Por Odair Sene
Mundo Lusíada
Na tarde de 6 de janeiro a comunidade portuguesa de São Paulo, Grande ABC, da Baixada Santista, e principalmente a comunidade caboverdiana radicada nessas localidades, foram pegas de surpresa com uma mensagem divulgada pelo Consulado Geral de Cabo Verde em São Paulo.
A nota de início de ano, não era para os tradicionais votos de ano novo, mas para comunicar a morte repentina do homem que desempenhava, há décadas, suas funções consulares, trabalhando de forma incansável na defesa dos interesses de Cabo Verde e promovendo de forma efetiva as relações com o Brasil.
“É com muito pesar que comunicamos o falecimento, na data de hoje, do Exmo. Senhor Cônsul Geral Honorário de Cabo Verde em São Paulo, Dr. Aguinaldo Paulo da Silva Rocha. O velório será hoje à partir das 21h00 no Cemitério do Araçá – Av. Doutor Arnaldo, 666 – Sumaré. Amanhã, dia 07/01/2012, o corpo segue para o Crematório da Vila Alpina – Av. Francisco Falconi, 437. As cinzas seguirão para Cabo Verde. Terra que ele tanto amou e se dedicou… Sodade…” – encerrava a nota que divulgou de forma oficial a morte de Aguinaldo Rocha, aos 70 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco fulminante em pleno consulado de Cabo Verde.
Sempre muito ligado ao associativismo e, às questões diplomáticas, ao desenvolvimento social e comercial de Cabo Verde, Aguinaldo Rocha frequentava várias associações portuguesas como em São Paulo a Casa de Portugal, a Casa de Portugal do Grande ABC, a Associação Caboverdiana na cidade de Santo André, e seus compatriotas de Santos.
Última entrevista
No último mês de dezembro de 2011, o cônsul Aguinaldo Rocha concedeu sua última entrevista justamente para o Jornal Mundo Lusíada durante evento na Casa de Portugal de São Paulo.
Na ocasião o também empresário destacou o BCN (Banco Caboverdiano de Negócios), instituição financeira fundada (entre outros) por ele que atualmente mantinha uma forte parceria comercial com o Banco Banif.
Além dos negócios ligados à banca, o Mundo Lusíada destacou na entrevista a imagem forte do importador e exportador, empresário ligado ao mercado de supermercados em Cabo Verde e, em São Paulo, Cônsul Geral há cerca de 15 anos. Segundo o próprio Aguinaldo Rocha, essa ligação era histórica, vinha desde a época de sua militância política, quando esteve exilado por uma década na Bélgica. “A independência de Cabo Verde teve minha contribuição enquanto homem exilado durante 10 anos”, disse com orgulho.
Outro assunto pontual captado pela reportagem acabou por render uma outra matéria, na qual o cônsul rasgava elogios ao “amigo” caboverdiano José Augusto do Rosário, pelo trabalho que vem desenvolvendo num Consulado português (o Consulado de Portugal em Santos). José Augusto que o acompanhou durante décadas, sentiu-se envaidecido e orgulhoso pelo reconhecimento.
Depois de vários anos falando ao Mundo Lusíada sobre as questões culturais, econômicas, diplomáticas e empresariais, das relações entre Brasil e Cabo Verde, foi com este conteúdo que o diplomata se despediu de sua comunidade, do Brasil onde trabalhou por décadas e da sua disposição para os negócios. O cônsul deixa esposa, três filhos e uma neta.
O Cidadão
Ex-combatente da liberdade da pátria, Aguinaldo Rocha integrou a luta clandestina na Bélgica, ao lado de António Mascarenhas Monteiro, Humbertona, os doutores Fragoso, o seu irmão Adão Rocha e muitos outros que estiveram nesta frente que foi uma das mais ativas da Europa durante a luta de libertação nacional. Viveu os últimos trinta anos no Brasil, metade dos quais como cônsul de Cabo Verde em São Paulo.
Licenciado em Administração de Empresas pela Universidade Católica de Louvain na Bélgica e empresário entusiasta a nível do comercio externo, Rocha foi também sócio-fundador do Banco Cabo-verdiano de Negócios (BCN) e um grande impulsionador do tecido empresarial cabo-verdiano. Fato que lhe valeu a Medalha de Ordem do Dragoeiro do Estado de Cabo Verde, entregue pelo ex-PR Pedro Pires, devido “ao seu trabalho incansável em prol do desenvolvimento do nosso país”.
Aguinaldo Rocha recebeu ainda várias condecorações de países estrangeiros, caso de Portugal que o outorgou a Ordem de Mérito Infante D. Henrique, e do Brasil – Prêmio Qualidade Brasil e Prêmio Cultura do Estado de São Paulo.
“Nana”, como era mais conhecido na sua terra natal, era natural de São Vicente, filho de uma família numerosa. Com o irmão Adão Rocha, abraçou a luta pela independência de Cabo Verde nos anos sessenta, vivendo exilado na Bélgica, onde se formou em economia.
“A morte deste cabo-verdiano, sem dúvida, que constitui uma importante perda para todos nós. Basta ter em conta o seu papel na aproximação entre Cabo Verde e o Brasil, e o muito que fez para tornar a vida dos cabo-verdianos, em especial os estudantes, mais fácil naquele país irmão.”, publicou o jornal “A Nação”, de Cabo Verde.
O caboverdiano José Augusto do Rosário, gestor do Consulado de Portugal em Santos, divulgou uma nota na qual disse que “a comunidade caboverdiana no Brasil está de luto pela perda deste grande amigo, parceiro, irmão…. que esteja bem onde estiver..”.
José Augusto ainda comunicou que haverá dia 13 sexta feira, na Praia, na sede do MNE, um ato oficial aberto ao público entre 09:00 e 10:00 da manhã, depois seguem para Mindelo onde haverá outro ato oficial às 15:00hs; em local ainda não definido, depois às 16:00hs outro ato na Igreja, dali seguem para o cemitério.
O também caboverdiano radicado no Brasil, Emanuel Almeida, disse que foi “efetivamente uma grande perda. O nosso Aguinaldo “Náná” Rocha incorpora a tenacidade, a solidariedade, a entrega do Homem caboverdiano. Quem teve a oportunidade de o conhecer e conviver com ele em São Paulo, Brasil, pode constatar quão grande foi este homem. A comunidade caboverdiana de Santo André e São Bernardo (São Paulo) e a comunidade estudantil perderam um grande amigo, presente em todas as horas. Que a terra lhe seja leve”, disse.
Ministério das Relações Exteriores chora a perda do eterno “defensor da causa cabo-verdiana”
A sociedade cabo-verdiana vê-se assim privada de uma figura de referência. Empresário há muito radicado no Brasil, após anos de trabalho como funcionário bancário na Bélgica e no Brasil, o que lhe valeu uma rica experiência, Aguinaldo Rocha foi desde sempre um defensor da causa caboverdiana, que soube traduzir de forma inquestionável ao longo da sua vida. No desempenho das suas funções consulares, trabalhou de forma incansável na defesa dos interesses de Cabo Verde promovendo de forma ativa as relações com o Brasil. Na memória de muitos fica a disponibilidade e generosidade que o caracterizaram bem como o apoio prestado a inúmeros estudantes caboverdianos que passaram por São Paulo e não só.
A direção política do Ministério das Relações Exteriores e todos os funcionários, solidarizando-se com a família enlutada neste momento de dor, apresentam as suas mais sentidas condolências e a expressão da sua profunda solidariedade, por tão irreparável perda.
Ministério das Relações Exteriores aos 6 de Janeiro de 2012.
Maky Silva: Existem, por este mundo afora, cabo-verdianos, alguns anónimos e outros mais conhecidos que, de forma genial e heróica, desbravam caminhos, abrem fronteiras e proporcionam com gestos “invisíveis” o desenvolvimento de Cabo Verde. Essas pessoas, têm unicamente com Cabo Verde, um compromisso de gratidão. Gratidão à terra que os viu nascer, crescer, e que um dia os viu partir em busca de melhores condições de vida. Uma dessas pessoas, com certeza, foi o nosso querido amigo e Cônsul Aguinaldo Rocha. Com a sua postura séria, exigia, quando precisávamos de um puxão de orelhas, lá estava ele, transmitindo-nos o seu conhecimento de vida e de estudante que em tempos fora. Dizia-nos sempre que Cabo Verde precisa de nós. Que nós, jovens, que nós somos o futuro deste País Insular. Dizia-nos também que em “Terra D’ Gente”, não poderíamos ser mais um. Queria que fossemos excepcionais! E foi com essa postura, que ele ajudou centenas de cabo-verdianos, apelidando-nos carinhosamente de, “nhas menin”. Por isso, “nhas menin”, permitam-me em vossos nomes endereçar à família enlutada os nossos sentimentos. A tristeza e a dor da perda se estende também a nós, estudantes cabo-verdianos que estudaram e estudam no Brasil, e especialmente os de São Paulo. Cabo Verde perde um grande Homem, um Cônsul comprometido, os estudantes e a comunidade emigrada perdem um amigo. Que a terra lhe seja leve e descanse em Paz, Aguinaldo Rocha.