Manifestações, black blocs e a insatisfação que vem à tona

Ainda dentro do primeiro semestre deste ano o país foi sacudido por uma série de grandes manifestações. Elas começaram com o questionamento dos aumentos das tarifas de transportes nas capitais junto com os protestos pela baixa qualidade apresentada pelos serviços. E, crescendo, acabou por acumular uma série de outras insatisfações. A cada ocasião se avolumava, recebia mais e mais adeptos, pessoas cansadas do dia a dia cheio de dificuldades.  Pela amplitude das reclamações, parte da imprensa passou a chamar as manifestações de ‘Marcha Contra Tudo’.  Criticavam desde a corrupção até a inflação, passando pela inadequada realização da Copa do Mundo e seus gastos, sem contar a péssima qualidade da saúde e da educação públicas, entre outros casos. Eram reivindicações justas e dentro da ordem legal constituída. Mas, um aspecto outro foi também chamando a atenção. A violência como forma de expressão por alguns.

Boa parte das vezes, após as caminhadas e gritos de ordem da maioria, indivíduos presentes nas aglomerações começavam ações definidas pelos jornais como ‘vandalismo puro’ ou ‘anarquismo’. Foram flagrados atacando com violência ‘símbolos do capitalismo’, como bancos e agências de automóveis instalados nas avenidas e ruas das passeatas. Acusações apontavam como estopim a abordagem da Polícia Militar – PM sobre os manifestantes, que teriam passado a reagir. O fato é que a pancadaria tornou-se freqüente na maior parte das vezes. E os protagonistas passaram a ser identificados como pertencentes ao ‘Black Blocs’, irados com o sistema que, segundo eles, é o maior produtor de violência, porque o faz diariamente contra milhões de pessoas.

Segundo palavras de alguns de seus membros: “- não somos manifestantes; somos ativistas e agimos fazendo intervenções diretas contra os mecanismos de opressão; as ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas”, conforme relato à Revista Fórum. “Fazemos aquilo que as pessoas não têm coragem de fazer”. Eles, que se vestem de preto, se mascaram e marcam suas ações através do Facebook ou tweeter não são uma organização. São uma forma de agir. São procedimentos e táticas, usados em defesa ou ataque, dentro de manifestações públicas. Apareceram na Alemanha dos anos 1980, envolvendo desgostosos com o sistema, com anarquistas, comunistas e independentes. Estão espalhados pelo Brasil, mas com forte presença no Sudeste.

No Rio de Janeiro, onde se calcula que os Black Blocs tenham 20 mil simpatizantes, essas manifestações não deram trégua ao longo dos meses. Toda semana há encontros e, geralmente, quebra-quebra, além dos confrontos com a PM. Em São Paulo as manifestações também continuam com freqüência. Dia 18 de outubro, um laboratório de pesquisa cientifica em São Roque, o Instituto Royal, foi invadido por protestantes que acusavam a entidade de maus tratos contra animais, mais especificamente, cães beagle, coelhos e ratos de laboratório. Invadiram o espaço e retiraram 178 animais. Black Blocs e ambientalistas agiram no local. Os proprietários acusaram de saques e depredação do patrimônio. A Câmara dos Deputados em Brasília debateu o tema, devido a repercussão. Há pouco, estiveram questionando o aumento do IPTU. E por aí vai. Há uma tensão grande no ar. E cada vez mais eles vão se destacando.

No último dia 27, pesquisa Datafolha revelou que 95% dos paulistanos desaprovam a atuação dos black blocs. A sondagem foi feita com 690 pessoas. Conforme o jornal, quanto maior a faixa etária, maior a reprovação aos métodos deles. Assim, se 87% dos jovens de 16 a 24 anos os desaprovam, entre 60 anos e mais o índice sobe para 98%. Três quartos dos paulistanos pensam que as ações são mais violentas do que deveriam ser. Apenas 15% julgam que os manifestantes foram violentos na medida certa e 6% menos violentos do que deveriam ser, diz a pesquisa.

Nas redes sociais, os Black Blocs ironizaram e desqualificaram a pesquisa. Disseram que o jornal deveria entrevistar os manifestantes feridos pelas balas de borracha pela PM, entrevistar os professores apoiados nas passeatas por eles e etc. E perguntam se foram os BB que realizaram a chacina em Vigário Geral, em Eldorado dos Carajás, entre outros casos criminosos célebres. A propósito, esta semana, um adolescente foi morto por um PM na zona norte da cidade de São Paulo. Segundo testemunhas, o policial atirou sem motivos e o garoto teria perguntado: – por que o senhor atirou em mim?! Efeito imediato: um levante ocorreu na região do Jaçanã. A Dutra e a Fernão Dias foram tomadas por um clima de grande tensão. Teve ônibus queimado, gente ferida. Quebra-quebra. Dois dias depois, outro adolescente morto na mesma região. A PM alegou, no primeiro caso, ter sido um tiro acidental. No segundo, reação a assalto. Tudo muito confuso e, certamente, vai bem além dos Black Blocs como problema. A cidade, a propósito, enfrenta o crime organizado pelo pessoal do PCC há anos. Dias atrás foi, inclusive, descoberto que o governador Alckimin estaria na mira para ser eliminado por organizações ligadas ao tráfico.

Vivemos um tempo em que as pessoas têm mostrado mais a sua insatisfação com o poder público. O Brasil é um país que passou longo tempo sob o peso de ditaduras e a população historicamente acuada pelas elites. Hoje, com o ar da democracia presente e a experiência da tecnologia da informática e a comunicação em tempo real das redes sociais, que encurta distância e tempo, agregado a uma pequena melhora nas condições de vida – vide a nova classe C – , aumenta-se o interesse pela participação, isto é, o desejo de ser ouvido, e a reprovação pela política tradicional, cheia de vícios e mazelas, afastada do quotidiano, como provam as manifestações. Além disso, é muito importante lembrar, as periferias das grandes cidades, como o caso de São Paulo, estão exaustas com sua exclusão permanente, com a juventude vivendo sucateada, no ócio, a mercê do crime organizado que acaba sendo a saída para ter ocupação, atividade, e dar sentido à vida, sem escolas, centros culturais, saúde e postos de trabalho. Chacinas são rotina e não estão necessariamente nas manchetes dos jornais. Foram banalizadas. O povo está cansado.

As esferas governamentais precisam melhorar sua percepção quanto as reivindicações populares. Black Blocs não são causa, são apenas efeitos de um Estado desgastado, salvo exceções, com dirigentes incompetentes e corruptos, cujo espírito público aflora somente às vésperas das eleições. São Paulo, 31 de outubro de 2013, Dia do Saci.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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