O novo mural do artista britânico D*Face no âmbito da edição de 2021 do Muro (Festival de Arte Urbana de Lisboa), 24 de novembro de 2020. MÁRIO CRUZ/LUSA
Da Redação
Com Lusa
O artista britânico D*Face termina a pintura de um mural no Parque das Nações, em Lisboa, que antecipa a 4.ª edição do festival Muro, agendado para maio de 2021 naquela região da cidade.
No primeiro mural que pinta em Portugal, D*Face optou por retratar os olhares de seis figuras humanas, decisão na qual tiveram peso vários fatores.
Sempre que cria um mural, o artista britânico tenta torná-lo “relevante no local onde está inserido, ou, pelo menos, na cidade”. E o mural que está a pintar na Avenida Aquilino Ribeiro Machado, ao lado da Estação do Oriente, não é exceção.
“Quando olhei para a localização, ao lado deste importante terminal de camionetas e da estação de comboios, percebi que é uma área de congregação ou um sítio de partida ou chegada, e senti que a parede poderia transmitir isso, o encontro de várias pessoas, com vidas diferentes umas das outras”, contou à Lusa, na terça-feira à tarde.
Além disso, este mural é pintado numa altura “em que se lida com a cobertura da boca”, devido ao uso de máscaras.
“A maneira de saberes como uma pessoa está ou o que está a sentir, em grande parte, é através do olhar. Nesta altura fez sentido retratar apenas os olhos, em plano fechado”, disse D*Face, salientando que 2020 é “um ano histórico, por razões negativas e tristes, mas também é um tempo de reflexão para todos”.
E, por isso, parte do mural é também “uma retrospetiva” do trabalho que tem criado em paredes um pouco por todo o mundo.
“Durante o confinamento, quando não podia viajar – uma vez por mês eu estava num local diferente a pintar – foi uma altura de olhar para os murais que já tinha pintado em países e cidades diferentes e há uma parte deste mural que é uma retrospetiva e, de alguma maneira, um olhar para o futuro. É algo muito presente hoje, no momento que estamos a viver”, partilhou.
Mais habituado a trabalhos grandes em altura, D*Face enfrentou algumas dificuldades em Lisboa. “O que foi difícil neste mural foi o facto de a parede ser muito comprida, geralmente as paredes são altas, o que funciona bem e facilita para o meu trabalho, porque geralmente é mais fácil para retratar uma história ou um conto”, referiu.
Acompanhado de uma “equipa pequena, de três pessoas”, D*Face costuma demorar entre cinco a sete dias a pintar um mural, mas o de Lisboa, que “é particularmente grande”, conta acabar em nove.
“Estamos no dia sete e temos mais dois dias pela frente, para refiná-lo e equilibrá-lo”, disse sobre o trabalho “todo pintado a pincel” e rolo.
Ao contrário do habitual, neste mural optou por projetar o desenho na parede, em vez de recorrer ao método “muito tradicional” da grelha.
“Para mim passa por ser eficiente, aproveitar bem o tempo, e neste caso era mais adequado projetar. Como é tudo pintado a pincel, ainda que tenhas os contornos, usas mais como guia do que como regra”, explicou.
Assumidamente influenciado pela Arte Pop, D*Face trabalhou como designer gráfico e ilustrador numa agência de publicidade, até decidir dar o salto e viver exclusivamente da Arte.
“Não era minha intenção ser artista, usava as ruas apenas como a minha tela criativa, o meu trampolim. Era um alívio partilhar trabalhos na rua e não ter ninguém a dizer que podia ou não fazê-lo ou o que podia ou não ser. Mas sempre quis expandir isso, crescer, e com isso quis pintar telas, fazer esculturas, queria experimentar criativamente. Não tinha bem a certeza do que queria fazer ou como iria ficar, só queria continuar a puxar por mim”, recordou.
Hoje, aos 42 anos, “é a mesma coisa”: faz camisetas, pinta telas, faz esculturas e pinta murais, que é o que gosta mais.
“Sou muito apaixonado por isso, pintar no espaço público para as pessoas, porque tens a possibilidade de interagir com todo o tipo de pessoas doidas, de pessoas ‘cool’, não há gênero, idade, raça, e isso para mim é o mais entusiasmante e interessante”, partilhou.
A primeira pintura que criou no espaço público em Lisboa “marca a abertura, a primeira pedra, o lançamento” da 4.ª edição do Muro – Festival de Arte Urbana de Lisboa.
“É um aperitivo e algo que vamos continuar a fazer ao longo do ano até ao festival, que decorre no mês de maio, entre 22 e 31, no Parque das Nações”, referiu Hugo Cardoso, da Galeria de Arte Urbana (GAU), da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que organiza o Muro.
Depois de edições no Bairro Padre Cruz, em 2016, em Marvila, em 2017, e no Lumiar (na zona envolvente do bairro da Cruz Vermelha e da Alta de Lisboa), em 2018, o Muro chega em 2021 ao território do Parque das Nações, onde haverá “quatro núcleos de intervenção fortes: Gare do Oriente, bairro do Casal dos Machados, Avenida de Pádua e o Parque Tejo, na zona ao lado do skate parque, por baixo do tabuleiro da ponte Vasco da Gama”.
“Vamos ter um conjunto de obras a desenvolver entre hoje e maio, mês em que vamos concentrar a maior parte das intervenções”, contou Hugo Cardoso, adiantando que a próxima intervenção, que será no bairro do Casal dos Machados, estará a cargo do Coletivo RUA.
Além das pinturas murais, o Muro terá em 2021, à semelhança das edições anteriores, uma programação paralela, que deverá incluir também atividades desportivas, já que para o ano Lisboa será Capital Europeia do Desporto.
Claro que tudo isto, “vai ter que ser revisto face ao momento pandêmico, se há maior ou menos confinamento, ainda vai ser tudo alinhavado, entre a GAU, a CML e a Junta de Freguesia do Parque das Nações”. “Vamos programar isto com toda a segurança para maio”, disse Hugo Cardoso.
Para a Junta de Freguesia do Parque das Nações, receber o Muro em 2021 significa, entre outros, aumentar “o espólio de 56 peças de arte pública já catalogadas, entre azulejaria, pintura, escultura e calçada”.
“Já tinha acompanhado as outras 3 três edições [do Muro] e percebemos que o envolvimento da autarquia local permite escalar para termos mais patrimônio futuro. Gostávamos de ampliar esta capacidade de promover a freguesia pela componente cultural”, afirmou o presidente da autarquia, Mário Patrício, em declarações à Lusa.
Além disso, o Muro “vai complementar e ligar” o que tem sido feito recentemente naquele território: “dotar a freguesia da capacidade de oferta dos equipamentos desportivos nomeadamente nas modalidades urbanas”.
Ao lado do ‘skate park’, situado no Parque Tejo, há uma ‘pump track’, “com capacidade para receber provas de classificação para o campeonato do mundo”. E, no futuro, surgirão na freguesia “campos de ‘street basket’”.
Além disso, a junta de freguesia está “a trabalhar com a CML para legalizar paredes para pintura livre”.