Por Carlos Fino
Sete anos depois de ter dado início à chamada Primavera Árabe – onda de protestos sem precedentes que então varreu uma série de países do Norte de África e Médio Oriente – a Tunísia voltou esta semana às ruas num vasto movimento contra as medidas de austeridade decretadas pelo governo: cortes nos subsídios sociais e aumento de impostos, subida dos preços da gasolina, carros, comunicações telefónicas e internet, etc.
A ironia da história é que a Tunísia, apesar de tudo, ainda é um dos países em que esse movimento de massas de há sete anos atrás teve melhores resultados. Enquanto no Egito, na Líbia e na Síria, por exemplo, a Primavera rapidamente degenerou, conduzindo a situações de instabilidade, violenta repressão, terrorismo e guerra que perduram até hoje, os tunisinos podem gabar-se de terem não só afastado o ditador Ben Alli – que fugiu com a mulher para a Arábia Saudita – como instituído um regime democrático.
Mas a instabilidade política tem sido grande – nove governos em sete anos – e os graves problemas económicos do país não foram ultrapassados. O executivo teve mesmo recentemente que recorrer a um empréstimo do FMI no montante de 3 mil milhões de dólares, que agora terá de pagar, além de pôr em prática uma série de reformas. As medidas de austeridade incluídas no orçamento para este ano inserem-se já nesse pacote, tentando reequilibrar as contas públicas.
O problema é que num contexto social dramático, com desvalorização acentuada da moeda – o dinar, altos níveis de inflação e desemprego em massa, sobretudo entre os jovens, as novas restrições penalizam seriamente uma população que já vive com grandes dificuldades. O nome do movimento que esta semana trouxe de novo o povo para as ruas em pelo menos duas dezenas de cidades, incluindo a capital, Túnis, é bem significativo – “De que estamos à espera?”
Os protestos, que começaram pacíficos, levaram depois em diferentes locais a choques com a polícia e entre manifestantes rivais. Balanço dos confrontos, até agora: um manifestante morto, dezenas de polícias feridos e pelo menos 800 pessoas presas.
Não são boas notícias para a Europa
O regresso da instabilidade social à Tunísia pode levar ao aumento do número de refugiados através do Mediterrâneo, já muito elevado, e alimentar também um caldo de cultura favorável ao radicalismo, expresso na recente onda de ataques terroristas contra estrangeiros, cometidos em nome do chamado Estado Islâmico, que atingiu seriamente uma das principais fontes de financiamento do país – o turismo. Não esquecer que foi também da Tunísia que saiu o maior número de jihadistas para as guerras do Iraque, Síria e Líbia.
Sob pressão das ruas, este domingo, o governo anunciou algumas medidas de carácter social de emergência – aumento das prestações sociais para as camadas mais pobres e melhorias no sistema de saúde e habitação – que terão, entretanto, ainda de ser aprovadas pelo Parlamento.
Resta saber se tais medidas serão suficientes para aplacar os protestos ou se não passarão de paliativos num contexto sócio-económico e político cada vez mais difícil de gerir – too little too late?
Em qualquer caso, a União Europeia faria bem em seguir com extrema atenção os acontecimentos e eventualmente tomar também ela algumas medidas emergenciais de apoio a Túnis para que a situação se não agrave. Do que menos precisamos é de mais instabilidade no Mediterrâneo.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.