Da Redação
Com Lusa
O ministro português dos Negócios Estrangeiros português sublinhou que os migrantes são “seres humanos com direito à dignidade e não são carga humana que alguém possa alijar”, repudiando palavras do vice-Presidente italiano, Matteo Salvini.
“Os migrantes, sejam legais ou ilegais, são seres humanos dotados de dignidade e de direitos e não são carga humana que alguém possa alijar. Estou a citar e a comentar infelizes declarações infelizmente proferidas por um membro de um Governo de um país tão importante para a União Europeia como é a Itália”, disse Augusto Santos Silva, durante uma audição parlamentar na comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
Em junho, o ministro do Interior e vice-Presidente italiano, Matteo Salvini, recusou a entrada em Itália de um barco da organização alemão Lifeline, com 226 migrantes a bordo, afirmando: “Esse barco não vai tocar solo italiano. As ONG que levem toda a carga de seres humanos para Gibraltar, Espanha, França ou para onde eles quiserem”.
Santos Silva falava a propósito da eleição do português António Vitorino como diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), na sexta-feira passada, que considerou “reforçar a posição portuguesa sobre as migrações”.
“O que o programa da candidatura dizia era cristalino; não admitia nenhuma leitura outra e partia destes princípios básicos: as migrações são um facto histórico e um processo social que ninguém consegue travar por medidas de natureza administrativa e são um facto histórico positivo que tem contribuído para o desenvolvimento da humanidade”.
Durante a audição, todos os grupos parlamentares abordaram o tema das migrações e lamentaram a falta de decisões no Conselho Europeu da semana passada.
Pelo Bloco de Esquerda, Maria Manuel Rola considerou que Portugal “ajuda a fortalecer a posição da extrema-direita e enfraquece os já escassos direitos dos refugiados que têm vindo a morrer no Mar Mediterrâneo”, afirmando que a posição portuguesa é “vergonhosa e mais uma vez deita para trás das costas a solidariedade”.
“Era preciso coragem política e esta mais uma vez faltou”, disse.
Uma posição rejeitada pelo chefe da diplomacia portuguesa: “Senhora deputada, com mil perdões, eu não posso deixar passar em claro as suas afirmações nem admito que diga que a nossa posição é vergonhosa ou que branqueamos seja o que for”.
“O Governo do seu país é um dos mais empenhados em construir uma resposta europeia e nacional aos refugiados e não é apenas da boca para fora. Falo em atos”, disse, exemplificando que Portugal ofereceu “mais vagas para acolhimento de refugiados” do que as que competiriam pelas quotas e integrou “1.552 indivíduos nos esquemas de recolocação e 142 refugiados nos sistemas de recolocação”.
Em resposta ao líder parlamentar do PCP, João Oliveira, que notou que a posição portuguesa sobre migrações “é reconhecida”, mas que os resultados do Conselho Europeu “vão no sentido oposto”, Santos Silva disse concordar que a reunião de líderes europeus da semana passada ficou marcada pela “falta de ambição das conclusões”.
O ministro comentou que há hoje uma “enorme crispação ou divergência profunda, não apenas sobre políticas mas sobre concepções éticas do que é a dignidade humana”, que “fraturam a Europa”.
Repetindo a expressão do primeiro-ministro, António Costa, de que o Conselho Europeu “foi horrível”, Santos Silva comentou: “É horrível quando a gente compreende que aquilo que dá por garantido na Europa, nós comungarmos dos mesmos valores e princípios, está posto em causa”.
Portugal entende que “há obrigação indeclinável de salvar pessoas que se encontrem em perigo no mar”, disse, sustentando que atualmente “há muita gente a violar o direito marítimo internacional no Mar Mediterrâneo, há cumplicidades objetivas, as mais inesperadas”. Além disso, sublinhou, “acolher refugiados é uma obrigação legal”.
Santos Silva discordou ainda da posição do CDS, que através de João Gonçalves Pereira considerou que o Conselho Europeu teve um “resultado desastroso”. “Um resultado desastroso no Conselho Europeu teria sido não haver acordo. (…) A inexistência de conclusões poria em causa o Governo alemão e o trabalho conjunto entre vários países, incluindo Portugal”, afirmou.
Pelo PSD, Ângela Guerra considerou que o Conselho Europeu teve “conclusões positivas, mas curtas”.
Acolhimentos em Portugal
Dois inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras já estão em Malta a tratar de “todos os procedimentos”, nomeadamente entrevistas, relacionadas com o acolhimento em Portugal dos imigrantes resgatados pelo navio humanitário Lifeline.
O SEF indica igualmente que está “a preparar e articular toda a logística envolvida na transferência” dos imigrantes, de acordo com a disponibilidade manifestada pelos governos de Portugal e Malta.
Ainda não se conhece quantos imigrantes vão ser acolhidos por Portugal, nem para quando está prevista a sua chegada.
Na semana passada, o ministro da Administração Interna afirmou que Portugal tem condições para acolher cerca de um décimo dos 234 imigrantes que foram resgatados pelo navio humanitário da organização não-governamental alemã Lifeline.
“O número de pessoas que efetivamente virão para Portugal dependerá também do conjunto de países envolvidos. Portugal disse que tinha condições para acolher cerca de um décimo dessas pessoas sem qualquer dificuldade e de imediato”, disse na altura Eduardo Cabrita.
O Lifeline, que chegou a Malta a 27 de junho, resgatou das águas 234 migrante e foi autorizado a atracar neste país após seis dias em alto mar, depois de ser negada autorização por parte de Itália, após um acordo com oito países europeus, entre os quais Portugal, aos quais se juntou depois a Noruega, para recolocar os migrantes.
Segundo as últimas informações avançadas pelo ministro da Administração Interna português, dos 234 passageiros a bordo, 70 são menores não acompanhados e as nacionalidades mais presentes são da Eritreia, Sudão, Mali e Togo.