“Se nós não tivéssemos esta experiência de ter andado pelo mundo como descobridores, colonizadores e emigrantes, teríamos a mesma abertura de espírito de acolher os migrantes” disse Costa.
Mundo Lusíada
Com Lusa
Durante sua visita ao Porto, a chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu que a criação de “condições fiáveis e apoios públicos sustentáveis” é uma forma de os Estados levarem os investigadores a regressar aos seus países e recuperar o “investimento” feito na qualificação.
“Também temos esse problema na Alemanha e não é necessariamente mau que as pessoas saiam dos seus países quando concluem os seus estudos. Mas penso que, quando se criam condições fiáveis e apoios públicos sustentáveis, os investigadores regressam”, afirmou a chefe do executivo alemã, em resposta a perguntas de cerca de 100 alunos de doutoramento da Universidade do Porto, no I3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto, em Portugal.
No encontro com estudantes, que durou mais de uma hora, Merkel elogiou as apostas portuguesas no setor, dizendo que o país “proporciona perspectivas de longo prazo para os jovens” e mostrando-se convencida de que existem “novas opções para o futuro”.
Coragem para Inovar
Merkel ainda defendeu que “a Europa tem de ser mais corajosa” e apostar na “inovação” em áreas “estratégicas” para “cumprir a promessa de prosperidade”, sugerindo apoios estruturais para “produzir chips” e “baterias para carros”.
“Precisamos de capacidades estratégicas tecnológicas e de dar muito apoio [estrutural], como fazem os Estados Unidos ou a China. Devemos dizer: em 2030 queremos chegar ao ponto ‘x’ no nível da inteligência artificial e temos de apoiar. Aqui a Europa tem de ser mais corajosa”, afirmou Merkel no debate.
Merkel alertou que a Europa tem “um problema”, porque “já perdeu algumas capacidades tecnológicas”, defendendo “um apoio estrutural” para a produção de chips” e “um programa parecido para a produção de baterias automóveis”, duas áreas que podem ser “estratégicas” para colocar os países europeus em competição com os Estados Unidos ou a China.
“Temos um problema na Europa, porque algumas capacidades tecnologias já foram perdidas. Em breve, já não haverá ninguém na Europa a fabricar chips. Isso é feito na Ásia. Mas a grande maioria das máquinas para os produzir estão na Europa. Então, daqui a uns anos, a Ásia também vai fazer as máquinas de produzir chips. Então, juntamo-nos, com a França, os Países Baixos, etc, para termos um apoio estrutural para a produção de chips”, observou a chanceler.
Segundo Merkel, a Europa necessita ainda de “um programa parecido para as baterias automóveis”. “Se a mais-valia de um carro é a bateria e ela já não é produzida na Europa, mas na Ásia ou nos EUA, de fato resta pouca mais valia na Europa. Precisamos de capacidades estratégicas tecnologias e dar muito apoio, de forma muito estratégica”.
A chanceler lembrou que a União Europeia (UE) foi “promessa de paz” e cumpriu, indicando que a moeda única é “também uma garantia para se continuar a viver em paz”. “Depois, a Europa foi também uma promessa de prosperidade. Essa não foi cumprida. Mas se não formos inovadores, se não criarmos o que os outros vão querer copiar, não poderemos cumprir essa promessa de prosperidade para os nossos países. Por isso a inovação é muito importante”, vincou.
Já António Costa apontou vários exemplos da forma como Portugal tem ligado a ciência à produtividade, apontando apoio a incubadoras e ‘start up’ mas destacando os seis laboratórios colaborativos, cinco dos quais centrados na “valorização dos recursos naturais”.
Costa lembrou que, “há 30 anos, foram dadas como mortas” as indústrias tradicionais portuguesas, mas foram elas “as primeiras a sair da crise”, porque o têxtil, o calçado e a agricultura “foram os setores que mais se modernizaram”. “Reinventaram-se através da inovação”, destacou.
O primeiro-ministro português lembrou o período de crise, vincando que o país está agora a “inverter o ciclo”, nomeadamente ao “aumentar 6% ao ano o número de investigadores que as empresas estão a contratar”. Costa defende que Portugal “precisa de atrair cada vez mais empresas que aqui possam criar postos de trabalho mais qualificados”. “Essa tendência, em Portugal, está a verificar-se”, vincou.
O primeiro-ministro afirmou que “isso vai permitir travar a perda de recursos humanos altamente qualificados”. “Sabemos bem que há uma diferença entre a liberdade de circular e a obrigação de ter de partir”, observou.
Para o governante, “fundamental é que cada um invista cada vez mais na sua educação”. “É dessa forma que o país se torna mais competitivo”, alertou. Referindo-se aos “anos de batalha” que Portugal tem “contra o déficit”, Costa indicou serem precisas “décadas de trabalho para resolver o déficit de conhecimento”.
Costa ainda apelou ao envolvimento dos cidadãos nas eleições para o Parlamento Europeu, em 2019, afirmando que “a União Europeia não é alguma coisa que está em Bruxelas e que existe para além” das pessoas.
Terrorismo
Segundo Costa, o papel da Europa no combate ao terrorismo é uma mais valia, porque há cooperação policial e judiciária entre todos os Estados-membros.
“Temos melhores condições para combater o terrorismo e isso é um exemplo de como a Europa pode ser uma mais valia e como nós podemos ao mesmo tempo sermos capazes de garantir segurança dos europeus e manter a liberdade de circulação”, bem como ter entre a fronteira atlântica e a fronteira da Polónia com a Rússia “um enorme espaço de segurança e justiça”.
Costa disse ser necessário “olhar para as causas do terrorismo”, considerando que “não é por acaso que, na generalidade dos atentados na Europa, os autores não vieram de fora: nasceram, cresceram e viveram muitas vezes na Europa”.
Em relação à livre circulação de pessoas “não temos qualquer hipótese”, disse Angela Merkel, justificando que as “informações não são ainda suficientemente colocadas em rede”, contudo, se “não houvesse cooperação ente serviços e informações não era possível travar esse combate” ao terrorismo.
A chanceler alemã também considerou ser importante olhar para “as razões do terrorismo”, afirmando que “a luta” passa também por se encontrar “soluções politicas” e por reforçar o trabalho de “coesão”, quer na UE como fora dela.
Para António Costa, o que tem sido “um enorme sucesso” da UE ao longo da sua história “é ter conseguido assegurar o maior período de paz” na Europa, “conseguindo encontrar método de conciliar essas vontades, interesses, culturas e perspetivas diversas” de todos os seus estados-membros.
Segundo ele, o bloco tem enriquecido mais do ponto de vista da diversidade”, e defendeu “um dos maiores riscos” no futuro da Europa “é uma certa fratura entre diversas partes da Europa”, mais visível hoje em dia entre o oeste e o este europeu.
“Nós, com experiência secular de circular pela África, américas e ásias, temos muitas vezes dificuldade em compreender como é que países no centro da Europa têm às vezes dificuldades de compreender os outros e de acolher os outros. Se nós não tivéssemos esta experiência de ter andado pelo mundo como descobridores, colonizadores e emigrantes, teríamos a mesma abertura de espírito de acolher os migrantes”, questionou, considerando que provavelmente Portugal teria “desenvolvido a mesma reação” dos outros.
Programa oficial
A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro português António Costa chegaram ao Porto no final da tarde desta quarta-feira, estacionando junto ao I3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde o Volkswagen T-Roc produzido na fábrica da Autoeuropa (Palmela) que os transportou desde Braga, onde visitaram a Bosch.
Na zona universitária portuense, onde era visível um grande perímetro de segurança policial, os dois chefes do executivo foram recebidos pelo reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, que os apresentou aos presidentes dos três institutos agregados no I3S: Sobrinho Simões, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), Cláudio Sunkel, do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e Fernando Jorge Monteiro, do Instituto de Engenharia Biomédica (INEB).
Merkel, Costa e uma comitiva restrita visitaram dois laboratórios e a uma plataforma científica do I3S, o Bioengineered 3D Microenvironments, que trabalha na interface entre a bioengenharia e a biomedicina; o Nanomedicines & Translational Drug Delivery, centrado no desenvolvimento de sistemas de entrega de fármacos, recorrendo em particular à nanotecnologia; e a Bioimaging, que visa promover o avanço, melhoramento, integração e utilização de soluções no domínio da bioimagem.
O instituto de investigação português na área das Ciências da Saúde foi criado para estreitar relações e sinergias entre o IBMC, o INEB e o IPATIMUP. A colaboração entre os três laboratórios foi oficializada em 2003, com um protocolo de cooperação, o I3S efetivou-se como consórcio em 2014 e, em 2015, as equipes transferiram-se para o novo edifício, num investimento que ascendeu aos 21,5 milhões de euros.
Com 20 milhões de euros de orçamento anual, o I3S tem três grandes linhas de investigação (câncer, Interação e Resposta do Hospedeiro e Neurobiologia e Doenças Neurológicas), reunindo mais de 900 pessoas por 64 grupos de investigação.
Depois deste primeiro dia de visita oficial a Portugal, a chanceler é, na quinta-feira, recebida em Lisboa, ao início da manhã, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém.