O Estigma do Trabalho Escravo no Brasil

Há algum tempo a sociedade brasileira, especialmente o segmento afrodescendente, não dá muita importância ao ‘13 de Maio’, dia da assinatura da Lei Áurea, ocorrida em 1888 e que decretou a proibição da escravidão no território. Prefere-se lembrar a data que marca a morte do grande líder e herói da resistência, Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695, como o ‘Dia da Consciência Negra’, da luta contra o preconceito racial e de todas as coisas que dele derivam. Mas, independente de qualquer uma delas, ambas importantes pelo seu caráter de denúncia histórica, o fato é que a mídia permanece noticiando, com lamentável regularidade, a manutenção desse crime contra trabalhadores, ridicularizando a séria questão da Justiça e dos Direitos Humanos dentro do país.

Os negros, transportados desde o outro lado do Atlântico sob coação, são importante parte constituinte do que chamamos de ‘povo brasileiro’. Junto com o índio e o europeu formam o tripé de nossa gente, nossa nacionalidade. E, apesar das críticas longínquas à problemática do escravismo, esta consegue permanecer resistindo no transcorrer do tempo.

Muitos historiadores calculam que desde a lei de 1831, quando foi proibida a importação dos escravos, o Brasil independente não cumpriu a ordem com rigor, deixando ocorrer a continuidade do tráfico por navios negreiros, com o desembarque e escravização de aproximadamente 760 mil africanos, segundo a estimativa do pesquisador e professor de História do Brasil na Universidade de Paris-Sorbonne, Luiz Felipe de Alencastro, autor de “O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII, editado pela Companhia das Letras. Permitiram a liberdade desses traficantes e senhores de escravos durante décadas, que continuaram o negócio até 1888, quando a Princesa Isabel aboliu a prática escravocrata internamente. Esta impunidade praticada pela elite mercantilista imperial tem reflexos evidentes na estrutura social, política e econômica até os dias atuais.

Não podemos negar o racismo, o preconceito racial, que é derivado desse trágico período escravocrata. A população afrodescendente até hoje não teve uma reparação frente ao crime hediondo da escravidão ao longo de séculos e padece sim com seus reflexos. No Brasil, 51% da população pertencem ao grupo dos negros. No entanto, eles representam apenas 20% dos brasileiros que ganham mais de dez salários mínimos. A população negra também representa apenas 20% dos brasileiros que chegam a fazer pós-graduação no país. Não basta? Há mais exemplos desse preconceito velado.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ainda sob o ponto de vista da educação, 13% dos negros com idade a partir de 15 anos são analfabetos. O maior percentual de analfabetismo entre a população negra está registrado no Nordeste, 21%. Segundo estudos coordenados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, ligada à Presidência da Republica, a maior concentração de negros analfabetos por faixa etária está registrada a partir de 65 anos: 45% desse grupo em toda a federação. Outro exemplo: há 15 dias, pesquisa do Núcleo de Estudos da População da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp mostra que a discriminação racial explica a desvantagem dos negros também no acesso aos serviços de saúde. O risco de morte por desnutrição é 90% maior entre crianças negras do que entre brancas. Entre os adultos, as chances de morrer por tuberculose é 70% maior na população negra. E o número de consultas no pré-natal é quase 50% menor entre as gestantes pretas ou pardas. Só não nota quem não quer.

Mesmo com todas essas distorções, reflexos do período escravocrata, o Congresso Nacional, mais especificamente a Câmara dos Deputados, em votação de 2º turno, apresenta sérias dificuldades para definir a aprovação da PEC – Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê o confisco de propriedades onde trabalho escravo for encontrado com sua destinação sendo feita à reforma agrária ou ao uso social urbano. Isto é fundamental para combater esse crime. Desde 1995, mais de 42 mil pessoas foram resgatadas do tratamento cruel na jornada de trabalho pelo país, segundo a CONATRAE – Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo. Um terrível legado iniciado na colonização com os índios e marcado a ferro e fogo sobre a população negra, e que ainda se faz sentir em milhares de brasileiros que não tem direito a cidadania, a dignidade e o respeito ao seu trabalho como ser humano.

Hoje, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, o crime de escravidão é definido como “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A Organização Internacional do Trabalho – OIT conceitua a prática como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de uma pena qualquer para o qual não se apresentou voluntariamente”. A Comissão Pastoral da Terra não para de chamar atenção sobre a questão, para os milhares de brasileiros que diariamente tem sua vida arriscada em plantações de cana, em carvoarias, na prostituição, na pecuária entre outras atividades.

Esta é mais uma chaga que precisa ser erradicada do mapa, punindo-se com veemência os responsáveis, sem subterfúgios, para que não mais nos envergonhemos com tal situação em pleno século XXI, 124 anos após a decretação de sua proibição em todo o território nacional. São Paulo, 17 de maio de 2012.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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