O novo presidente em dez pontos, por Francisco Seixas da Costa

1. Fiquei com a sensação de que foi ainda o “professor Marcelo” quem ontem falou ao país. Estava lá a pedagogia, a apresentação académica e equilibrada das teses e a avaliação neutral da racionalidade das mesmas. Só faltaram as notas… Mas não desgostei, confesso!
2. António Costa não se pode queixar do PR. A cooperação institucional esteve presente e, de certo modo, uma certa “presunção de eficácia” do executivo também.
3. Marcelo Rebelo de Sousa foi social-democrata no modo como descreveu as posições em confronto e até no modo subliminar como deixou expressa a sua simpatia pela forte dimensão social do projeto inicial de OGE. E foi visível a ausência de qualquer empatia com a teoria do rigor europeu (que não se coibiu de colar ao anterior executivo), que terá impedido o sucesso da fórmula “inspiradora” portuguesa.
4. Quem contava com o presidente para criar um fácil incidente de percurso ao governo parece poder começar a “tirar o cavalo da chuva”. Ele deixou claro que o governo só cairá se quem o apoia assim quiser. Lembram-se dos tempos em que bastaria eleger um presidente “de direita” para logo se poderem marcar novas eleições? Eram em julho, não era?
5. O presidente deu ontem, de forma clara, um “salvo-conduto” ao governo, embora apenas com a validade de um ano. Já se percebeu que isto irá de orçamento em orçamento. Entretanto, sem o dizer, o presidente não deixou de lembrar que o Plano Nacional de Reformas tem de ser aprovado – e convém não esquecer que subsistem dúvidas se ele vai a votos na AR e o que daí poderá resultar.
6. Os avisos sobre a necessidade de rigor na execução orçamental e sobre o otimismo, talvez excessivo, de algumas projeções vieram bem acompanhados pela (potencialmente desculpabilizante) ideia de que se situam fora do país, e fora do controlo deste, algumas das variáveis que podem vir a ter um efeito sério na equação final. António Costa não esquecerá (e agradecerá) isto.
7. Quanto à oposição, a vingança serve-se fria (como a “vichyssoise”, aliás). Mais do que nunca, o PSD vai ter oportunidade de recordar, durante o seu nostálgico congresso do próximo fim de semana, como MRS lhes raptou idêntico evento anterior: desembarcando inopinadamente na sala, com um discurso galvanizador, remeteu então Santana Lopes à Misericórdia, atemorizou de vez Rui Rio e encostou definitivamente à parede Passos Coelho. O “catavento mediático” venceu-os a todos. Com um sorriso (que eles conhecem bem).
8. Contudo, o “estado de graça” de Marcelo perante alguma direita mais “caceteira” está a esgotar-se, talvez mais rapidamente do que esperado. O “Observador” já esbraceja desespero pelas colunas de opinião, alguns colunistas do “Negócios” e certos jornalistas “independentes” (“independentes”, na novilíngua mediática, significa “que não são de esquerda”) também não disfarçam, os porta-vozes da Santana à Lapa, atrapalhados entre Belém e a “geringonça”, esfalfam-se por ora em circunlóquios de advocacia hábil. Quando perderão a cabeça?
9. Marcelo Rebelo de Sousa é hoje, como nunca foi um outro presidente, um “one man show”, com a força que isso dá e os riscos que acarreta. Ganhou as eleições pela exploração hábil de uma notoriedade que só a si deve. Tem à sua frente um governo no fio da navalha, dependente da gestão das contradições de quem o apoia e de uma multiplicidade de vetores que desafiam a “lei de Murphy” (“se alguma coisa pode correr mal, ela correrá mal, no pior momento possível”). Não deve um voto ao entusiasmo oficioso do seu partido de origem (e este sabe isto). E, ainda à direita, conta com um CDS à procura de razões para existência própria, isto é, em busca de um registo distinto de um PSD que vive em estado de “negação”, com as malas prontas para regressar a S. Bento.
10. Vai ter imensa graça (embora vá ser simultaneamente algo penoso) assistir ao congresso do PSD. Se o partido enveredar por um elogio póstumo a Cavaco Silva, terá dois resultados inevitáveis: cola-se a uma figura que não soube acabar o seu tempo com um mínimo de “dignidade” (mal Cavaco sabia que, ao usar a palavra para Soares, estava a escrever o seu destino) e, a contrario, irá provocar Marcelo, o qual, em Belém, parece estar a escrever uma espécie de manual de “como Cavaco não faria”.

 

Por Francisco Seixas da Costa
Diplomata português. Ex-Embaixador de Portugal no Brasil.

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