Manifestação e concentração promovidas por brasileiros, ativistas feministas, pessoas que integram o movimento Contra Temer com o objetivo de prestar homenagem a Marielle Franco e denunciar a violência policial, realizada em Lisboa, 19 de março de 2018. MIGUEL A. LOPES/LUSA
Mundo Lusíada
Com Lusa
Na segunda-feira, 19 de março, cerca de 500 pessoas concentraram-se na praça Luís de Camões, Lisboa, para protestarem contra o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, ativista dos Direitos Humanos que consideram ter sido “silenciada pelo Governo Temer”.
Em 14 de março, Marielle, de 38 anos, foi morta na saída de uma favela do Rio, com quatro tiros na cabeça, com balas da Polícia Militar, cujos excessos ela diariamente denunciava desde que o Presidente, Michel Temer, ordenou uma intervenção do Exército.
“Não acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”, “Fora Temer!”, “Golpistas, fascistas – não passarão!”, “Racistas, machistas – não passarão!” e “Importam vidas pretas!” foram algumas das palavras de ordem repetidas pela multidão concentrada junto à estátua de Camões, onde o Coletivo Andorinha – Frente Democrática Brasileira de Lisboa, um dos movimentos que convocaram o protesto, afixou um enorme retrato de Marielle.
Em baixo, lia-se “Marielle presente”, um mote da manifestação, ao qual os participantes respondiam “Hoje e sempre!”, e depois também “Anderson presente! Hoje e sempre!” (Anderson era o nome do motorista que conduzia a viatura onde Marielle seguia e que foi também morreu no local).
Para Ana Caroline Santos, do Coletivo Andorinha, a importância da concentração é que haja “uma solidariedade internacional perante o que acontece no Brasil, [porque] o assassínio de duas pessoas, sendo uma delas uma mulher negra, política, defensora dos direitos humanos, é algo que mostra para o mundo o que, de fato, está acontecendo no Brasil”.
“Os assassínios de Marielle e de Anderson são oriundos da violência que acontece hoje no Brasil, mas foram assassínios diferenciados: Marielle foi silenciada, assim como milhares e milhares de mulheres e homens, pessoas que lutam desde 2016 contra a derrocada da democracia no Brasil”, sublinhou.
Segundo a ativista, “conjugaram-se várias opressões: de raça, de classe, de gênero e da falta de democracia”.
A intervenção militar no Rio de Janeiro “demonstrou que são vários os cenários” possíveis daqui para a frente no Brasil “e que, inclusive, um deles é não haver eleição presidencial em 2018”, comentou Ana Caroline Santos.
“Temos várias coisas a acontecer e a conjuntura muda muito rápido no Brasil, mas isto demonstrou, com certeza, a necessidade de se discutir a participação política para além de eleições”, acrescentou a ativista, expressando o desejo de que “esta e outras manifestações que estão a realizar-se” contribuam “para um cenário de mudança”, num país dividido entre quem “está a ir para a rua para exigir democracia” e “quem acha que quem defende Direitos Humanos é quem defende os bandidos”.
Houve muitos discursos ao megafone, não só de figuras políticas, como as deputadas socialista Isabel Moreira e comunista Rita Rato e da bloquista Joana Mortágua, e figuras da cultura, como as atrizes Maria João Luís e Marina Albuquerque, e de imigrantes brasileiros em Portugal, cujo denominador comum foi a necessidade de transformar “o luto em luta”.
Em Braga
No mesmo dia, o nome da vereadora brasileira assassinada “por ser preta, mulher, lésbica, favelada” e “ousar ocupar o lugar das elites” também estava na “bandeira” da luta pelos direitos humanos, defenderam cerca de 50 manifestantes em Braga.
O frio do início da noite não afastou o grupo que com cartazes, faixas e lágrimas lembrou a “cidadã, mãe, ativista e excepcional” mulher de 38 anos que, defenderam, foi vítima de um assassinato político no Rio.
“Nove, foram nove tiros. Atingiram a mulher, a democracia, os direitos humanos e o sonho de um país livre”, explicou à Lusa Márcio Sales, ativista brasileiro que está a tirar o mestrado em Portugal.
O regresso do fascismo, da ditadura é um dos medos do estudante brasileiro: “Foi um assassinato político. Isso é óbvio. Mais significativo ainda porque ocorreu um dia após ela ter denunciado os assassinatos no morro e fazendo ela parte de uma parte da câmara que investigava a intervenção militar no Rio de janeiro”, afirmou.
Para Márcio, “quando se mata alguém dos direitos humanos, que no dia anterior denunciou os abusos da polícia militar é muito mais do que isso, é querer calar toda uma sociedade”.
Deste lado do oceano, o estudante, que se assumiu como “ativista, democrata, sonhador e lutador”, vê no Brasil um país à deriva. “Vejo terrivelmente péssimo, não consigo ver luz no fundo do túnel após o golpe, existiu um golpe [referindo-se à destituição de Dilma Rousseff], há o regresso da escravidão, a Central de leis trabalhistas está a ser mudada e desde esse momento, em que se tiram direitos aos trabalhadores, volta a escravidão”, lamentou.
Ainda assim, “apesar do medo”, Márcio quer voltar à Pátria.
“Volto em junho, tenho lá trabalhos sociais com moradores de rua e reabilitação de viciados. Volto correndo em junho porque acredito que fugir não é a solução”, disse.
Na última semana, o caso que teve repercussão internacional chegou a ser citado no Parlamento Europeu, quando deputados de partido espanhol pediram a suspensão das negociações do bloco com o Mercosul até o término das investigações.