Por Carlos Fino
Boa para título, a alternativa assim apresentada poderá não ser exata. Nesta fase do campeonato, talvez a maioria, face à avalanche de denúncias, já esteja convencida que, de uma forma ou de outra, Lula tem, sim, pelo menos algumas responsabilidades. A questão por isso, talvez seja outra – Lula merece ou não ser preso?
Independentemente da conclusão dos cinco processos que correm contra ele na justiça, muitos brasileiros já têm certamente uma resposta para esta questão: para uns, o ex-presidente é certamente culpado, para outros tantos, ele é – apesar de tudo – se não propriamente inocente, pelo menos merecedor de alguma contemporização e leniência.
Há menos de um mês atrás, Lula aparecia à frente nas sondagens sobre as eleições do próximo ano (30% de já adquiridos a seu favor mais 17% de disponíveis também para o apoiarem); no conjunto, quase o mesmo valor percentual daqueles que o rejeitam e dizem que não votariam nele “de jeito nenhum” (51%). Mesmo assim, e para espanto geral, o seu índice de rejeição aparecia em queda de 14 pontos.
De então para cá, novas e graves delações surgiram envolvendo o ex-presidente e não há ainda sondagens para vermos que influência essas novas denúncias tiveram ou não na popularidade de Lula.
Admitindo, entretanto, que o quadro não se alterou radicalmente, uma vez que as posições pró e contra há muito estão definidas, e transferindo os valores da última pesquisa para os processos judiciais, teríamos um país praticamente dividido ao meio sobre a questão de Lula – uns, querem vê-lo na prisão a qualquer custo; outros –considerando que ele não foi nem o inventor dos esquemas da corrupção no Brasil nem o único a neles se ver envolvido – defendem que ele merece alguma condescendência e não deve ser preso.
Para os primeiros, aquele que já foi o presidente mais popular do Brasil estava claramente no centro de um projeto de poder baseado na corrupção para perpetuar o PT no governo; para os segundos, o histórico líder sindical estaria sendo vítima de perseguição política para impedir a sua recandidatura às eleições presidenciais do próximo ano.
Há argumentos fortes em favor de uma e outra tese. Por um lado, parece inegável o envolvimento do PT em esquemas de financiamento ilícito, como acontecia no Mensalão e agora também na Petrobras, o chamado Petrolão; ao mesmo tempo, parece igualmente indesmentível que o PT e Lula são muitas vezes alvos preferenciais na tentativa de desmantelamento judicial de uma situação anómala que – tudo indica – sempre foi norma no Brasil, nela tendo participado, em maior ou menor grau, praticamente todas as forças políticas do país e seus respectivos líderes.
PEQUENOS E GRANDES PECADOS
Face ao volume de meios envolvidos noutros casos – milhões e milhões de dólares ou euros depositados em contas na Suíça – os benefícios de que Lula se teria beneficiado ou tentado beneficiar pessoalmente – um apartamento na praia que nunca chegou a estar em seu nome; melhorias numa casa de campo que frequentava e ajuda para o transporte e armazenamento dos presentes que lhe ofereceram enquanto esteve na presidência – parecem, à primeira vista, pecados menores, ainda que os procuradores possam argumentar que esses são indícios claros de enriquecimento ilícito.
Mais graves são o eventual envolvimento de Lula para favorecer negócio de um dos seus filhos em Angola; possível participação, com contrapartidas, no fecho do contrato de aquisição de novos jatos para a Força Aérea e ainda a sua hipotética intervenção junto do BNDES – banco de fomento do Brasil – em favor de negócios da Odebrecht no estrangeiro.
Mesmo nestes casos, Lula poderá ainda argumentar que favorecer empresas nacionais em negócios externos é o que fazem os líderes políticos em todo o mundo… Isto, claro, desde que não resultem daí benefícios pessoais.
O mais grave a que Lula terá, entretanto, de responder é se tinha ou não conhecimento dos esquemas de corrupção montados na Petrobras para financiar o PT e os seus aliados no governo, incluindo o PMDB de Michel Temer.
Nesse caso, a questão é saber se os delatores que já lhe apontaram o dedo, afirmando que “nada se fazia sem o conhecimento do chefe”, têm ou não provas do que afirmam.
Para os petistas, “Lula nunca queria saber de dinheiro”, estava noutro nível, passando essa questão para o partido, não podendo por isso ser condenado por esquemas de que não participava.
No entanto, mesmo que não haja provas materiais diretas do seu envolvimento, Lula poderá, ainda assim, ser condenado com base na convicção do juiz de que ele, mesmo sem a sua participação direta, tinha, em última instância, responsabilidade pelo que se passava.
JUSTIÇA OU POLÍTICA?
Se isso acabar por acontecer, uma larga faixa da população irá considerar que mais do que justiça se está fazendo política, humilhando aquele que foi o presidente mais popular do país e sobretudo impedindo assim a sua recandidatura em 2018.
Para esses, condenar e prender Lula seria transformá-lo em bode expiatório (boi de piranha, como se diz no Brasil) deixando afinal o velho esquema de corrupção intacto.
Goste-se ou não, para uma forte corrente de opinião, e apesar de todas as contradições e denúncias, Lula ainda é a grande figura do centro-esquerda, estando por isso no olho do furacão do agudo confronto político que se trava no Brasil desde as últimas eleições, em 2014.
O afastamento de Dilma Rousseff e a subida ao poder de Michel Temer, depois de um traumático processo de impeachment, há um ano atrás, não apaziguaram os ânimos e a situação pode, em caso da condenação de Lula, agudizar-se ainda mais pelo facto de uma fatia do eleitorado se ver desprovida de representação.
A esperança dos que promoveram o impeachment, interrompendo um mandato presidencial conquistado nas urnas, era que a economia retomasse o crescimento e a população acabasse por apoiar Temer, figura destituída de qualquer carisma.
Mas os resultados tardam em aparecer – a inflação, é certo, desceu, abrindo caminho para a queda mais acentuada dos juros; mas o desemprego aumentou e o programa liberal que o novo presidente se esforça a todo o custo por aplicar – cortes nas despesas públicas, reforma da previdência e das leis laborais – não têm apoio, o que explica o baixíssimo nível de popularidade do seu governo – apenas 10% o consideram bom ou óptimo, enquanto 55% o acham ruim ou péssimo.
Os media, ao contrário do que faziam com Dilma e também com Lula, têm dado a Temer todo o apoio, mas nem isso tem chegado para o tornar palatável aos olhos da população.
É neste contexto, complexo e contraditório, que decorrem os processos judiciais contra Lula, sendo praticamente impossível separar os dois planos – o jurídico do político.
Por isso, há quem pense que o mais sensato seria permitir que Lula se apresentasse às próximas eleições, deixando para depois a conclusão dos processos. A ideia seria a de derrotar Lula nas urnas antes de o ver condenado.
Resta saber se esse cálculo iria funcionar. Com a economia ainda a patinar, muita gente descontente com as reformas e uma base de apoio indefectível que lhe assegura a vitória na primeira volta, o velho líder sindical poderia voltar a surpreender e afinal, sair ileso. Por isso, muito preferem vê-lo condenado já, para que não se possa recandidatar.
Mais do que inocente ou culpado, Lula merece ou não ser preso? Justiça para um ou para todos?
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.