Por Daniel Bastos
Na senda das vagas contemporâneas de emigrantes portugueses para vários países do mundo, evidencia-se o ciclo transatlântico que se prolongou de meados do século XIX até ao primeiro quartel do século XX, e que teve como principal destino o Brasil.
Pressionados pela carestia de vida e baixos salários agrícolas, mais de um milhão de portugueses entre 1855 e 1914 atravessaram o oceano Atlântico, essencialmente seduzidos pelo crescimento econômico da antiga colónia portuguesa. Procedente do mundo rural e eminentemente masculino, o fluxo migratório foi particularmente incisivo no Minho, um dos principais torrões de origem da emigração portuguesa para o Brasil.
Enobrecidos pelo trabalho, maioritariamente centrado na atividade comercial, e após uma vintena de anos geradores de um processo de interação social que os colocou em contacto com novas realidades, hábitos, costumes e posses, o regresso de “brasileiros de torna-viagem” a Portugal, trouxe consigo um espírito burguês empreendedor e filantrópico marcado pela fortuna, pelo gosto de viajar, e pelo fascínio cosmopolita da cultura e língua francesa.
Ainda que sintomática das debilidades estruturais do país, a emigração portuguesa para o Brasil entre o séc. XIX e XX, facultou através do retorno dos “brasileiros de torna-viagem”, os meios e recursos necessários para a transformação contemporânea do território nacional, com particular incidência no Norte de Portugal.
Como é o caso paradigmático de Fafe, uma cidade situada no distrito de Braga, no coração do Minho, cujo desenvolvimento contemporâneo teve um forte cunho de emigrantes locais enriquecidos no Brasil na transição do séc. XIX para o séc. XX.
Entre as várias iniciativas de natureza empreendedora e filantrópica dos emigrantes “brasileiros” de Fafe, destaca-se a construção do Jardim Público, símbolo do romantismo, conhecido como o Jardim do Calvário que assinala este ano o seu 130.º aniversário.
Concluído em 1892, num local onde existiu a capela do Senhor do Calvário, o Jardim do Calvário, um espaço público de cultura, lazer e recreio que abrange uma localização privilegiada no centro da Sala de Visitas do Minho, e é caraterizado pela frondosa arborização, um lago curvilíneo com ponte e um coreto de estilo Arte Nova, deve a sua construção ao “brasileiro” comendador Albino de Oliveira Guimarães, uma das personagens mais influentes na comunidade portuguesa do Rio de Janeiro no último quartel do séc. XIX.
Natural da freguesia de Golães, concelho de Fafe, Albino de Oliveira Guimarães nasceu em setembro de 1833. Emigrou, para o Rio de Janeiro, em 1847, com 14 anos de idade, regressando definitivamente ao torrão natal, por volta de 1890, vindo a falecer em 6 de março de 1908, com 74 anos de idade.
Desde a sua chegada à metrópole carioca começou a trabalhar como caixeiro na casa comercial de António Mendes Oliveira Castro, também natural de Fafe, que se dedicava ao ramos de ferragens, drogarias e materiais de construção civil e para quem levava carta de recomendação, vindo a ser o seu braço direito e seu futuro genro.
Em 1858, casou com Luiza Mendes de Oliveira Castro, filha do patrão e influente capitalista, e de Castorina Angélica de Jesus Alves Pereira, senhorios da propriedade rural da Chácara dos Macacos, propriedade que hoje abriga a Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Atualmente, uma das mais importantes instituições brasileiras de cultura e preservação de documentos com acervos inscritos no Registro Nacional do Programa Memória do Mundo da UNESCO.
No trajeto de retorno o comendador Albino de Oliveira Guimarães, cuja ação foi essencial na instituição do Hospital de São José, teria ainda um papel importante na Fundação dos Bombeiros, na edificação da Igreja Nova e na construção do Jardim do Calvário.
Na esteira da memória do saudoso historiador e professor Miguel Monteiro, um dos mais reputados investigadores no campo do estudo dos “brasileiros de torna-viagem” na região noroeste do continente português, e em particular, no concelho de Fafe, ao comendador Albino de Oliveira Guimarães ”ficou a dever-se o financiamento da construção do Passeio Público de Fafe, cujo contrato foi assinado em 2 de Março de 1890 com Domingues Fernandes e Francisco Pereira”. Tendo a inauguração sido efetuada “ em 1892, com a ausência em Lisboa do seu financiando, tendo aCâmara deliberado mandar agradecer por telegrama ao Comendador a obra que promovera”.
Um local de eleição e de fruição para a comunidade local, e para todos que visitam o território, que como destaca o “alma mater” do Museu das Migrações e das Comunidades, sediado em Fafe, no artigo O Museu da Emigração e os “Brasileiros” do Rio: o público e o privado na construção de modernidade em Portugal, constitui “um símbolo do romantismo português. Este espaço apresenta características idênticas aos que se encontram na Casa de Rui Barbosa e no Palácio que hoje é Museu da República no Rio de Janeiro: o lago curvilíneo, as pontes e guardas naturalista e os gradeamentos, dando ao espaço proteção e isolando-o do espaço exterior”.
Por Daniel Bastos
Escritor português