveu o jurista Fabio Konder Comparato, sobre o abusivo poder da mídia no país que, toda vez que questionada, alega estar sendo ‘censurada’: “Ao reinventarmos a democracia nos tempos modernos, o pretexto ridículo da impossibilidade de se reunir o povo em uma só praça fez com que a liberdade de expressão passasse a ser garantida, doravante, tão-só aos governantes e controladores dos meios de comunicação de massa”.

Em 500 anos de história continuamos ainda: com as redes de tratamento de esgoto sendo uma realidade para moradores de apenas 51% das cidades do país; com aproximadamente 12 milhões de residências sem acesso à rede geral de água tratada (PNAD, 2008); com 16 milhões de analfabetos; com 10% da população mais rica do Brasil detendo 75,4% de todas as riquezas do país (IPEA/2008) entre outros dados vários. Ou seja, somos a 8ª economia do mundo, mas repleto de mazelas.

O esforço de atenção aos menos aquinhoados neste governo já rendeu ‘uma nova classe média’ e o destaque entre os programas assistenciais no mundo. Contudo, este é um país ainda muito injusto. Demais da conta.

Oxalá os resultados das urnas, a serem reveladas nas próximas horas, permitam que os programas sociais sejam aprimorados e estimulem a autonomia dos cidadãos, para que um dia, o mais rápido o possível, sejam extintos não pela crueldade de governantes indiferentes, mas pela melhoria da qualidade de vida de toda gente. Reduzindo o número de retirantes, fixando os homens à terra, vendo crescer o crédito nas pequenas comunidades, com infra-estrutura digna aos distantes povoados e educação e saúde para todos. O povo não precisa de heróis que façam por ele. Precisa sim de chance para que ele se faça autônoma e soberanamente.

São Paulo, 1 de outubro de 2010

Prof. José de Almeida Amaral JúniorProfessor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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