Da Redação
Com Lusa
O cineasta português Manoel de Oliveira morreu nesta quinta, 02 de abril aos 106 anos. Manuel Cândido Pinto de Oliveira, nascido a 11 de Dezembro de 1908, no Porto, era o mais velho realizador do mundo em atividade.
O último filme do cineasta foi a curta-metragem “O velho do Restelo”, “uma reflexão sobre a Humanidade”, estreada em dezembro passado, por ocasião do seu 106º aniversário.
Sempre lúcido em relação à vida e à morte, da qual dizia não ter medo, o Manoel de Oliveira acreditava que a longevidade “era um capricho e o cinema uma paixão”.
Fosse da genética ou dessa paixão pelo cinema, certo é que Manoel de Oliveira viveu mais de um século e essa vivência ficará não só ligada à história de Portugal como à do próprio cinema. Era o mais velho realizador do mundo e um dos mais ativos, “porque tudo na vida se move até ao último momento”.
Em 2013, em entrevista à revista francesa Cahiers du Cinema, Manoel de Oliveira deixava um lamento: “Eu penso que no país há uma grande indiferença pelo que já realizei. Tanto faz que o meu cinema exista ou não exista”.
Rodou o último filme, “O velho do Restelo”, já no jardim próximo de casa, no Porto, com quatro atores de eleição: Luís Miguel Cintra, Ricardo Trepa, Diogo Dória e Mário Barroso.
À mesma revista, Manoel de Oliveira revelou que tinha concluído o argumento para um outro filme centrado nas mulheres que fazem as vindimas e a adaptação de “A missa do Diabo”, do autor brasileiro Machado de Assis.
Nas últimas décadas teve sucessivos projetos cinematográficos, uns mais amados que outros, uns mais premiados que outros, mas sempre fiéis a uma estética cinematográfica individual.
Manoel Cândido Pinto de Oliveira nasceu no dia 11 de Dezembro em 1908, no seio de uma família da burguesia industrial do Porto, ainda no tempo do cinema mudo.
O primeiro contato com o cinema foi como ator, quando aos 19 anos fez figuração no filme “Fátima Milagrosa”, de Rino Lupo, e com algumas experiências com cinema de animação.
A paixão pelo cinema rivalizava com o gosto pelo atletismo (foi campeão de salto à vara) e pelo automobilismo, modalidade em que conquistou alguns prêmios.
“Douro, Faina Fluvial”, uma curta-metragem documental sobre a vida nas margens do rio Douro, foi o primeiro filme que Manoel de Oliveira rodou, então com 23 anos, com uma câmara oferecida pelo pai.
A estreia desse filme aconteceu a 19 de setembro de 1931, no mesmo dia em que morreu Aurélio da Paz dos Reis, considerado o pai do cinema português. Hoje o filme é largamente elogiado, mas na altura foi mal recebido pelo público, tal como “Aniki-Bobó”, o seu primeiro filme de ficção, estreado em 1942.
Com uma longa-metragem e uma mão cheia de pequenos filmes, Manoel de Oliveira quase abandonou o cinema, por falta de apoios financeiros.
O silêncio, durante o qual se dedicou à lavoura e à reflexão sobre o cinema, como o próprio disse em entrevistas, durou até 1956, quando estreou a curta-metragem “O Pintor e a Cidade”, o seu primeiro filme a cores.
A primeira grande conquista junto do público ocorreu na década de 1960 depois de “O Acto da Primavera”, em 1962, ano em que foi detido pela PIDE, precisamente numa sessão pública de apresentação do filme, no Porto.
Foi também com “O Acto da Primavera” que Oliveira recebeu o Grande Prêmio do Festival de Cinema de Siena, em Itália, em 1964. Um ano depois a Cinemateca Francesa rendeu-lhe uma homenagem com uma retrospetiva.
Nos anos 1970 realizou a “tetralogia dos amores frustrados”, com “O Passado e o Presente” (1971), “Benilde ou a Virgem Mãe” (1975), “Amor de Perdição” (1978) e “Francisca” (1981).
Em 1985, com 77 anos, recebeu o “Leão de Ouro” do Festival de Veneza, em Itália, e em 1989 foi condecorado pelo então Presidente da República, Mário Soares, com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique.
“Non, ou a Vã Glória de Mandar”, uma visão sobre a identidade portuguesa a partir da revolução de 25 de Abril de 1974, abriu uma nova etapa na filmografia de Oliveira, que a partir de então realizou e estreiou, em média, um filme por ano.
Entre eles estão o autobiográfico “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997), com Marcelo Mastroianni, “Palavra e Utopia” (2000), sobre o Padre António Manuel Vieira, “Um Filme Falado” (2003), uma viagem pelo Mediterrâneo e pela civilização ocidental, e “Cristóvão Colombo – O Inigma” (2007).
Quase toda a obra de Oliveira faz também uma aproximação ao teatro, que o próprio reconheceu e sublinhou. Fora do enquadramento da câmara, Manoel de Oliveira também experimentou a encenação de teatro, admitindo que a prática teatral estava muito ligada ao seu cinema.
Em 2008 festejou cem anos de vida rodeado de técnicos e atores, enquanto filmava em Lisboa “Singularidades de uma rapariga loura”, e recebeu a Palma de Ouro de Carreira em Cannes, um prêmio que se junta ao Leão de Ouro de carreira que Veneza lhe entregou em 2004.
O público português reconheceu-o como figura incontornável da cultura, mas o elogio nem sempre se traduziu em sucesso nas bilheteiras de cinema.
Houve quem lhe criticasse a ausência de direção de atores e a repetição de fórmulas, mas são mais os elogios, pelo toque de genialidade, pela interpretação da História de Portugal, pela visão muito particular e sensível do cinema e do mundo, pela representação do cinema português no estrangeiro.
Em dezembro, Manoel de Oliveira foi distinguido com a Legião de Honra francesa, por uma carreira que o embaixador francês em Portugal, Jean-François Blarel, descreveu como “fora do comum”.
Pós Morte
Manoel de Oliveira rodou “Visita ou memórias e confissões”, em 1982, para ser mostrado publicamente só após a sua morte e a exibição será feita “nas próximas semanas”, disse à Lusa o diretor da Cinemateca, José Manuel Costa.
Segundo ele, o filme deverá ser mostrado no final de abril ou início de maio, em concordância com a família, em Lisboa e no Porto. “Visita ou memórias e confissões” é “um testemunho pessoal numa fase em que ele podia ainda não ter a visão do que era a sua obra seguinte. Mas já passou tanto tempo!”, exclamou o diretor.
Segundo o responsável, Manoel de Oliveira quis reservar a exibição para depois da morte, não porque quisesse ocultar qualquer facto, mas porque tem a ver com a vida dele. “É uma memória pessoal”. Manoel de Oliveira era casado, desde 1940, com Maria Isabel Brandão Carvalhais, de quem teve quatro filhos.
O governo de Portugal decretou dois dias de luto nacional após a morte do cineasta. “Portugal perdeu um dos maiores vultos da sua cultura contemporânea que muito contribuiu para a projeção internacional do país. Além da sua qualidade artística, internacionalmente reconhecida e premiada” declarou o presidente português Cavaco Silva, em seu pronunciamento.