Por Ígor Lopes
Do Rio para Mundo Lusíada
Como já virou rotina em sua vida, José Estrela percorre cerca de nove quilômetros todos os dias entre a sua residência no bairro de Vila Isabel e o seu local de trabalho no centro do Rio. Estrela chega à livraria Camões diariamente às 6h30 da manhã. Á tarde, almoça por 30 minutos e encerra o atendimento ao público às 19 horas. Agora, aos 76 anos de idade, sua rotina está sendo alterada. Quando se dirige para o seu posto de trabalho, recorda a carta que anunciou o encerramento da loja. Nesses dias que marcam o fim de uma época de muita cultura, Estrela diz sentir uma tristeza grande, mas procura sempre esquecer essa ideia para evitar sofrer. Com o fechamento da livraria Camões, José Estrela acredita que vai ser difícil “encontrar em outras livrarias os títulos que só se encontram na Camões”. E agora, José? Mas nem tudo está perdido e a solução parece estar à vista. A livraria foi fechada, mas o local vai entrar em obras e vai ser reaberto ainda este semestre. Tudo isso fruto de uma parceria com o grupo editorial Almedina, de Coimbra.
A loja, localizada numa zona privilegiada do centro do Rio, no Shopping Avenida Central, a poucos metros da Avenida Rio Branco e do Largo da Carioca, conta com uma pequena fachada e uma vitrine que revela algumas das preciosidades que podem ser encontradas no seu interior. Na parte interna, 75 metros quadrados dão origem a dois andares de livraria, que conta, atualmente, como cerca de 12.500 títulos, um número bem inferior ao que se verificava antigamente, quando as prateleiras da Camões acolhiam mais de 25 mil obras. Mesmo com essa crise anunciada, é possível encontrar trabalhos raros, como os 43 volumes da enciclopédia Einaudi, por um valor que ultrapassa os R$ 4 mil. A sua primeira edição foi na Itália, mas logo ganhou tradução para o português. Para evitar que tantos livros fiquem perdidos, uma alternativa foi tentar vender as obras da loja com 30% de desconto. “Nós vamos tentar vender os livros todos”, disse Estrela.
A sua ligação com a livraria vem desde 1974. José Estrela conta que a Camões foi fruto da vontade de três amigos que se reuniram num restaurante carioca: Francisco Negrão de Lima, antigo governador do Estado da Guanabara, Rubem Anderson Leitão, administrador da Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) de Portugal e Antônio Delfim Neto, ainda vivo, que, durante o regime Militar, entre 1967 e 1974, foi ministro da Fazenda. Foram essas as cabeças pensantes que deram origem à livraria em novembro de 1972.
Desde o início, o intuito foi sempre “difundir a cultura portuguesa e dar assistência a alunos e professores das faculdades de letras de todo o Brasil”.
Estrela assume que os problemas da livraria Camões tiveram início em 1995, quando a INCM teria dado a exclusividade da venda dos livros para uma pessoa em São Paulo. “Foi-nos proibido vender os nossos livros fora do âmbito da livraria. Então, caímos muito até chegar aos dias de hoje, tão deficitários”, revela Estrela.
José Estrela lembra com saudade dos tempos em que a livraria recebeu nomes ilustres, como o político português Marcelo Caetano que, às quintas-feiras, se sentava numa mesa e conversava com os clientes da livraria. Sem esquecer o ex-presidente José Sarney, que frequentava a loja com a sua esposa. “Lembro-me de uma ocasião de um encontro entre Sarney e um outro maranhense ilustre, Nunes Pereira, que era um antropólogo”.
A livraria recebia ainda ministros e apoiava o lançamento de livros. José Saramago foi um desses autores, além de Agustina Bessa-Luís, José Guimarães, entre muitos outros. Autores brasileiros também tinham espaço na livraria. “Embora sejamos dedicados ao livro português, jamais recusei uma consignação de livros de autores brasileiros”, afirma Estrela.
“A livraria Camões era a única casa que podia dar assistência aos alunos das faculdades que estudavam literatura portuguesa. E não era só no Rio. Era no Brasil. Eu corri todos os estados brasileiros. Vendendo livros, conheci muita gente”, conta José Estrela, que recorda que quando o ex-presidente português Mário Soares veio ao Brasil em visita oficial, há alguns anos, a livraria fez oito exposições de livros nos estados por onde o ex-presidente passou.
Anúncio do fechamento foi feito por carta
A livraria Camões era mantida pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. O intuito sempre foi divulgar o livro e os escritores portugueses. Mas com a justificativa de que o espaço já não era mais lucrativo, esse órgão português decidiu fechar as portas da livraria. E foi com “muita tristeza” que José Estrela recebeu uma carta anunciando o encerramento da Camões no dia 31 de janeiro.
“Recebi a carta aqui na livraria. Que pena. Eu digo-lhe com toda a sinceridade. Quando a minha mulher faleceu num desastre de carro eu tive a mesma tristeza que tive quando recebi a notícia do fechamento da livraria”, revela Estrela, que garante que não levou esse acontecimento para o lado pessoal. “Entendo o que o presidente da Casa da Moeda diz e faz. Ele é um gestor”.
Mas este responsável sublinha que mesmo assim não concorda com esse fim inesperado de um lugar de encontro entre as culturas portuguesa e brasileira. “Não concordo em fechar o espaço. Que mudem a pessoa. Mas deveriam manter o espaço. Poderiam fazer a nova livraria Camões para continuar a fazer o trabalho. Sei a falta que esta livraria faz. Nos últimos dez anos não demos muita assistência, pois não tínhamos todos os livros. Quando deram a exclusividade para outros, engessaram-me as mãos”, refere.
José Estrela diz acreditar que o fechamento da livraria não é um ato político. “O fechamento não é político. Tem a ver com a crise em Portugal. Tudo aquilo que hoje dá prejuízo os portugueses foram fechando. Fecharam escolas e hospitais. Eu entendo. Não tenho raiva de ninguém por isto acontecer”, recorda Estrela.
“À Casa da Moeda credito todo o trabalho que foi feito pela divulgação dos escritores portugueses. Eu fui apenas um veículo. Eles é que financiaram e ajudaram a divulgar o livro português”, finaliza Estrela sem saber muito bem como serão os seus dias de hoje em diante.
Livraria vai ser reaberta como novo modelo de funcionamento
A notícia do fechamento da Camões acabou mobilizando os clientes e frequentadores e, também, políticos portugueses. Houve lugar ainda para um abaixo-assinado contrário à decisão da INCM. Essa manifestação contou com o apoio de intelectuais e parlamentares do Partido Socialista Português, que chegaram a pedir explicações ao governo de Portugal.
Poucos dias depois do seu encerramento surge agora a possibilidade de a loja ser reaberta.A INCM divulgou a notícia de que uma parceria como grupo Almedina poderá possibilitar a reabertura da livraria. O memorando de entendimento entre a INCM e o grupo Almedina foi assinado no dia 26 de janeiro. O previsto é que o Almedina seja parceiro na remodelação da livraria carioca, que vai passar por reformas e reabrirá com acervo maior. Tudo indica que isso aconteça ainda neste semestre.
1 comentário em “Livraria Camões fecha as portas no Rio, mas pressão popular muda decisão da INCM”
Boa tarde,
Estou a contatar da Livraria Almedina. Escreveram este artigo em 2012 e vamos agora reabrir a livraria em questão dentro de 1-2 meses, uma vez que aguardamos apenas a conclusão das obras. Neste sentido questiono para quem podemos contatar para a abertura da loja, e para redigir um novo artigo.
Cumprimentos,
Francisco Coimbra