Da Redação
Com Lusa
O ex-primeiro-ministro José Sócrates prestou uma última homenagem a Mário Soares no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, classificando o antigo Presidente como um político “absolutamente extraordinário”.
Sócrates esteve junto dos restos mortais do antigo Presidente da República cerca das 17:00, lembrando depois o percurso político e a vida de Mário Soares, que foi “inspiradora e motivadora” para os dirigentes do PS e “para todos os políticos em Portugal”.
“A biografia política de Mário Soares vive para a história, foi talvez o político mais carismático do século XX, que se bateu em primeiro lugar contra a ditadura e foi capaz depois do 25 de Abril de ter encarnado o crisma da reconciliação”, disse José Sócrates aos jornalistas.
Hoje, acrescentou emocionado, o que se pode celebrar e honrar “é a memória de um homem que foi absolutamente extraordinário na vida política portuguesa”.
Sócrates lembrou também Mário Soares como o homem que esteve a seu lado nos últimos tempos, como “um grande companheiro e amigo” por quem tem um “carinho e um amor fraternal”. Um homem, disse também, de grande coragem, firmeza e convicção, que nunca pretendeu agradar a todos, que foi otimista e que travou batalhas sozinho, com base apenas na sua vontade.
“Acho que o país olha para o desaparecimento de Mário Soares como se desaparecesse parte de nós, um sentimento de perda não apenas dos socialistas. Mas deixa uma cultura dentro do PS, formou este partido com base na sua coragem e ambição”, disse.
Poucos minutos antes, o ex-ministro do Governo de José Sócrates, Pedro Silva Pereira, disse aos jornalistas que “o país hoje exprime sobretudo uma imensa gratidão ao doutor Mário Soares, pelo seu combate, pelos seus sacrifícios, pelas suas lutas, pelos seus trabalhos, pelos seus cuidados”, considerando que “é um patrimônio que nós devemos preservar”.
História
O fundador do PS estava internado desde o dia 13 de dezembro em estado crítico, em coma profundo.
O Partido Socialista considerou que “Portugal perdeu hoje o pai da Liberdade e da Democracia, a personalidade e o rosto que os portugueses mais identificam com o regime nascido a 25 de abril de 1974”.
Com o desaparecimento de Mário Soares, o PS salienta, numa declaração publicada na sua página oficial, que “acaba de sofrer a maior das perdas imagináveis, a sua maior referência, o fundador e militante número 1, figura maior e indelével do socialismo democrático português e europeu”.
“Este é um momento de profunda dor para todos os socialistas, que sabemos partilhada por tantos e tantos portugueses, que reconhecem em Mário soares uma figura maior da nossa democracia”, diz o partido com sede no Largo do Rato (em Lisboa).
Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu em Lisboa, em 07 de dezembro de 1924, filho de Elisa Nobre Baptista e do ex-padre João Lopes Soares, dono do Colégio Moderno e que foi ministro das Colónias na I República.
Em 1943, aos 19 anos, em plena ditadura de Oliveira Salazar, Soares adere na clandestinidade ao Partido Comunista Português (PCP). Foi criado o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), em cujas atividades clandestinas Mário Soares se envolveu. Depois de um ano, ascende à direção acadêmica das Juventudes Comunistas de Lisboa.
Em 1945, num sinal de aparente abertura do regime, na sequência da derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, Salazar tolera inicialmente a constituição do Movimento de Unidade Democrática (MUD), herdeiro do MUNAF. O jovem Mário Alberto chega a presidir ao MUD Juvenil.
Com Francisco Ramos e Costa e Manuel Tito de Morais, Soares funda em 1964 a Acção Socialista Portuguesa (ASP), que vai estar na gênese do Partido Socialista (PS), em 1973. Em Paris, ingressa na Maçonaria, através da “Grande Loge de France”, e pede apoio para instaurar um regime democrático em Portugal.
Já em 1973 participa ativamente na fundação do PS, em Bad Münstereifel, na então República Federal Alemã, sendo eleito secretário-geral, cargo que exerceu durante 13 anos. Em 28 de abril de 1974, com a Revolução do 25 de Abril, desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), regressa de comboio do exílio em Paris. Dois dias depois, marca presença no aeroporto de Lisboa à chegada do líder comunista Álvaro Cunhal, exilado em Praga.
Como ministro dos Negócios Estrangeiros nos dois primeiros governos provisórios, participa no processo de independência das colónias portuguesas.
Em 1975 os socialistas vencem as primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte. O líder do PS e agora ministro sem pasta entra em divergência total com o PCP e com o primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, sobre a evolução do regime democrático em Portugal, abandonando o IV Governo Provisório. Mário Soares demarca-se do Processo Revolucionário em Curso (PREC), que, com o seu apoio, seria derrotado em 25 de novembro pelo movimento militar chefiado pelo então tenente-coronel António Ramalho Eanes.
Em 1976 o PS apoia a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da Republica. Vence também as primeiras eleições legislativas e Mário Soares forma o I Governo Constitucional. Primeiro-ministro dos I e II governos constitucionais (1976 a 1978), o primeiro com maioria relativa e o segundo em coligação com o CDS de Freitas do Amaral.
No ano seguinte dá início ao processo de adesão de Portugal à Comunidade Econômica Europeia (CEE). E Ramalho Eanes é reeleito em 1980 Presidente da República, mas Soares demarca-se do apoio formal do PS à recandidatura do general e autossuspende-se do cargo de secretário-geral.
Com uma moção intitulada “Novo Rumo para o PS”, Soares derrota em 1981 em congresso o grupo do ex-Secretariado, que antes estivera na primeira linha do apoio à recandidatura do general Ramalho e que era formado por figuras como Salgado Zenha, António Guterres, Jorge Sampaio e Vítor Constâncio.
Na oposição até 1983, chega a acordo com a Aliança Democrática (PSD/CDS/PPM) e concretiza a primeira revisão da Constituição, que consagra o caráter civilista do regime.
Em 1985 o PS sofre a maior derrota da sua história em eleições legislativas, com apenas 21% dos votos. Mas no ano seguinte Mário Soares é eleito Presidente da República na segunda volta do sufrágio, com apoio da esquerda, incluindo o PCP, e derrota o candidato apoiado pelo PSD e CDS, Freitas do Amaral. Na primeira volta teve uma disputa cerrada à esquerda com o antigo dirigente socialista Salgado Zenha e com a independente Maria de Lurdes Pintassilgo.
Nas presidenciais, de 1991 Soares é reeleito para um segundo mandato na chefia do Estado, com apoio dos socialistas e também do PSD. Derrota logo à primeira volta Basílio Horta, um fundador do CDS, e obtém a maior votação de sempre nestas eleições: 70,35% dos votos.
Mario Soares deixa o cargo de Presidente da República a 09 de março de 1996, depois de cumprir dois mandatos, e é substituído pelo também socialista Jorge Sampaio. Somente em 2004, num jantar para assinalar os seus 80 anos, proclama o seu afastamento total da vida política: “De política, sinceramente vos digo: basta!”.
Porém em 2006 avança com uma terceira candidatura à Presidência, numa eleição também disputada pelo seu camarada socialista Manuel Alegre que seria vencida por Cavaco Silva à primeira volta. Soares obtém 14,31% e fica em terceiro lugar, atrás de Alegre.
O Governo socialista chefiado por José Sócrates nomeia Mário Soares para presidir à Comissão de Liberdade Religiosa em 2007. E no ano seguinte Sorares critica a política de privatizações do Governo de Sócrates, defende que o PS deve estar mais à esquerda e assume Barack Obama como referência internacional.
Nas presidenciais de 2011 não declara apoio a nenhum dos candidatos em que Cavaco Silva é reeleito, de novo à primeira volta, com o PS a apoiar a candidatura de Manuel Alegre. Encabeça o manifesto “Novo Rumo”, que apela “à mobilização dos cidadãos que se reveem na justiça social e no aprofundamento democrático” contra a crise.
Com Portugal sob resgate financeiro, promove duas conferências contra a austeridade e em defesa da Constituição, juntando forças políticas em 2013 e movimentos sociais que contestavam o Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho. Com intermediação do então líder do PS, António José Seguro, Mário Soares reata relações pessoais com Manuel Alegre, após sete anos de afastamento.
Nas eleições primárias de 2014 para a liderança do PS, apoia a candidatura vitoriosa de António Costa contra António José Seguro. José Sócrates é preso em 21 de novembro, suspeito dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. “Estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar”, afirma Mário Soares, após visitar o amigo no Estabelecimento Prisional de Évora.
Em 07 de julho de 2015, morre Maria Barroso, com quem estava casado há 66 anos. E em 2016, com o seu estado de saúde já debilitado, o fundador do PS é alvo de várias homenagens institucionais, recebendo em abril o diploma de deputado constituinte honorário e a chave da cidade de Lisboa. Em São Bento, em julho, o primeiro-ministro, António Costa, homenageia o I Governo Constitucional liderado por Mário Soares.
A última vez em que participa numa cerimônia pública aconteceu a 28 de setembro de 2016, quando o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, homenageia a antiga presidente da Cruz Vermelha Maria de Jesus Barroso.
Mário Soares, que morreu aos 92 anos, desempenhou os mais altos cargos no país e a sua vida confunde-se com a própria história da democracia portuguesa: combateu a ditadura, foi fundador do PS e Presidente da República.