O mundo à deriva. Por Carlos Fino

Por Carlos Fino

donaldtrump_euaDepois da surpresa e do choque, a incerteza e a inquietação. Em todas as capitais  do planeta coloca-se nestes dias uma única questão: para onde vai o mundo com Trump na Casa Branca?

As respostas variam consoante a perspectiva. Oscilam desde um possível retrocesso em questões de direitos humanos e civilizacionais, a um desastre em termos ecológicos se os EUA abandonarem os compromissos internacionais já assumidos em matéria de defesa do ambiente; até ao fim da ordem ocidental tal como a conhecemos, desde o termo da guerra fria, caso a América se retraia para uma posição isolacionista.

Os mais preocupados parecem ser os europeus, que se habituaram desde a Segunda Grande Guerra a colocar a sua segurança nas mãos dos americanos em troca de um seguidismo quase sempre acrítico em termos de política externa. Se Washington agora virar as costas, queira ou não queira, a Europa terá de aumentar os seus orçamentos de defesa e eventualmente reequacionar o relacionamento com a Rússia.

Esta semana, sobre o pano de fundo da melancólica viagem de despedida de Obama ao velho continente, de repente sentiu-se o vazio inquietante que poderia ser o afastamento da América.

Face a muitos dos recentes desastres da política intervencionista dos EUA– Iraque, Líbia, Síria… – tem crescido o apoio a uma ordem internacional mais multilateral, com responsabilidades repartidas e sancionada por instâncias internacionais; o que não se concebe é que a América se recolha a ponto de  deixar de fazer valer o seu peso e a sua influência na regulação dos assuntos mundiais.

Falta ainda conhecer quem será o novo Secretário de Estado para se poder avaliar  qual poderá ser efetivamente o novo rumo ou o novo tom da política externa americana.

Mas as nomeações já concretizadas para cargos-chave na Casa Branca – do radialista provocador Stephen Bannon como conselheiro estratégico, ao general Michael Flint, conselheiro de segurança, passando pelo senador Jeff Sessions como novo Procurador-Geral e o congressista republicano Mike Pompeo, diretor da CIA, não são de molde a sossegar os espíritos – todos homens profundamente conservadores, alguns com histórico de declarações racistas e xenófobas.

Dando satisfação aos sectores mais radicais, que querem aproveitar o momento para promover uma ampla agenda de mudanças anti-progressistas, Trump arrisca-se a aprofundar ainda mais a já grande divisão entre os norte-americanos que estas eleições revelaram. .

Aguardemos para ver se no plano da política externa acabará por ser escolhida uma personalidade mais consensual.

Se, contra as análises mais alarmistas, Trump, corrigidas as exaltações e provocações da campanha eleitoral, acabar, em política externa, por corrigir a tendência excessivamente intervencionista seguida pelos EUA nas últimas duas décadas, levando de caminho os europeus a preocuparem-se mais com a sua própria segurança, isso acabaria por ser um ganho

Afinal, Churchill ensinou-nos que os americanos acabam quase sempre por fazer a coisa certa, embora só depois de tentarem tudo o resto…

Até lá, dominam as especulações e a incerteza, num clima de inquietação. O mundo parece à deriva.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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