Da Redação com Lusa
Na sexta-feira, o primeiro-ministro assegurou a participação do Estado na resposta à crise da habitação em Portugal, nomeadamente ao mobilizar patrimônio devoluto para construção de casas, mas ressalvou que as obras demoram tempo, porque “a vontade política não tem efeito mágico”.
Na apresentação do projeto vencedor para a construção de 266 habitações públicas para arrendamento acessível na Quinta da Baldaya, na freguesia lisboeta de Benfica, António Costa disse que este é “um exemplo” da intervenção do Estado na política de habitação, porque resulta da mobilização de patrimônio devoluto do Estado, com “um terreno muito grande”, que durante décadas acolheu o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e que “está há muito tempo desativado e está há muito tempo à espera de ocupação”.
“Em boa hora, em setembro passado, foi aberto este concurso de ideias [para um projeto de habitação], mobilizando, precisamente, um terreno que é do Estado para edificar aqui habitação pública que reforce a oferta de habitação”, declarou o chefe do executivo.
O primeiro-ministro afirmou que o Estado está a “responder afirmativamente” à crise da habitação, inclusive com a construção de casas, indicando que este “desafio coletivo” conta, “em grande medida”, com a parceria dos municípios, das cooperativas e do setor privado.
O vencedor do concurso para o novo complexo habitacional na Quinta da Baldaya, foi o projeto apresentado pela empresa do arquiteto Paulo David, mas ainda falta lançar o concurso público para a empreitada.
De acordo com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que é o promotor da intervenção, “o valor estimado da construção é de 43,579 milhões de euros + IVA [Imposto sobre Valor Acrescentado], prevendo-se que o investimento total do IHRU nesta operação, financiada no âmbito do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], seja de cerca de 51,8 milhões de euros, incluindo o valor do terreno”.
Contudo, alertou António Costa, “amanhã não há uma chave disponível para fazer a entrega da habitação”, já que a construção de casas requer tempo, nomeadamente para a escolha do empreiteiro, o visto do Tribunal de Contas, a assinatura do contrato e a execução da obra.
“O tempo é algo que a vontade política não elimina. Há a ideia de que a vontade política tem efeito mágico, [mas] não tem. A vontade política só permite iniciar o mais depressa possível”, acautelou.
Considerando que a apresentação do projeto vencedor para a construção de 266 habitação na Quinta da Baldaya é “um passo importante”, o primeiro-ministro reforçou que “há muitos passos” até à atribuição das casas às famílias e é preciso que todos tenham “consciência destes passos”.
“Se queremos ter uma resposta estruturada ao desafio da habitação, nós vamos ter de dar estes passos”, apontou.
O governante classificou o PRR como “uma oportunidade extraordinária para se poder negociar que, pela primeira vez, fundos comunitários financiassem habitação, porque até agora não financiavam investimentos em habitação”, tendo sido “possível mobilizar 2.700 milhões de euros para executar até 31 de dezembro de 2026 em políticas de habitação”.
Indicando que o calendário do PRR “é mesmo muito apertado”, António Costa referiu que até essa data, final de 2026, é preciso encontrar “outros instrumentos de natureza conjuntural, de natureza provisória, para poder mobilizar todo o parque habitacional disponível para pôr aos serviços das famílias portuguesas, porque isso é uma condição essencial para que todos possam construir a sua vida”.
No seu discurso, o primeiro-ministro fez ainda uma resenha da história da habitação em Portugal, destacando que “o Estado teve políticas muito fortes de habitação pública até ao início deste século para erradicação das barracas”.
“Hoje as novas gerações já não têm a noção do que é que isso significava. Só na cidade de Lisboa foram 23.000 famílias que foram realojadas, que viviam em barracas e que hoje, felizmente, vivem em habitações condignas. Foi um esforço imenso que o Estado fez”, recordou o governante.
A partir desse momento, houve um entendimento de que, entre a queda das taxas de juro que tornava acessível o crédito à habitação e a existência de “um resquício de congelamento de rendas”, que tornava o arrendamento relativamente barato para as famílias, “não havia necessidade de políticas públicas de habitação e, durante décadas, não houve políticas públicas de habitação”, frisou o primeiro-ministro, enaltecendo o trabalho iniciado em 2015 para a construção de uma nova geração de políticas públicas de habitação.
Debate parlamentar
O primeiro-ministro defendeu ainda que o debate parlamentar sobre o conjunto de incentivos fiscais aos proprietários privados no âmbito do programa Mais Habitação, agendado para a próxima semana, “permitirá enriquecer” a iniciativa legislativa do Governo.
“Estou certo de que o debate parlamentar permitirá enriquecer aquilo que foi a iniciativa legislativa do Governo. Contamos já com iniciativas legislativas de outros, de partidos da oposição, que certamente enriquecerão o acervo legislativo que a Assembleia da República virá a aprovar”, declarou António Costa.
Sobre o programa Mais Habitação, apresentado em fevereiro, “há um dos decretos-leis que já está em vigor, outro decreto-lei está para promulgação por parte do senhor Presidente da República e há, finalmente, uma componente essencial, que é aquela que tem um conjunto de incentivos mais fortes para os proprietários privados disponibilizarem e colocarem no mercado as suas habitações, que será discutida na próxima semana na Assembleia da República”.
As medidas que serão discutidas no parlamento dizem respeito a alterações de caráter fiscal e de competências das autarquias locais, em que o Governo apenas pode propor, porque são matérias de decisão exclusiva da Assembleia da República.
António Costa disse que a proposta do Governo pretende “dotar, quer o Estado, quer os municípios, quer as freguesias, de melhores ferramentas”, bem como disponibilizar “maiores incentivos” para que os proprietários privados sintam maior segurança a colocarem as suas casas no mercado de arrendamento.
Nos incentivos aos privados, o governante destacou a garantia do pagamento da renda por parte do Estado, o reforço da efetiva ação de despejo em caso de incumprimento injustificado no pagamento de renda e o incentivo fiscal, em que “a tributação com base no arrendamento acessível será francamente favorável a quem investe” na colocação de casas no mercado de arrendamento.
“O debate não é um debate só de leis. As leis são ferramentas, como outras ferramentas, de que podemos dispor para realizar um objetivo muito claro, e o objetivo é termos uma nova geração de políticas de habitação que responda a duas necessidades, por um lado, assegurar o direito à habitação de todas aquelas famílias carenciadas que não têm condições de aceder à habitação e, em segundo lugar, responder às necessidades da classe média e, em particular, das novas gerações para terem habitação acessível e compatível com os seus rendimentos”, afirmou.
O pacote de medidas proposto pelo Governo para responder à crise da habitação envolve os municípios, tem um custo estimado em 900 milhões de euros e visa responder à crise da habitação com cinco eixos: aumentar a oferta de imóveis utilizados para fins de habitação, simplificar os processos de licenciamento, aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, combater a especulação e proteger as famílias.
Presente na apresentação do projeto para a construção de 266 habitações públicas, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, disse que este é “mais um passo” na concretização do direito à habitação, que exige “um trabalho coletivo”.
“Garantir que a habitação tem hoje um lugar de destaque nas prioridades políticas, na nossa vida coletiva, no nosso território, é efetivamente fundamental, porque é uma necessidade da população. Colocar a habitação a par com a saúde, a par com a educação, nesta perspetiva de que todos têm direito a aceder a uma habitação digna”, salientou.