Esta semana, que no Brasil foi comemorada a Proclamação da República, teve também, em âmbito planetário, a celebração, na quinta feira, 16, do chamado Dia Internacional da Tolerância. Em 1996, na Assembleia Geral da ONU – Organização das Nações Unidas, os Estados Membros foram convidados a endossar a referida data. Isto porque a ONU, com seus vários programas humanitários, está comprometida com o fortalecimento da Tolerância, ao promover o entendimento entre culturas e pessoas. Esse é um dos principais objetivos da Carta das Nações Unidas, assim como da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cuja assinatura aconteceu em 10/12/1948, três anos após o fim da II Guerra Mundial, conflito monstruoso com milhões de mortos e feridos, onde experiências totalitárias como o nazismo e o fascismo cometeram atrocidades contra inúmeros cidadãos e, para encerrá-la, a humanidade ainda viu estabelecida a força da arma atômica. Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos visou fortalecer o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis, constituindo o fundamento da liberdade, da justiça e da necessária paz ao mundo, bem como favorecer o progresso social e a instauração de melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla a todos os povos. Então, o que temos neste novo milênio? No interior das relações humanas e internacionais existe o temor pelos conflitos nucleares em escala global e o alarme pela existência de retrocessos frente aos avanços nos direitos humanos e sociais conquistados desde 1945. São tempos de violência extrema e conflitos caracterizados pelo desrespeito contra a vida humana em várias regiões, como infelizmente persistimos em observar, em um flagrante retrocesso. Podemos lembrar de conflitos com etnia armênia no Azerbaijão, o Afeganistão com grupos radicais, a guerra na Síria e Iraque, as lutas no Sudão do Sul, os curdos na Turquia, os conflitos no Iêmen, refugiados de Mianmar em Bangladesh, as ações de grupos na Somália e Nigéria, as mortes pelo narcotráfico no México, entre muitos outros casos onde a violação dos direitos humanos ocorrem em grande quantidade e pouco se fala nas grandes mídias comerciais.
O cumprimento do ODS – Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes é essencial para promover o sentimento de Tolerância entre os povos. A Declaração de Princípios sobre Tolerância, da UNESCO, explica que Tolerância, nesse contexto, não significa piedade, nem indiferença, mas respeito e apreço pela rica variedade de culturas do mundo. A manutenção da paz e o respeito aos direitos humanos baseados no Estado de Direito são a base para o desenvolvimento humano inclusivo e sustentável. Não podemos ter pena de um semelhante e sim consideração para com sua dignidade e estima pelo seu engrandecimento como sujeito. Temos, portanto, que lutar pele melhoria de vida do outro, para que cresçamos juntos em meio às diferenças étnicas e culturais. Esta é a busca da paz.
No ODS 16 a ONU expõe a importância, em primeiro lugar, de reduzir todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares; acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças; combater todas as formas de crime organizado e reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados; reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas; desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis; garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis e assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais, entre outros itens de relevância.
Mas, e especificamente no território brasileiro? Não temos problemas a se refletir com base nos parâmetros do ODS – 16 e a importância da Tolerância, conceito visto como respeito aos direitos humanos e um processo de inclusão e sustentabilidade? Evidente que sim. E com graves preocupações. Somos um país de pouco mais de 5 séculos que foi estruturado sobre um processo social escravocrata, cuja abolição se deu a apenas 129 anos e, jamais houve uma política compensatória para tamanho crime humanitário. E eles não são quantitativamente poucos os afrodescendentes. Ao contrário, segundo informou o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2016), mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos ou pardos (grupos agregados na definição de negros). No entanto, somente 12,8% dessa população chegou ao nível superior (IBGE/2015). Este grupo majoritário numericamente, pessoas pretas e pardas, têm mais probabilidade de viver em lares em condições precárias, sem acesso simultâneo a água, esgoto e coleta de lixo. Entre os brancos universitários a proporção é mais que o dobro: 26,5% e a qualidade de vida, a relação de ambiente positivo envolvendo os lares, é 55% dos negros contra 72% para os brancos. Negros e pardos são ¾ da população pobre. Oito em cada 10 mais ricos são brancos. Seis homens brancos no Brasil concentram a riqueza de metade da população (total de 207 milhões de pessoas) no País. Se gastassem junto um milhão de reais por dia, levariam 36 anos para esgotar o equivalente ao seu patrimônio (Oxfam/2017). Plena hegemonia branca e masculina. Mantida a tendência dos últimos 20 anos, mulheres ganharão o mesmo salário que homens na mesma função apenas em 2047. Para os negros, terão equiparação de renda com brancos somente em 2089. Claro, para as mulheres negras a espera ainda é maior. Precisamos despertar para isso. Contudo, nosso tripé étnico populacional formador também tem os indígenas. Não somente negros e brancos, que para cá foram transplantados no processo colonial. E os habitantes originais clamam pela atenção das autoridades, em meio a vários massacres ao longo do tempo. Suas terras são cobiçadas há séculos e o baixo investimento governamental os expõe à sanha do capital, através de madeireiras, mineradoras e agronegócio. São vulneráveis, menosprezados e constantemente suas terras tradicionais atingidas, com inúmeras denúncias, feitas inclusive em fórum internacional.
Não vou me estender mais. Poderíamos também falar sobre agressões a grupos religiosos; inúmeros ataques a comunidade LGBTs; preconceitos contra grupos étnicos de imigrantes/ refugiados; as estatísticas de mortes nas periferias e a cultura de violência governamental contra seus habitantes; as ofensivas contra os direitos de expressão etc. Coisas verificáveis para um razoável observador ou para quem consulta estatísticas idôneas. Porém, ainda assim, estas aberrações reais se mantêm muitas vezes como algo natural em nossa sociedade, dada a estúpida concentração de poder e riqueza, a capacidade manipuladora da elite e a baixa consciência e organização do povo. Recentes palavras ditas por um eminente jurista, professor universitário, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra e conselheiro da Federação do Comércio de S. Paulo, entre outras funções, afirmando notar-se como ‘discriminado’ por ‘inúmeros benefícios concedidos’ nos últimos anos às minorias, ilustra bem essa situação: “Não sou nem negro, nem homossexual, nem índio, nem assaltante, nem guerrilheiro, nem invasor de terras. Como faço para viver no Brasil nos dias atuais?”, escreveu o lamuriento Ives Gandra Martins, auto intitulado “modesto cidadão e advogado” (http://politica.estadao.com.br/blogs/blog-do-fucs/ives-gandra-nao-sou-nem-negro-nem-homossexual-nem-indio-nem-assaltante-nem-guerrilheiro-nem-invasor-de-terras-como-faco-para-viver-no-brasil-nos-dias-atuais/ ).
Pobres coitados dos senhores abastados que penam pela inflexibilidade da massa de assalariados brasileiros que ainda recebe vultosos R$ 4,45 por hora no trabalho intermitente ou R$ 457,00 de teto no Bolsa Família (2017). O abolicionismo foi uma desfeita, no ver dessa fina flor que se satisfaz realizando chás beneficentes. Será realmente longa a jornada pela vitória da Tolerância. São Paulo, 17 de novembro de 2017.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo