Da Redação com Lusa
A coordenadora do BE acusou o Governo português, nesta terça-feira, de estar a “brincar com a vida de milhares de pessoas” que procuram uma vida melhor em Portugal, desafiando o Governo a repor a manifestação de interesse de quem pretende entrar no país.
Em declarações aos jornalistas no parlamento após um encontro com os representantes de 50 associações de imigrantes que pediram reuniões com todos os grupos parlamentares para debater o pacote legislativo do Governo para as migrações, Mariana Mortágua afirmou que o Governo, perante um problema, passou a dizer a quem chega ao país que “ninguém se regulariza”, mesmo “estando a trabalhar”.
A líder bloquista disse que o Governo, com este pacote, está a contribuir para a multiplicação de máfias “que trocam senhas para, nos consulados, ser possível aceder a um visto”.
Para Mortágua, o executivo “está a brincar com a vida de milhares de pessoas, cujo único crime que podem ter cometido é procurar uma vida melhor”.
“Este problema para o futuro está a criar um problema para o presente, que é todas as pessoas que chegaram a Portugal numa expectativa, que já tinham o seu processo iniciado ou estavam a pensar iniciá-lo, que estavam a reunir os documentos num âmbito deste processo kafkiano de regularização em Portugal e, de repente, ficaram sem chão, sem saber qual é o seu futuro”, acrescentou.
Mariana Mortágua frisou também que, de acordo com as associações ouvidas pelo partido, os únicos vistos que estão a ser aprovados “são aqueles que estão a associados a grandes investimentos” e que os restantes processos de regularização “estão parados”.
“Estamos a criar um exército de pessoas que não se conseguem regularizar em Portugal”, lamentou a coordenadora do BE.
O Bloco defendeu que o Estado “está a tratar mal os imigrantes” e que isso demonstra que “trata também mal quem aqui vive” e apelou a que fossem atribuídas às associações de imigrantes um papel maior na sua regularização.
“É preciso ter um reforço de todos os meios técnicos da AIMA para regularizar quem não está regularizado e resolver o verdadeiro problema que é um problema administrativo e é um problema burocrático e é preciso dar a estas associações de imigrantes todo o papel que elas devem ter na regularização destas pessoas. São as associações de imigrantes que se estão a substituir aos Estado, são elas que dão apoio aos imigrantes, que ajudam no processo burocrático”, disse.
O Bloco de Esquerda levou já a votação na Assembleia da República uma proposta tendo em vista o regresso da manifestação de interesse, que foi chumbada com os votos contra do PSD, CDS e IL, e a abstenção do PS.
Imigrantes que estão no país
A situação está a preocupar a comunidade do Bangladesh, que alega que muitos estão ilegais pela decisão súbita do governo de mudar as regras. “Havia muita gente que estava já a trabalhar, a tratar da sua vida, estavam a dormir e depois perceberam, de um momento para o outro, que já não podiam entregar a sua manifestação de interesse”, disse à Lusa Rana Taslim Uddin, líder da comunidade.
A mudança deixou em suspenso milhares de imigrantes que estão já em Portugal e a descontar mas que não tinham o processo concluído. “Foi uma lei feita de repente, foram apenas algumas horas entre o conselho de ministros e a sua aprovação [entrada em vigor]. É uma lei que prejudica a comunidade”, afirmou Rana Taslim Uddin.
Segundo o dirigente, devido à dificuldade em agendar atendimento na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), muitos imigrantes esperavam por ter “tudo direitinho”, correspondente aos 12 meses de descontos, antes de iniciar as diligências para se legalizarem.
Hoje, “há muitos que estão numa situação ilegal porque há muita confusão entre nós. Ninguém percebe como as coisas funcionam”.
Sohel abriu há poucos meses um restaurante da rua do Benformoso, o centro da comunidade bengali em Portugal, e já sente problemas na contratação de pessoal.
“Temos pessoas para virem para cá e agora não podem porque já não há a manifestação de interesse”, explicou o empresário.
“Quando ouvimos que a imigração mudou as regras e os papéis não eram mais aceites, as pessoas saíram daqui. Já assisti a muita gente a ir embora”, salientou o investidor, que admite a necessidade de regular a vinda de estrangeiros, mas desde que permaneçam canais de entrada disponíveis.
“Depois da mudança da lei, as pessoas perceberam que não vão conseguir ficar cá, mesmo que trabalhem e estejam a aguardar há muito tempo”, salientou Sohel, considerando que os portugueses não se apercebem da importância dos imigrantes para a economia.
“Os estrangeiros fazem os trabalhos que ninguém quer. Se nós sairmos, quem vai fazer esses trabalhos?” – questionou.
As alterações à lei obrigam os imigrantes a tratarem dos processos nos consulados portugueses, seja para visto de trabalho, de procura de trabalho ou outro.
Mas países como o Bangladesh ou o Nepal (outro país que também tem uma grande comunidade em Portugal) não têm um consulado português e as promessas de reforço de meios feitas pelo governo português não incluem a abertura de novas representações diplomáticas.