Durante os trabalhos constituintes, tendo participado de audiências públicas e escrito com Celso Bastos, pela Saraiva, os comentários ao texto supremo, em 15 volumes e mais de 12.000 páginas, foi-me possível perceber que a questão dos princípios constitucionais tornou-se o elemento de maior preocupação dos nossos primeiros legisladores.
Embora adiposa e repleta de normas e regras – muitas delas sem densidade para figurar na lei maior -, o equilíbrio de poderes e o elenco de princípios tornaram-se pontos nevrálgicos que fizeram da Carta Magna de 1988 a mais democrática das nossas Constituições.
Entre os princípios implícitos e explícitos da lei das leis, está o princípio da razoabilidade, que, à evidência, como se percebeu no caso da Lusa, foi amplamente ignorado.
Como considerar que não fere a razoabilidade o fato de, após um campeonato de 38 jogos, 3.420 minutos jogados, em partida sem qualquer relevância, pois a Portuguesa já não mais corria risco de rebaixamento, a entrada em campo de um jogador, por 12 minutos apenas, tivesse o condão de rebaixar um time que mereceu em campo continuar na 1ª. divisão, para colocar outro, que perdeu em campo o direito de nela permanecer, sob a alegação que aquele jogador estava em situação irregular?
E tudo porque – ao contrário do que ocorre na Justiça comum, em que as decisões passam a valer APÓS A INTIMAÇÃO FORMAL DAS PARTES e PUBLICAÇÃO DAS DECISÕES – o advogado da Portuguesa estava presente ao julgamento, para produzir sustentação oral, considerando, a justiça esportiva, que esse fato dispensava a regular intimação da decisão. Estranhamente, esse cidadão disse ter comunicado à Portuguesa o teor do julgado, à noite, por telefone, SEM QUALQUER PROVA DE QUE O HOUVESSE FEITO. Note-se que essa prova seria de fácil produção, bastando mostrar o registro telefônico da chamada supostamente feita para o número da Portuguesa ou de seu representante!!!
O ferimento não apenas ao princípio da razoabilidade, mas também ao da publicidade, neste caso, está demonstrado por cinco evidências:
1) a comunicação oficial só foi feita na 2ª. feira, após o jogo;
2) o site da CBF só publicou a decisão na 2ª. feira, após o jogo;
3) em situação rigorosamente idêntica, o Fluminense foi declarado campeão brasileiro, não obstante um de seus jogadores ter disputado irregularmente partida, após receber 5 cartões amarelos;
4) nenhum representante da CBF acusou, quando da entrada em campo do jogador da Portuguesa, que ele estava suspenso;
5) o estatuto do torcedor, que é lei publicada depois de um mero ato administrativo interno (Código Desportivo), exige QUE HAJA NOTIFICAÇÃO ON LINE.
Creio que a absurda da decisão – criticada pela esmagadora maioria da imprensa, pelo presidente da CBF, pelo Ministro dos Esportes, por juristas de maior expressão no país – tem um aspecto positivo, ou seja, levar ao repensar sobre as arcaicas e feudais estruturas da Justiça Desportiva, que devem ser mudadas para exigir que os juízes sejam escolhidos mediante concurso público, e não sejam mais dinasticamente mantidos, como senhores da vida e da morte, no futebol brasileiro.
Quanto à Lusa, pode e deve recorrer a Justiça Comum, por força do artigo 217, § 1º, da CF, que declara: “§ 1º – O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.” e do artigo 5º, inciso XXXV, cuja dicção é a seguinte: “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
Somente a Justiça Comum pode recolocar em ordem o futebol, assegurando que as vitórias sejam conquistadas em campo. Para gáudio dos torcedores, através dela poder-se-á arejar, de vez, o “bunker” atual dos que decidem, nos bastidores, os destinos do nosso futebol.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.