O Cidadão para o Novo Mundo

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

As exigências das sociedades modernas, no que respeita à descoberta e aplicação de soluções para os problemas complexos, que diariamente surgem, não são compatíveis com cidadãos intelectualmente estáticos, nem com escolas que apenas reproduzem o passado, e não se adaptam aos novos tempos.

Cabe, então, à escola, em todas as suas dimensões: preparar o cidadão para a vida, para o trabalho, para a cidadania, para a ciência para a técnica, em articulação com a realidade social envolvente, sem descurar uma certa ilustração intelectualista, mas misturando-se, também, com o povo anónimo, produtor, consumidor, crente ou ateu.

Portanto: «… se vocês conseguirem elaborar um sistema educativo melhor assente na vida, melhor adaptado às descobertas científicas e às condições económicas; se tornarem a vossa escola mais eficiente não só no plano intelectual, mas também no vasto e complexo domínio do trabalho, terão mais adesões e apoios do que pensam.» (FREINET, 1974:168).

Caminha-se para a introdução de profundas mudanças na sociedade mundial. As transformações decorrentes das novas tecnologias, a globalização em varias vertentes: económica, comercial, industrial e monetária é um dado adquirido; o avanço científico, os problemas ambientais, as tentativas para estabelecer uma nova ordem internacional que, do ponto de vista de algumas potências, pode perverter valores civilizacionais e comprometer o próprio direito internacional, constituem realidades para as quais o novo cidadão se deve consciencializar.

Por outro lado, situações de grande conflitualidade regional, em vários pontos do globo, que afetam, direta ou indiretamente todas as nações do Mundo, estão a dificultar os esforços desenvolvidos aos mais altos níveis: religiosos, políticos, económicos, estratégicos para o restabelecimento de uma paz mundial.

A segurança das instituições, das pessoas, dos bens, dos meios e recursos, indispensáveis ao desenvolvimento equilibrado, está igualmente comprometida. Uma presumível nova civilização parece querer emergir: dos escombros provocados por uns; ou das novas políticas pacifistas e ambientalistas defendidas por outros, sem se saber muito bem qual o desfecho de toda esta movimentação.

Num contexto tão diversificado, quanto complexo, espera-se, das novas gerações, uma atitude ativa perante as realidades que se lhes colocam. Nesse sentido, compete a todos quantos no presente tem responsabilidades executivas, de decisão, políticas, educacionais e religiosas, colaborar intensamente na formação dos novos cidadãos, educando-os para uma nova civilização, sem perda dos princípios e dos valores universais, naturalmente que, dando-lhes uma interpretação ajustada às novas realidades.

Independentemente dos múltiplos agentes constituintes da sociedade, uma vez mais se destaca o papel da escola e dos respetivos intervenientes nos processos educativo e formativo das crianças, jovens e adultos, agora na perspectiva de “aprender toda a vida” ou “ao longo da vida”?

Continua-se a assistir, em alguns níveis e estabelecimentos de ensino, a uma educação para a reprodução, onde os educandos, no fim de um ciclo de estudos, não estão preparados para o mundo, quaisquer que sejam as perspectivas: laborais, políticas, sociais e religiosas.

O estímulo à criatividade, à inovação, à autonomia do aluno, deve ser, permanentemente, aguilhoado na prática pedagógica de muitos docentes e formadores, assim como promover com maior frequência sessões de sensibilização e preparação para a mudança.

O professor/formador moderno pode, (e deve) também ele, continuar a atualizar-se, a usar da sua experiência, transmitindo, aos seus alunos e formandos, factos concretos da vida real, num mundo autêntico que, inevitavelmente, vão encontrar fora dos muros da escola.

Importa defender um professor que seja cada vez menos: omnipresente, omnipotente e omnisciente; em benefício de um docente mais: coordenador, tutor, facilitador, distante da autonomia do aluno; e também cada vez mais: aprendiz, curioso, democrata, companheiro e cúmplice.

O cidadão cuja estrutura se tem vindo a tentar descrever insere-se já, neste novo mundo, e as suas necessidades de adaptação são diferentes daquelas que sentiram os seus antepassados. Cumpre dar satisfação a tais carências, fundamentalmente através da educação, até porque o papel da família, continuando a ser importante, não é suficiente, na medida em que também neste agente socializador, que ela representa, muitas tem sido as alterações.

Reconhece-se que a própria constituição da família já não obedece aos princípios, valores e formatação tradicionais, a duração do matrimónio clássico é cada vez menor, por razões que se prendem, de entre outras causas: com projetos profissionais, com um reforço das autonomias individuais, atividades diversas, e com uma partilha benéfica das tarefas domésticas, em alguns casais. O papel da família, na educação tradicional, que no seu seio era desenvolvido, perdeu muito da sua influência e eficácia.

Em última análise, resta à escola assumir-se e liderar o processo, nos diversos níveis e tipos de ensino: aprendizagem, formação e atualização, ao longo da vida das pessoas, integradas numa sociedade democrática, onde os problemas de natureza social constituem um desafio para os cidadãos em geral e, principalmente, para este novo cidadão, que se deseja  interventivo, num futuro próximo, porque não se pode perder mais tempo com um certo passado de: sofrimento, miséria, ditadura, prepotência.

Sem mais delongas: «É preciso que tomemos em consideração mais uma exigência da democracia. Se os nossos alunos devem desenvolver-se dentro da cidadania conveniente, precisam com o avançar da idade, e com a devida atenção para o seu ponto de vista e o seu interesse futuro, familiarizarem-se, cada vez mais, com os problemas da civilização.» (KILPATRICK, 1978:56).

A atividade, nos vários domínios que a sociedade democrática comporta, será uma exigência, e uma característica, do novo cidadão. O exercício da cidadania plena não é uma atitude passiva, de crítica pela crítica, de afastamento dos problemas sociais e da rejeição de responsabilidades. O novo cidadão manifestar-se-á ativo ao longo da sua vida, adaptando-se em cada momento, às novas realidades, em função das suas capacidades físicas e intelectuais e aos seus princípios, valores e sentimentos.

 

Bibliografia

FREINET, Celestin, (1974). A Educação pelo Trabalho, Trad. António Pescada, 1. Vol., Lisboa: Editorial Presença.

KILPATRICK William Heard, (1978). Educação para uma Civilização em Mudança, Tradução, Profª. Nomo S. Rudolfer., 16ª. Ed., São Paulo, Melhoramentos, Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar – Ministério da Educação e Cultura

 

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

http://nalap.org/

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