Da Redação
A agricultura brasileira está sendo desafiada por um mundo com cadeias agroalimentares e ambientes políticos cada vez mais complexos. Compreender as mudanças é estratégico para o posicionamento do País como grande produtor e exportador de alimentos.
O livro “Geopolítica do alimento: o Brasil como fonte estratégica de alimento para a humanidade” vem ajudar neste desafio. A publicação da Embrapa tem 40 autores, 322 páginas e está disponível na internet. Seu conjunto de 20 capítulos divididos em quatro seções busca contribuir para melhor compreensão das relações de poder entre países que determinam as regras do jogo e as condições de competição no mercado mundial do agronegócio.
A publicação de novembro, um lançamento da Embrapa e do Fórum do Futuro, contou com a presença da ministra da Agricultura, Tereza Cristina e do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, na sede do IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, em Brasília.
Entre os 40 autores, há muitos considerados referências importantes do agronegócio brasileiro, além de especialistas de instituições de pesquisa como a Embrapa, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de relevantes instituições no exterior como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o Grupo de Países do Cone Sul (GPS), além de universidades públicas como Unicamp, USP, UFRJ, UniRio e UnB.
Destaca-se, ainda, a participação de três ex-ministros na elaboração dos capítulos: Alysson Paulinelli e Roberto Rodrigues (Agricultura) e José Botafogo Gonçalves (Indústria e Comércio) e do ex-presidente e um dos fundadores da Embrapa, o pesquisador Eliseu Alves.
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“O Brasil desenvolveu as capacitações básicas para sustentar o crescimento da agricultura e atender as expectativas de atender, de modo sustentável, parte da demanda futura de alimento. Mas este jogo não é disputado apenas com base nas competências básicas, disponibilidade de terras, tecnologia e know how. Envolve também uma dimensão política, que no final determina as regras do jogo e as condições de competir no mercado mundial. A reflexão proposta é se o país está de fato preparado ou, pelo menos, se preparando para o pesado jogo da política internacional que, cada vez mais, afeta o comércio agrícola internacional e tem na reputação a sua base”, afirma Pedro Abel, pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa (Sire) e um dos editores.
Ao todo, quatro editores técnicos da Sire são os responsáveis pela publicação: Pedro Abel, Elísio Contini, Gilmar Henz e Virgínia Nogueira. Segundo Henz, como o Brasil é um grande produtor e exportador de alimentos, sendo 30% do PIB de exportação composto por produtos agrícolas, percebeu-se a necessidade de se elaborar uma publicação que estudasse essa questão da importância da geopolítica dos alimentos e o papel do Brasil neste contexto.
“Foram selecionados vários temas como questões ligadas ao comércio internacional, regulamentos internacionais, o trabalho, a legislação, o desperdício de alimentos e a comunicação”, detalha Henz. Ele diz que o conteúdo é contemporâneo e que são discutidos os diversos fatores que afetam o mercado mundial de alimentos, como por exemplo, a recente disputa comercial entre China e Estados Unidos, que tem provocado reverberações no mundo todo.
“Países que enriquecem também migram para dietas mais rica em proteínas. A China virou o maior importador global de alimentos, com 250 milhões de pessoas demandando produtos com maior valor proteico. Somente no último mês de outubro a China aumentou em 62% a importação de carne bovina brasileira em relação a setembro, com vários desdobramentos internos para atender esta demanda. Essas mudanças demográficas e dos hábitos alimentares estão contempladas na publicação”, esclarece Henz.
Autores, seções e capítulos
Por que alimentos estão assumindo características de poder entre as nações? Qual o papel agro brasileiro? Para essas e outras indagações o leitor encontra subsídios nas seções e capítulos organizados na obra. O livro parte do princípio de que onde há populações com fome, a pressão por alimentos é maior. Ásia e África, num futuro próximo, pressionarão países para que tenham garantias de suprimento alimentar.
O aumento da renda também é outro fator impulsionador do aumento pela demanda de alimentos, particularmente na China e na Índia. E o Brasil, por sua disponibilidade de recursos naturais, como água e terra, tecnologias desenvolvidas para a produção nos trópicos e sua capacidade empresarial é um dos poucos países no mundo que tem condições de atender a esse chamado. O livro mostra que são necessárias mais do que competências básicas e tecnologias para ocupar este espaço. É preciso compreender as regras do jogo e as condições de competir no mercado mundial de alimentos. A primeira parte do livro trata justamente dessa discussão: A Geopolítica dos Alimentos.
“Um ambiente favorável à paz entre as nações só é possível mediante a disponibilidade de uma oferta que assegure a entrega de alimentos em volume e qualidade compatíveis com a demanda e, em consequência, oferecidos a preços acessíveis”, escrevem os autores do primeiro capítulo, os ex-ministros Alysson Paulinelli e Roberto Rodrigues.
E dão um conselho: “Não existe jogo com apenas um dos lados do campo. Quem compra também precisa vender. O Mercosul nos ensina que a perspectiva de sucesso econômico passa pelo bom desempenho dos nossos vizinhos. As relações do Brasil com a China, com a Europa, com os Estados Unidos e com o mundo Árabe devem ser tratadas sob o rigor da avaliação acurada da diplomacia profissional e da customização do nosso modelo de produção para cada um desses parceiros. O grau de inserção dos nossos produtos no mercado internacional está umbilicalmente conectado a qualidade do nosso futuro”.
Nessa mesma direção, o capítulo escrito pelo ex-ministro da Indústria e Comércio, José Botafogo Gonçalves, em coautoria com a pesquisadora do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil e Argentina (Neiba), Ariane Costa, enfatiza a importância de o Cone Sul ser um interlocutor unificado para dialogar com a China, Estados Unidos e outros, como já ocorre com a União Europeia.
“A equação modernizadora que permitirá que o Brasil volte a colocar os objetivos de crescimento do produto dentro de parâmetros compatíveis com a realidade do século XXI passa por adotar, como instrumentos prioritários de crescimento, o investimento na infraestrutura logística e no prosseguimento da expansão do agronegócio sustentável e, do outro lado, a regionalização das negociações internacionais elegendo o Cone Sul como um interlocutor unificado para dialogar com China, Estados Unidos e outros, tal como já ocorre com a União Europeia. Brasil e Argentina juntos devem capitanear essa estrutura negociadora”, explicam José Botafogo e Ariane Costa.
O livro traz a percepção de diversos autores de que o Brasil deve aproveitar os efeitos da guerra comercial entre países como Estados Unidos e China para ampliar a sua posição nos mercados como o da própria China, México, Canadá e os países árabes. Neste jogo, também é preciso considerar as barreiras tarifárias e não tarifárias que a Europa impõe ao Brasil.