O GOLPE AVANÇA IV

Neste domingo, no Congresso Nacional, mais especificamente na Câmara dos Deputados, o País assistirá a uma nova página dramática contra a frágil democracia brasileira, atropelada por interrupções várias ao longo do século XX. Agora, infelizmente, em edição atualizada, testemunharemos ao inflamado confronto entre classes sociais, entre os interesses de uma minoria privilegiada versus uma massa de empobrecidos que luta por uma autodeterminação.

O jornal espanhol El País, em sua edição brasileira, fez uma pesquisa eletrônica mês passado envolvendo os manifestantes que tomaram as ruas e constatou que há uma forte polarização, não existindo diálogo razoável entre as partes. Os manifestantes ‘verde-amarelos’ pró-impeachment são conservadores, leitores da grande mídia comercial, caso de Veja e Estadão, e caracterizam-se por apoiar idéias como a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, bem como o direito de se defenderem através da compra e do porte de armas de fogo. Nomes de referência são, por exemplo, Aécio, Bolsonaro e Caiado. Outra pesquisa, nos eventos, foi feita pelo DataFolha. Segundo o instituto, este grupo tem “um perfil social mais elitista que o da média da população”, com 76% tendo nível superior completo, 22% ganhando de 10 a 20 salários mínimos e 19% ganhando acima disso. Os pró-impeachment dizem ‘lutar contra a corrupção’ e protestar ‘contra Dilma e o governo do PT’. Do outro lado, segundo o El País, os ‘vermelhos’ tomam referências nos blogueiros e pequenos portais como Rede Brasil Atual; apóiam os movimentos negro e feminista, assim como a reforma agrária. De acordo com o DataFolha, entre os ‘esquerdistas’, 68% tem nível superior, 44% são funcionários públicos, 38% recebe até 3 mínimos e 24% de 3 a 5 salários mínimos. Preocupam-se com perdas de direitos trabalhistas, querem reformas políticas e defesa da Petrobrás. Vêem Dilma como inocente de envolvimento com corrupção, iniciada há muito nos corredores de Brasília, não sendo geneticamente petista.

Cinco ações que contestavam a votação do impeachment foram derrubadas pelo STF na madrugada de quinta para sexta feira. Agora, o rito do impeachment leva discussões na Câmara dos Deputados até domingo. Então, será chamada a votação às 17 hs. A proposta pelo processo tem que conseguir 2/3 da Câmara, 342 deputados, caso contrário, arquiva-se o assunto. Se passar, avançará para o Senado que terá 10 dias para discutir. Precisa de maioria simples para aceitar o processo. Se, então, for acatado no Senado, a presidenta Dilma se afastará por 180 dias e o vice, Temer, assume a Presidência. Então, em seis meses acontece o julgamento final no Senado com a presidência do STF. É necessário 2/3 dos senadores (54 votos) para aprovar o impeachment. Será um longo e penoso caminho, caso passe por este dia 17 de abril.

Há coisas que podem ser legais, porém, não são justas, não são morais. Dos 38 votantes que aprovaram a discussão do processo de impeachment, 35 estão sendo julgados pela justiça. Vergonha. Neste final de semana, a Câmara dos Deputados será presidida por um homem repleto de acusações, tornando-se manchete internacional, envergonhando ainda mais o momento. Eduardo Cunha (PMDB/RJ) foi denunciado na Lava Jato, denunciado na planilha da Odebrecht, na Panamá Papers e muitos outros escândalos pouco aprofundados pela imprensa e largados, até aqui, pela Lei. Negou que tivesse contas no exterior e o governo suíço desmentiu com provas várias. O STF mostra grande insensibilidade e até mesmo fraqueza ao permitir que tal figura lidere trabalhos de tamanha importância. Ele deveria ter sido afastado para apuração legal de todas as denúncias. Contudo, permanece exercendo todo seu poder, manipulando os tempos e as interpretações das regras como lhe convém, sendo dos principais atores para o clima de desestabilidade construído.

Dilma será julgada por crime de responsabilidade referente a ‘pedaladas fiscais’ que, até hoje, não havia tirado o sono de nenhum executivo. Tanto que se calcula 16 governadores, neste instante, também deveriam ser afastados pelo mesmo caso, conforme apontam juristas. A democracia brasileira corre risco. Mais de 54 milhões de votos estão para ser queimados frente a uma eleição que não terminou em 2014. Quatro dias após o pleito já havia contestação pela oposição inconformada com nova derrota. Um ano e tanto de manifestações e turbulências levaram a reflexos evidentes na economia, com muitas empresas importantes, aliás, sendo investigadas, caso da Petrobrás e grandes construtoras. País perde produção, perde empregos, vê cair a renda e ampliar um grande mal estar. Tudo muito confuso. Inclusive porque muitos acusados de corrupção ‘não vinham ao caso em vários momentos da investigação’, denunciando seletividade. Nesse meio, o vice-presidente Michel Temer (PMDB/SP) já apresentou, através de um vazamento, constrangedor ‘discurso de posse’, o que o caracteriza como autêntico conspirador. Como pode um governo funcionar com tais aliados? A situação é patética.

Frente ao tenso momento vivido, acontecem gestos de muitas entidades dentro e fora do País, clamando por justiça. Organismos como o ACNUDH – Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Cepal – Comissão Econômica para América Latina e o Caribe manifestaram-se contrários a eventos no país que podem causar danos “duradouros” e “interromper o mandato conferido” à presidenta nas urnas. A OEA – Organização dos Estados Americanos defendeu a garantia do mandato e o princípio de que todos são iguais perante a lei. A revista alemã Der Spiegel chama o fato de ‘golpe frio’. O jornal New York Times diz que ‘a figura honesta da presidenta recebe impeachment manipulado’. A CNBB em nota ao Congresso afirmou preocupação com a frágil democracia. Apontou que “acusados de corrupção devem ser julgados por instâncias competentes […] O bem da nação requer de todos a superação de interesses pessoais, partidários e corporativistas. […] Os meios de comunicação social têm o importante papel de informar e formar a opinião pública com fidelidade aos fatos e respeito à verdade.” Pede diálogo para superação da crise e preservação da paz. Sem duvidas.

Por isso, o respeito às urnas deve sair vitorioso para não nos mancharmos com mais um golpe e o futuro deve ser construído pela responsabilidade do diálogo em favor de um todo. Com o Estado de Direito sendo respeitado e sem privilégios a ninguém. Resta saber se a oposição for novamente derrotada, vai acatar esta regra? São Paulo, 15 de abril de 2016.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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