O maior legado da Copa do Mundo 2014

E, novamente, estamos diante de uma Copa do Mundo. Evento que acontece a cada quatro anos tem, agora, sua 20ª edição, sendo a segunda vez que ocorre no Brasil. A primeira foi em 1950, quando erguemos o belo estádio do Maracanã, quase 200 mil lugares, o maior que se construiu, exemplo de realização. Mas, em compensação, na hora ‘H’, momento maior da festa, perdemos a taça para a celeste, a aguerrida seleção uruguaia. Foi uma grande decepção que se espalhou pelo país e o brasileiro vivenciou naquele tempo uma experiência bastante dura para sua autoestima, expressada pelo chamado ‘complexo de vira-lata’, frente aos olhos do planeta. A prática do futebol, grande paixão nacional desde quando aqui chegou ao final do século XIX, falhou e não nos colocou no tão esperado ‘panteão dos heróis’ perante as nações. Trememos, nos acovardamos, fomos incompetentes… disseram até que foi por conta da incapacidade de jogadores como o goleiro Barbosa e o lateral Bigode, ambos negros. Afinal, este país não vai para frente porque está cheio de negros e pobres, duas vergonhas. Nunca mais vestimos uniforme branco, por via das dúvidas. Porém, ironicamente, oito anos depois e em território europeu, o Brasil vencia seu primeiro campeonato e revelava ao mundo não um, mas dois gênios: Pelé e Garrincha, sem contar mestres Djalma Santos e Didi, entre outros, nenhum deles caucasianos. Pelé, inclusive, foi consagrado o ‘rei do futebol’ aos 17 anos. Era um Brasil de ‘anos dourados’, com Juscelino na presidência, salário mínimo forte, Brasília sendo construída e um futebol doméstico que dava gosto de se ver.

Hoje, uma nova temporada se descortina. Contudo, muita coisa mudou. A poucas horas da bola rolar, prendendo a audiência global, as ruas estão pouco enfeitadas em relação a outrora e, até aqui, o comércio não demonstra empolgação com as vendas de televisores e nem de camisas verde-amarelas, como de costume. Pelo contrário. Desde o ano passado, muita gente vem fazendo manifestações evidenciando o aborrecimento com a realização do evento no Brasil. Uns porque não aceitaram os gastos com o campeonato, alegando que o esforço poderia ser canalizado para outros fins mais urgentes e óbvios como saúde, educação, moradia, transporte e afins. Outros porque reclamam da corrupção endêmica que empurra o custo das obras para além do combinado, fazendo tornar ainda mais caro algo que já não seria barato naturalmente, inclusive porque segue padrões pré-estabelecidos pela entidade proprietária do fato, a FIFA – Federação Internacional de Futebol. Contrapondo, o governo e seus aliados insistem em alertar que o dinheiro da Copa não influencia em nada as verbas para educação e saúde, por exemplo. Dos 26 bilhões de reais gastos com tudo, apenas 8 bilhões é que vão para estádios, o restante segue para infraestrutura. Em educação, o valor equivale a 9% das despesas públicas anuais, de R$ 280 bilhões no total. Ok. Contudo, a desconfiança é evidente. Inclusive, porque se calcula que o conjunto de obras de infra custará ao menos R$ 4,5 bilhões acima das previsões iniciais e os estádios, 36% mais caros…

Em meio a chegada das delegações e dos turistas, o que vemos é um país cheio de reclamações e mobilizações. Faltando dez dias, São Paulo, a cidade que abre o certame, tinha greve de professores e de outras categorias do funcionalismo publico municipal, além de paralisações de ônibus, dos agentes da CET e dos metroviários. O MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto mobilizou algo em torno de 15 mil pessoas na região da Arena São Paulo – chamada de ‘Itaquerão’ pela população, mas que a Rede Globo e boa parte da mídia, para não ‘desvalorizar’, chamam de ‘Arena Corinthians’ – . Disseram as lideranças “O ingresso [para os jogos] custa 500 conto! Nós não vamos estar lá! Onde estão os atendimentos às nossas reivindicações?” Perguntam pela ‘Copa do Povo’, uma área distante 4 km do estádio, visada para construção de moradias populares. Repete-se a idéia: “O problema não é a Copa. O problema é o investimento errado com dinheiro público”. Há muita incredulidade. Ou seja, não é uma ‘copa de todo mundo’, como os patrocinadores prometem, apregoam. É para uma minoria apenas. E a que custo excessivo? O ex-craque Romário, hoje atuante deputado, já afirmou  em entrevista à DW- Deutsche Welle que as obras da Copa serão “o maior roubo da história do país, envolvendo políticos corruptos e as construtoras […] abusando dos atrasos e não licitações pela urgência”. A mesma DW,  consultando técnicos germânicos, afirma que “a Fifa é a única que se beneficiará diretamente com o Mundial” e os efeitos são mais ‘pela imagem’ que econômicos para o país sede.

A Associação Rede Rua, organização que promove a inclusão social dos sem teto no Brasil, denunciou que desde o final de maio o caminho para o Itaquerão a partir da Radial Leste começou a ser ‘limpo’ pela polícia, em uma operação truculenta, usando força física e bombas de gás. Conforme a Pastoral Nacional da Rua, não houve trabalho algum de encaminhamento de direitos dessa população. De acordo com as lideranças da Pastoral, essas ações são determinadas pela FIFA com a complacência das autoridades locais contra a população marginalizada. No fim de semana, a CNBB começou a distribuir panfletos criticando a ‘inversão de prioridades’ no uso do dinheiro público na organização do evento. Critica o uso dos recursos, a remoção das famílias e comunidades, o desrespeito à legislação de trabalho (várias mortes já ocorreram nas obras pelo país afora), do ambiente e do consumidor. Um desrespeito ao cidadão brasileiro, cuja paixão pelo esporte está sendo apropriado por entidades privadas e corporações.

De fato, os atletas não podem ser responsabilizados por nada desses questionamentos. Cumprem seu papel profissional. E muito bem pagos. Mas, não é possível negar que também falta ao selecionado a aproximação que se tinha anteriormente. Não há, por exemplo, um jogador sequer da maior praça futebolística que é São Paulo entre os convocados. A grande maioria é ‘estrangeiro’: vem de clubes espanhóis, ingleses, italianos, portugueses, alemães, franceses etc. É um futebol extremamente mercantilizado, cada vez mais artificial, distante da massa, da ‘galera’. É ‘galáctico’. De arquibancadas caras e cada vez mais vazias, trocadas pelos ‘pay per view’ das TVs a cabo. Dos velhos tempos românticos, tem as figurinhas de jogadores que ainda fazem sucesso e dá aquela brincadeira das trocas um aspecto lúdico e participativo entre colecionadores. Mas, no geral está sem aquela graça que havia. Uma coisa é certa: o povo está acordando. Lentamente, porém, vai se ligando nas reivindicações, no protesto. Isso é democracia. Esse, bem provavelmente, será o maior legado da Copa do Mundo de futebol. Independente se vier ou não o hexacampeonato. São Paulo, 05 de junho de 2014

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

2 comentários em “O maior legado da Copa do Mundo 2014”

  1. O tradicional ‘Clássico do Bacalhau’, festa da colônia lusa no Brasil, sendo disputado na Série B.
    É lamentável.
    Especialmente porque a Portuguesa NÃO DEVERIA estar nessa divisão por critérios técnicos/ esportivos.
    Sua descida foi injusta e até agora NÃO HOUVE REVELAÇÕES SOBRE QUEM FOI SUBORNADO NO CLUBE E QUEM SUBORNOU para que o ‘erro’ fosse levado a julgamento, prontamente condenado pelo tribunal da CBF. O Ministério Publico precisa dar explicações. A imprensa ‘investigativa’ não foi atrás por quê? A atual Diretoria não se move. Tudo muito estranho… Isto NÃO PODE CAIR NO ESQUECIMENTO!
    Punição aos traidores e ressarcimento ao clube pelos danos morais é o mínimo…
    Abraço
    Prof. José Amaral

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