Mundo Lusíada Com Lusa
Mais de duas centenas de pessoas concentraram-se em Lisboa contra a presença em Portugal da líder da União Nacional francesa, Marine Le Pen, e na defesa da luta contra o fascismo e o racismo, neste domingo.
A concentração contra a presença da líder francesa em Lisboa, para o lançamento da campanha eleitoral do candidato presidencial do partido Chega, André Ventura, começou no Largo Camões.
O cartaz de João Jorge dizia apenas “Fratelli Tutti” (“Todos irmãos”). O jovem católico de 28 anos não pertence a qualquer das muitas organizações envolvidas no protesto contra a “recepção antifascista a Marine Le Pen”. À Lusa, contou que hoje foi a primeira vez que participou numa manifestação, porque agora “a democracia está em perigo”.
João foi um dos mais de 200 participantes no protesto convocado pela Rede Unitária Antifascista (RUA), que juntou organizações antifascistas, antirracistas, de defesa dos direitos laborais, ecologistas, feministas e pelos direitos LGBTQIA+.
“Está em perigo o desmoronar de um progresso civilizacional que é a democracia, que tem os seus defeitos, mas é o cúmulo da civilização”, alertou João Jorge, que participou na manifestação ao lado da mulher, Cátia Tuna, que também se estreou hoje em protestos de rua.
“Existe meia dúzia de oportunistas que podem pôr em causa aquilo que de bom tanto custou a tantas vidas construir. Melhor do que isto não temos. Esses senhores são oportunistas e é uma vergonha”, alertou, referindo-se a André Ventura e aos simpatizantes do partido Chega.
O jovem admitiu sentir “vergonha enquanto cristão” por existirem em Portugal “correntes de cristianismo contrárias ao próprio evangelho e que defendem exatamente o seu contrário”.
Lembrando a mensagem do papa Francisco que pede que o amor ultrapasse “as barreiras da geografia e do espaço”, João Jorge escolheu a simplicidade do título da Enciclíca do Papa – “Fratelli Tutti” – para o seu cartaz.
Cátia Tuna acrescentou que “Ventura e Le Pen estão a estragar aquilo que demorou muito tempo a construir, que é a democracia e a liberdade”.
“A razão que nos traz aqui tem uma dupla vertente: porque somos cristãos, e porque somos contra o autoritarismo e o nacionalismo”, explicou.
Por outras palavras, Danilo Moreira, da Rede Unitária Antifascista, corroborou a ideia do casal: “Ficamos indignados com a presença de Le Pen e não podemos ficar em silêncio”.
“Achamos inadmissíveis os discursos de ódio perpetuados de André Ventura e pelo próprio partido de Le Pen”, acrescentou Danilo Moreira, em declarações à Lusa, lembrando que “os direitos humanos de todos estão postos em casa”.
Em risco estão também os direitos laborais, acrescentou, lembrando que “quem tem acompanhado os grupos de extrema-direita vê que tentam erradicar todos os direitos dos trabalhadores”.
Durante toda a manhã ouviram-se palavras de ordem e entoaram-se cânticos defendendo que “o país não permanecerá em silêncio face ao desfile da intolerância”.
Os manifestantes prometeram continuar a lutar por uma “sociedade livre de racismo e xenofobia, intolerância, discriminação, sexismo, homofobia e desigualdade”.
O protesto foi pacífico e tentou respeitar as regras de segurança sanitária devido à pandemia de covid-19. O uso de máscara era generalizado, mas nem sempre se cumpriu o distanciamento físico.
No manifesto escrito para o protesto de hoje recordou-se a frase de André Ventura em declarações ao Jornal de Notícias: “Será um orgulho enorme ter a Marine Le Pen ao meu lado em Lisboa”.
Os manifestantes recordaram declarações da líder da Frente Nacional, “a cara da extrema-direita francesa” e de um partido que tem como “prática comum” atacar imigrantes, refugiados e pessoas de várias raças.
Durante o protesto foi também recordado o ataque perpetrado pelo partido de Le Pen, em 2015, a um clube português no sudeste de Paris, com frases como “Morte aos portugueses. Viva a FN”.
Os protestantes criticaram ainda que o Chega use a campanha presidencial “para dar mais alcance aos seus ideais fascistas”.
“Impedir a normalização dos discursos populistas e fascistas que se aproveitam das desigualdades e do preconceito para enganar milhares de pessoas, virando trabalhadores contra trabalhadores”, foi outro dos motivos do protesto, onde a frase mais ouvida foi “Fascismo nunca mais. Não passarão”.
Campanha
A campanha eleitoral para a Presidência da República arrancou hoje e as eleições decorrem em 24 de janeiro.
A única ação do primeiro dia oficial de campanha presidencial do líder do Chega, um comício em Serpa, foi marcada por insultos ao candidato e protestos veementes por parte de populares, a maioria de etnia cigana.
O deputado único do recém-formado partido da extrema-direita parlamentar tem visado esta comunidade étnica várias vezes, chegando mesmo a sugerir um confinamento específico destes cidadãos portugueses durante a pandemia de covid-19.
À porta do cineteatro de Serpa, cerca de 50 pessoas empunharam cartazes, gritaram palavras de ordem e recorreram a buzinas para expressar o seu desacordo com as ideias defendidas por Ventura.
“Alentejo, terra da Liberdade”, “Não queremos RSI (Rendimento Social de Inserção), mas trabalho”, “Facho!” ou “Zeca, obrigaram-me a vir para a rua” foram algumas das inscrições nas tarjas e cartazes improvisados.
A guardar a distância de segurança, antes da chegada do dirigente nacional-populista, estão cerca de dezena e meia de agentes da Guarda Nacional Republicana.
Segundo a mandatária regional da candidatura de Ventura, houve ameaças através de redes sociais na véspera, além de a autarquia, dirigida pela CDU (PCP e “Os Verdes”), ter autorizado a pequena manifestação, que contava com uma aparelhagem sonora a transmitir canções de intervenção.
“Ele é muito racista e anda fazendo racismo contra os ciganos. Os ciganos não gostam disso. Os meus pais não o suportam, falam muito mal dele, é um Hitler!”, disse à agência Lusa o pequeno Nicodemos, 12 anos, ladeado pelo irmão Netaniel, de 11, ambos do outro lado da rua, em frente ao cineteatro.