Mundo Lusíada com Lusa
A integração de imigrantes e refugiados em Portugal é “um mar de burocracia”, observa o Serviço Jesuíta aos Refugiados, que questiona a capacidade da Agência para a Integração, Migrações e Asilo em dar resposta aos processos que herda do SEF.
No Dia Internacional dos Imigrantes, que o Serviço Jesuíta aos Refugiados assinala com a apresentação do Livro Branco sobre os direitos das pessoas imigrantes e refugiadas em Portugal – 2023, com um levantamento de todos os obstáculos que estas pessoas sentem no processo de acolhimento e integração em Portugal.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do gabinete jurídico do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) relatou a experiência das equipes que, no terreno, apoiam imigrantes e refugiados a “passar este mar de burocracia, que é o processo de integração em Portugal”.
Carmo Belford explicou que logo no primeiro capítulo do livro é feita uma análise da aplicação prática das alterações à Lei de Estrangeiros, feitas no ano passado, e que a responsável considera “muito positivas”.
“Constatámos que, na prática, as coisas não correspondem exatamente àquilo que está previsto na lei”, apontou, acrescentando que “a maioria das recomendações” feitas pelo JRS no Livro Branco “não passam por alterações legislativas, passam por pôr a lei em prática”.
Segundo Carmo Belford, “é esta parte que falha, sobretudo nas políticas públicas portuguesas”, dando como exemplo o processo de transferência de competências para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), na sequência da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
“Para nós não basta extinguir-se entidades. Têm que se resolver os problemas de raiz e temos imensas questões, como por exemplo, se a AIMA terá de fato a capacidade para responder aos processos que herda do SEF”, apontou a responsável.
Frisou que neste momento, o JRS ainda não consegue aferir se a situação piorou ou não, uma vez que ainda se está a passar por “uma fase transitória muito confusa”, em que “a própria AIMA ainda não definiu a maioria dos procedimentos”.
Segundo Carmo Belford, existe “um enorme desconhecimento em relação ao futuro, mas também uma “enorme esperança que as coisas melhorem”.
“Porque de fato pior era impossível. É bastante difícil fazer pior do que o que foi feito até hoje, mas não é nada fácil herdar as competências administrativas do SEF, especialmente com a escassez de recursos humanos que o SEF e agora AIMA têm” denunciou.
Carmo Belford defende que seja feita a “digitalização total dos processos”, simplificando ao máximo os procedimentos para que as pessoas consigam aceder aos serviços, apontando que “não faz sentido este nível de burocracia” nem a quantidade de deslocações que as pessoas fazem para regularizar a sua situação.
Deu como exemplo o caso de quem quer trazer a família para Portugal, apontando que só podem iniciar o processo depois de terem autorização de residência, o que pode demorar “um ano e meio, dois anos à espera”, para depois terem de aguardar mais seis meses por atendimento no consulado.
Além do problema burocrático, o JRS refere que falta também saber como é que vai ser assegurado o papel de mediação e facilitação do processo de integração que anteriormente estava nas mãos do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), uma vez que a AIMA fica simultaneamente com as responsabilidades de regularizar e decidir o afastamento.
A transferência das funções policiais para a PSP e a GNR também levanta questões, com o JRS a entender que “existe uma dimensão de risco, ainda que involuntário, de criminalização das migrações irregulares”, e que a questão da detenção deveria merecer maior atenção por parte dos decisores políticos, com o organismo a defender que as pessoas migrantes “têm direito a ser tratadas com dignidade”.
Carmo Belford defendeu ainda que a Lei do Asilo seja mudada no sentido de incluir mais instituições além do Conselho Português para os Refugiados, como acontece atualmente, repensando o modelo de acolhimento.
Pedidos de asilo
Já a Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) anunciou, na última sexta-feira, que encurtou o tempo de espera de decisão dos pedidos de asilo para três dias, estando a aguardar por uma resposta no aeroporto de Lisboa seis cidadãos estrangeiros.
A AIMA avança que o número de pedidos de proteção internacional apresentado na fronteira mais do que duplicou em novembro de 2023 face ao mês homólogo de 2022. A resposta surge após notícias que davam conta de um elevado número de estrangeiros retidos no aeroporto de Lisboa à espera de uma resposta da nova agência.
Fonte da Polícia de Segurança Pública contou à Lusa que o Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) no aeroporto de Lisboa estava lotado, pelo que muitos cidadãos que aguardavam por uma resposta da AIMA tinha que ficar instalados na zona internacional sem “as condições mais adequadas” e não tinham, por exemplo, uma cama para dormir.
No início da semana, em comunicado, a PSP explicava que, nas últimas semanas e devido a um aumento da fiscalização na fronteira, um elevado número de passageiros requereu proteção internacional (que vulgarmente se chama pedido de asilo) face à impossibilidade de poderem entrar em Portugal.
Perante o pedido de asilo, é iniciado um processo pela AIMA com vista a aferir as condições de admissibilidade do requerimento apresentado e, durante esse período de espera, os cidadãos estrangeiros devem permanecer no EECIT, que é da responsabilidade da PSP após a extinção do SEF.
Fonte da PSP disse à Lusa que este espaço está lotado e os cidadãos têm de permanecer na zona internacional do aeroporto até que exista uma vaga no EECIT.
A PSP reconheceu que as condições na zona internacional “não são as mais adequadas para acomodação de requerentes de pedidos de proteção internacional durante longos períodos de tempo”, mas têm asseguradas refeições, cuidados médicos em caso de necessidade e acesso à casa de banho.
Em declarações à Lusa, o dirigente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP) Carlos Oliveira disse que “Portugal não se devia orgulhar da forma como os cidadãos que chegam a este país aguardam a decisão se podem ou não entrar em Portugal”, parecendo que são “uns sem-abrigo”.
“As pessoas que estão na zona internacional à espera para entrar no centro dormem no chão e a sua própria roupa é que tem de servir de saco de cama”, afirmou.
Na resposta enviada à Lusa, a AIMA avança que “promoveu uma profunda revisão dos procedimentos adotados de modo a encurtar ao máximo o tempo de espera dos requerentes de asilo por uma decisão”, frisando que aguardam atualmente, em média, três dias.
Esclarecendo que dispõe, segundo a lei, de um prazo de sete dias úteis para proferir decisão sobre pedidos de asilo apresentados em posto de fronteira, a AIMA indica que “muitas vezes é necessário contar com o contributo de intérpretes de línguas e dialetos pouco frequentes na realização das entrevistas e na notificação das decisões, o que torna estas operações mais demoradas e dependentes de agendas de terceiros”.
A AIMA sublinha que a revisão dos procedimentos ficou concluída a 06 de dezembro e “permitiu encurtar muito o tempo médio de espera, que se situava, em média, nos cinco dias úteis antes” desta alteração.
“No final do dia de hoje apenas ficarão seis requerentes a aguardar decisão da AIMA no Aeroporto Humberto Delgado. O que demonstra que a larga maioria dos utentes que se encontram no aeroporto de Lisboa, designadamente no EECIT, não está a aguardar uma decisão da AIMA”, detalhou a nova agência no dia 15, indicando ainda que “não tem competência para autorizar a entrada de cidadãos estrangeiros em território nacional, nem gere o alojamento nos EECIT, sendo ambas atribuições das forças de segurança”.
Com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a 29 de outubro, a AIMA ficou com as questões administrativas de emissão de documentos para estrangeiros e a PSP passou a ser responsável pelo controlo das fronteiras áreas.