Da Redação
Com Lusa
O escritor moçambicano Mia Couto, que ganhou em 27 de maio o Prêmio Camões, assegurou que a distinção não o vai desviar do seu novo romance, sobre Gungunhana, personagem histórico de Moçambique.
“O prêmio não me desvia. Estou a escrever uma coisa que já vai há algum tempo, um ano, mais ou menos, e é sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, digamos assim, o Gungunhana, que foi preso pelo Mouzinho de Albuquerque, depois foi reconduzido para Portugal e acabou por morrer nos Açores”, disse à agência Lusa Mia Couto.
“Há naquela figura uma espécie de tragédia à volta desse herói, que foi mais inventado do que real, e que me apetece retratar”, sublinhou.
Em fevereiro, numa entrevista à Lusa, Mia Couto já tinha avançado que está a escrever um romance que abordará “as construções mitológicas sobre o império de Gaza”, que se localizou no sul de Moçambique, em que pretende questionar o personagem de Gungunhana.
“Há pinturas que são feitas (à volta da figura do imperador Gungunhana) e a pergunta é essa: quem era esse verdadeiro personagem do Gungunhana?”, explicava na altura, sem apontar ainda para a data de conclusão da obra.
“A grande preocupação que eu tenho é mostrar que essa História, a grande História com H maiúsculo, a história oficial de um país é sempre construída – não só no nosso caso, em todos os casos do mundo – a partir de pequenas mentiras, pequenas ilusões. A necessidade de fabricarmos grandes heróis, personagens que estão acima de um humano tem que ser de alguma maneira desconstruída”, afirmou.
As proezas de Gungunhana já tinham sido narradas em livro, em 1987, pelo escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa num romance intitulado “Ualalapi”, que, em seis episódios, narra os excessos daquele líder após assumir o trono do império de Gaza, substituindo o seu irmão.
“O ‘Ualalapi’ foi um grande livro inspirador para este mesmo livro. Esta desconstrução da imagem que foi construída ideologicamente do Gungunhana, quer dizer, é muito curioso, porque a personagem Gungunhana é reconstruída do ponto da elaboração mítica, tanto pelos portugueses como por nós, moçambicanos”, afirmou Mia Couto.
O júri da 25ª edição decidiu premiar Mia Couto pela “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e pela profunda humanidade”.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, disse à Lusa José Carlos Vasconcelos, membro do júri.
O Prêmio Camões foi criado por Portugal e pelo Brasil e é a segunda vez que é escolhido um escritor de Moçambique, depois de José Craveirinha, em 1991.