Da Redação
Com Lusa
O chefe da diplomacia portuguesa afastou a possibilidade de crescimento de “preconceitos anti-imigração”, afirmando que os portugueses reconhecem os “benefícios” das migrações, após o ministro do Interior italiano ter proposto uma união de partidos de extrema-direita europeus, incluindo Portugal.
“Não vejo nenhuma razão para que Portugal possa ser objeto de uma disseminação indesejável de preconceitos anti-imigração”, disse à Lusa Augusto Santos Silva, à margem do Encontro Ciência 2018, que decorre em Lisboa até quarta-feira.
O líder do partido nacionalista de extrema-direita Liga, Matteo Salvini, afirmou este domingo que, depois de alcançado o objetivo de integrar o Governo em Itália, quer criar uma Liga nacionalista europeia em 2019, incluindo Portugal.
“Portugal tem tido um padrão de comportamento do sistema partidário muito estável e bastante bom no que diz respeito a esta questão. Os preconceitos anti-imigração nunca tiveram uma expressão significativa no país e não creio que venham a ter”, comentou Santos Silva.
O ministro dos Negócios Estrangeiros acentuou experiências positivas dos emigrantes portugueses e no acolhimento de imigrantes no país.
“Portugal é um país treinado historicamente na emigração, capaz de perceber os benefícios que traz a todos”, disse, apontando que as comunidades portuguesas no estrangeiro têm “um excelente padrão de integração nas sociedades que as acolhem, sem perder a sua vinculação identitária” ao país de origem.
Além disso, referiu, Portugal assistiu nas últimas décadas ao aumento da imigração, “com a vinda em força de imigrantes de países tão diferentes como a Ucrânia ou o Brasil, a Roménia ou Cabo Verde, e essas comunidades também manifestaram um padrão de integração na nossa sociedade muito bom”.
“Penso numa Liga de Ligas na Europa, que una todos os movimentos livres, orgulhosos e soberanos que querem defender a sua população, as suas fronteiras, as suas fábricas e o bem-estar dos seus filhos”, disse Matteo Salvini, perante apoiantes num encontro anual do partido, Liga.
“Só se as ideias da Liga chegarem a França, Alemanha, Espanha, Polônia, Áustria, Hungria, Dinamarca ou Portugal, esta Europa terá a esperança de existir”, afirmou.
Salvini prosseguiu afirmando que a vitória em Itália foi “só o princípio” de uma corrida que pretende levar a um “nível continental” a partir de 2019, quando se realizam eleições para o Parlamento Europeu.
Essas eleições, prometeu, serão um “referendo à elite, aos bancos, ao mundo da finança, à imigração e à segurança no emprego”.
Cooperação
O ministro ainda defendeu que a cooperação a nível científico “pode e deve ser” promotora de relações baseadas no respeito mútuo entre os países. “A cooperação no âmbito científico pode e deve ser a avenida principal para o desenvolvimento de relações fundadas no respeito mútuo, e no jogo ‘win-win’, de soma positiva, entre Estados, seja no ponto de vista bilateral seja no ponto de vista multilateral”.
O chefe da diplomacia portuguesa deu o exemplo do Air Center, um projeto a ser desenvolvido na ilha Terceira, nos Açores, “que está a ser construído como rede de interações de organizações científicas e tecnológicas em torno dos cruzamentos das problemáticas dos oceanos, do clima, da energia e dos satélites”.
Para Santos Silva, “se o essencial da diplomacia é a negociação, a promoção dos interesses de cada parte e a negociação que resulta do facto de esses interesses terem de ser calibrados com os dos outros, então é cada vez mais claro hoje que um dos espaços mais promissores em que essa concertação se há de fazer, a nível bi ou multilateral, é o espaço da ciência”.
A ciência, prosseguiu, “é hoje um auxiliar precioso e necessário, indispensável, ao progresso da comunidade internacional no acautelar de bens que nos são comuns e na solução coletiva para problemas que são coletivos”.
“Mesmo que seja necessário recordar de vez em quando o que eu chamaria de alguma incapacidade de compreender o óbvio em algumas das lideranças mundiais, é preciso mobilizar todos os recursos científicos”, disse, numa alusão à administração norte-americana, liderada por Donald Trump, que rejeita o conceito de alterações climáticas e que determinou a saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima.
O ministro defendeu que se se olhar “coletivamente para a agenda do clima”, seja no âmbito da União Europeia, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP] ou do sistema das Nações Unidas, “quanto mais ciência incorporarmos, melhor conseguiremos encarar esse problema, não só na sua identificação como na construção de respostas possíveis para a sua mitigação, a sua remediação ou a sua solução”.
Santos Silva referiu que as alterações climáticas explicam, por exemplo, conflitos que se observam hoje em países como a Nigéria, que opõem “pessoas cujo modo de vida é sedentário e agrícola e grupos cujo modo de vida é nómada”, dado o seu “impacto brutal sobre as condições materiais de vida” das populações.
Da mesma forma, sustentou, que “é preciso conhecimento científico para se perceber” que as “migrações desreguladas” também estão relacionadas com “a necessidade premente e básica de populações de fugirem às consequências extremas das alterações climáticas”.
“Se queremos encontrar um futuro comum para a nossa humanidade, temos de ter bem presente que, no essencial da nossa agenda comum, os temas que exigem a mobilização da ciência (…) são temas absolutamente cruciais, do espaço ao clima, do combate à fome ao combate às desigualdades, da capacitação às questões das novas ameaças à segurança”, considerou.