“Os índios brasileiros são os maiores latifundiários pobres do planeta” (Roberto Campos in “O homem mais lúcido do Brasil” – frases organizada por Aristóteles Drumond, p. 70, Ed. Resistência Cultural, 2014).
Em área maior do que a de muitos Estados do Brasil juntos e em que, apesar de o artigo 5º, inciso XV, da CF permitir o livre trânsito, no território nacional, de todos os brasileiros, lá não se entra sem autorização da FUNAI, vivem menos de 800.000 índios de diversas etnias. Vale dizer, 13% do território nacional – área superior à de inúmeros países – foram outorgados para tais cidadãos privilegiados, por esdrúxula e incorreta interpretação da CF (art. 231), que só assegurou aos índios as terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição. Fala o texto supremo em terras “que ocupam” e não “que ocuparam”.
A mudança do tempo do verbo, na interpretação oficial, avalizada pela Suprema Corte, todavia, levou à violação de uma cláusula pétrea da Lei Suprema, que assegura a todo brasileiro o direito de ir e vir no território nacional, livremente. Tal interpretação garantiu apenas o direito de ir e vir em 87% do território nacional, proibindo qualquer cidadão de adentrar as terras dos indígenas, sem o beneplácito da FUNAI, ali podendo permanecer por curto espaço de tempo (horas ou poucos dias). Transcrevo o artigo 5º, inciso XV, da Carta Magna: “XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;” (grifos meus).
Embora fale, o constituinte, “nos termos da lei”, é bom lembrar que a lei não pode alterar o conteúdo da Constituição, mas apenas explicitá-lo. E o direito de ir e vir, portanto, não poderia ser amesquinhado por lei infraconstitucional.
Desta forma, 200 milhões de brasileiros e residentes estão autorizados a circular, livremente, por somente 87% do território nacional, enquanto 800.000 índios de diversas etnias têm garantido o acesso e permanência em a área privativa, de 13% do território nacional, além dos demais 87%.
Sem querer discutir, neste artigo, a questão da exegese utópica, ideológica e incorreta que levou à monumental extensão do território, o qual os índios ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, ocorreu-me uma idéia que permitiria equacionar um problema, também político e ideológico, que é o do Movimento dos Sem Terra.
Diz o MST, e, neste sentido, pressiona INCRA e o Governo Federal, que seus integrantes não têm onde trabalharem, pois pertencem ao grupo dos 200 milhões de brasileiros, que não podem circular livremente por terras indígenas. Por outro lado, não negam a FUNAI e o Governo Federal que 13% do Brasil foi outorgado a esta escassa população de índios de diversas nacionalidades e etnias, que não conseguem explorá-las e, de longe, não têm como habitá-la, tal a imensidão de espaços que lhe foram ofertados. Estou convencido de que não foi intenção do constituinte criar um “museu vivo de índios”, para permanecerem habitando em condições primitivas, eternamente. Afinal, são seres humanos, iguais a nós, com os mesmos direitos! Não podem as reservas indígenas ter o mesmo tratamento de preservação dos parques nacionais da África, em que os animais são mantidos segregados.
Como tenho certeza de que assim não pensam os dirigentes da FUNAI, nem o Governo, nada mais natural que utilizassem a experiência e a mão-de-obra dos que não têm terras para permitir a evolução daquela área tão extensa e tão inabitada. INCRA e FUNAI, para o bem do Brasil, poderiam se unir para permitir que os que não têm terra e querem evoluir e os que têm muita terra e não sabem evoluir se unissem, de tal maneira que solucionaríamos dois grandes problemas, ou seja, de ofertar terras aos sem terra e ofertar evolução, com a experiência dos sem terra, a todos os índios, inclusive ao grande contingente de estrangeiros unidos por sua etnia aos indígenas brasileiros.
E aqueles índios que quisessem viver como viviam em 05/10/1988, poderiam valer-se da interpretação correta do artigo 231 que: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (grifos meus), ou seja, ser-lhes-iam asseguradas as terras QUE ESTAVAM OCUPANDO EM 1988, vale dizer, reduzidíssima parcela do território nacional, afastando-se a interpretação de que teriam direito às terras que ocuparam, há dezenas e centenas de anos atrás. Por esta correta exegese, não restaria prejudicada a preservação de seus costumes e tradições, por eles vividas no dia 5 de outubro, em toda a sua plenitude, no território que ocupavam.
É uma idéia a pensar, sem qualquer cunho ideológico, utópico, político ou de interesses escusos, mas com nítida intenção de dar terra para trabalhar a quem não tem, preenchendo imensa vastidão de espaços vazios e inexplorados, além de permitir, por outro lado, a partir da experiência destes trabalhadores, que se uniriam aos índios, a evolução e bem estar de ambas as comunidades.
Estar-se-ia eliminando um conflito de classes e permitindo a evolução do país, tirando, inclusive, daqueles que se alimentam da inoculação do ódio nos meios sociais, o poder de se locupletarem das tensões que geram.
E terminaria, por fim, não prejudicando o setor do agronegócio – dos mais evoluídos do mundo -, que tem salvo o país do descompasso da balança comercial, pois o único setor em que não tememos a concorrência internacional. Vale a pena refletir sobre o tema.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.